A apresentação por um embaixador das suas cartas credenciais, perante um chefe de Estado estrangeiro, é um acto simbólico que, com os tempos e em alguns locais, foi perdendo muita da solenidade de que se revestia. Noutros, porém, mantém-se ainda rodeado de um certo formalismo protocolar, em especial nas monarquias. O acto é, em si mesmo, a simples entrega de uma carta, na qual o chefe do Estado do país de onde provém o embaixador dá conhecimento ao seu homólogo, no país onde esse diplomata vai trabalhar, da decisão de o nomear como seu representante.
Quando apresentei as minhas credenciais ao presidente Nicolas Sarkozy, não pude deixar de lembrar-me daquela que terá sido a mais épica das cerimónias do género em que esteve envolvido um embaixador português, curiosamente alguém que também já chefiou a Embaixada portuguesa em França.
A história data do início dos anos 80. Esse meu colega prestava serviço num país do Oriente e competia-lhe apresentar as suas cartas credenciais num outro Estado, uma pequena monarquia vizinha, na qualidade de embaixador não-residente. Não obstante diversas tentativas, tinham-se passado já largos meses sem que conseguisse obter uma data para a cerimónia perante o rei desse país. Um dia, depois de bastantes insistências, lá lhe explicaram que havia um problema de muito difícil solução: é que, de acordo com os sábios locais, ele estaria em conjugação astral negativa com Sua Majestade, pelo que o encontro entre os dois poderia ter repercussões trágicas, presume-se que para o rei.
Recordo-me da noite, em Luanda, em que esse meu colega, de passagem por Angola, me contava a situação que vivera, comentando: "Eu já nem sabia o que dizer a Lisboa, mas, como deves imaginar, não me arriscava a colocar, numa comunicação escrita ao nosso Ministério, que não conseguia apresentar as credenciais, por estar em "conjugação astral negativa" com o rei. Seria um gozo geral..."
Como era uma pessoa muito obstinada, acabou por obter um compromisso, que permitia a realização do acto de entrega, embora com algumas limitações: ele não se aproximaria do rei, ficando apenas à entrada da sala, havendo um portador que levaria as suas cartas credenciais a Sua Majestade.
O dia da cerimónia lá chegou, mas o meu colega, que achava aquilo tudo uma "chinesice" sem sentido, sentiu-se, de repente, tentado a não respeitar o acordo. E, chegado ao salão protocolar, avançou em direcção ao rei. A sala entrou numa agitação frenética, embora sempre num total silêncio. À medida que se aproximava do rei, levantavam-se mãos atrás do soberano, intimando-o a recuar. As caras dos cortesãos estavam lívidas de terror, mas o nosso homem lá levou a sua avante: entregou as suas credenciais, cumprimentou o rei e com ele teve uma pequena conversa. Aparentemente, o soberano desconheceria o "perigo" que o embaixador português representava para o equilíbrio da sua situação astral e ter-se-á comportado com majestática normalidade.
O que se passou depois, foi pouco simpático, embora compreensível. Até à sua saída do país, as autoridades do protocolo trataram-no com uma aberta hostilidade e, ao que soube, o frustrado negociador, com quem ele se comprometera, ter-se-á evaporado.
Nada sei do curso imediato das relações de Portugal com aquele pequeno país oriental, mas imagino que, por algum tempo, também terão ficado algo afectadas...
Quando apresentei as minhas credenciais ao presidente Nicolas Sarkozy, não pude deixar de lembrar-me daquela que terá sido a mais épica das cerimónias do género em que esteve envolvido um embaixador português, curiosamente alguém que também já chefiou a Embaixada portuguesa em França.
A história data do início dos anos 80. Esse meu colega prestava serviço num país do Oriente e competia-lhe apresentar as suas cartas credenciais num outro Estado, uma pequena monarquia vizinha, na qualidade de embaixador não-residente. Não obstante diversas tentativas, tinham-se passado já largos meses sem que conseguisse obter uma data para a cerimónia perante o rei desse país. Um dia, depois de bastantes insistências, lá lhe explicaram que havia um problema de muito difícil solução: é que, de acordo com os sábios locais, ele estaria em conjugação astral negativa com Sua Majestade, pelo que o encontro entre os dois poderia ter repercussões trágicas, presume-se que para o rei.
Recordo-me da noite, em Luanda, em que esse meu colega, de passagem por Angola, me contava a situação que vivera, comentando: "Eu já nem sabia o que dizer a Lisboa, mas, como deves imaginar, não me arriscava a colocar, numa comunicação escrita ao nosso Ministério, que não conseguia apresentar as credenciais, por estar em "conjugação astral negativa" com o rei. Seria um gozo geral..."
Como era uma pessoa muito obstinada, acabou por obter um compromisso, que permitia a realização do acto de entrega, embora com algumas limitações: ele não se aproximaria do rei, ficando apenas à entrada da sala, havendo um portador que levaria as suas cartas credenciais a Sua Majestade.
O dia da cerimónia lá chegou, mas o meu colega, que achava aquilo tudo uma "chinesice" sem sentido, sentiu-se, de repente, tentado a não respeitar o acordo. E, chegado ao salão protocolar, avançou em direcção ao rei. A sala entrou numa agitação frenética, embora sempre num total silêncio. À medida que se aproximava do rei, levantavam-se mãos atrás do soberano, intimando-o a recuar. As caras dos cortesãos estavam lívidas de terror, mas o nosso homem lá levou a sua avante: entregou as suas credenciais, cumprimentou o rei e com ele teve uma pequena conversa. Aparentemente, o soberano desconheceria o "perigo" que o embaixador português representava para o equilíbrio da sua situação astral e ter-se-á comportado com majestática normalidade.
O que se passou depois, foi pouco simpático, embora compreensível. Até à sua saída do país, as autoridades do protocolo trataram-no com uma aberta hostilidade e, ao que soube, o frustrado negociador, com quem ele se comprometera, ter-se-á evaporado.
Nada sei do curso imediato das relações de Portugal com aquele pequeno país oriental, mas imagino que, por algum tempo, também terão ficado algo afectadas...
4 comentários:
A continuação da história mostra toda a razão do astrólogo: aquele Rei foi assassinado, com a sua família, pelo próprio filho, que logo a seguir se suicidou, foi sucedido por um irmão incompetente, que se revelou incapaz de manter a monarquia naquele país, que é hoje uma República em pleno PREC... Depois façam troça dos astrólogos!
Alcipe
Aí está uma situação delicada que faz reflectir sobre o respeito pelo respeito da cultura e das crenças individuais dos povos.
Talvez se adeque o provérbio "Na terra onde fores viver faz como vires fazer".
Isabel Seixas
Já houve quem entregasse um envelope vazio por se ter esquecido, em casa, das cartas credenciais e só ter dado por isso tarde demais, já a caminho do local da cerimónia.
Um outro Embaixador, mais recentemente, foi surpreendido por um golpe de Estado ocorrido uns dias depois de ter chegado à capital do país onde fora colocado; na ânsia de ver a sua posição reconhecida internacinalmente, o novo Chefe de Estado insistiu em receber as cartas em que o seu homólogo apresentava o diplomata...ao seu antecessor deposto. Conseguiu-o, com a autorização complacente de Lisboa.
Face ao esclarecimento de Alcipe, o Embaixador dava mesmo galo...
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