Esqueçamos
por um instante Donald Trump. Falemos dos Estados Unidos da América que aí
estão e dos novos desafios que eles colocam à Europa.
A América amiga
(e historicamente promotora) da unidade europeia desapareceu, por ora, do
horizonte. Todos nos recordamos do tempo em que Washington era o grande defensor
do alargamento da União aos países que se haviam libertado da tutela soviética
– e até da Turquia. Agora, temos perante nós uma administração que se regozija
com o Brexit, que pretende mesmo que o exemplo floresça e que acaba de designar
como representante diplomático em Bruxelas alguém que acha que o euro acabará
em 18 meses. No topo da cereja, temos o abandono frontal do TTIP, numa colagem
aos inimigos do comércio livre e a quantos favorecem uma nova onda
protecionista, lida como a defesa possível face aos malefícios da globalização.
Um outro desafio não deixa de ser também altamente
relevante. A Europa mostrou um evidente seguidismo face à anterior
administração americana no que respeita ao seu relacionamento com a Rússia. Foi
Washington quem mais entusiasmou os seus aliados europeus – excitando mesmo o
sentimento anti-Moscovo da « nova Europa » traumatizada pela Guerra
Fria – na irresponsável aventura de forçar uma mudança na Ucrânia, onde
conseguiu fazer depor um presidente livremente eleito, apenas e só porque era
pró-russo e não facilitava um desequilíbrio estratégico do país em favor do Ocidente. A Europa deixou-se arrastar nesse
aventureirismo e, com isso, suscitou uma reação estratégica por parte de
Moscovo que, para já, fez perder a Crimeia à Ucrânia. Em contra-retaliação, a
União Europeia decretou sanções económicas contra a Rússia, que vieram agravar
ainda mais a recuperação dos seus setores que, no pós Guerra Fria, tinham vindo
a conquistar importantes segmentos de mercado russo.
Ora, neste novo contexto,
a América parece, pelo menos nos primeiros tempos, privilegiar um diálogo
estratégico com Moscovo, visivelmente com vista a desengajar-se, tão cedo quanto
possível, de responsabilidades militares no Médio Oriente, facilitando a
emergência de um tandem Moscovo-Ancara para combate simultâneo ao Daech e aos
inimigos do poder sírio. Como compensação estratégica, Washington reforça as
« mãos livres » de Israel, numa estratégia de contenção potencial do
Irão, quiçá complementado, a prazo, com a colocação do eixo sunita como um dos
novos elementos de poder regional.
Onde fica a
Europa, neste puzzle? Para já, em sítio nenhum, a ler bem as
posições de Washington. Uma coisa é certa : este « namoro »
americano com Moscovo é desconcertante para o investimento feito pela União
Europeia no caso ucraniano, e basta ler as parcas reações desse lado da Europa
para o sentir.
E chegamos a um outro e decisivo desafio. Poder europeu desde a Segunda
Guerra mundial, os EUA criaram a NATO como escudo de defesa desta parte do
mundo face à então ameaça soviética. Ganharam, entretanto, a Guerra Fria e,
simultaneamente, impuseram o alargamento da organização, criando uma
confortável « buffer zone » face a Moscovo, em particular para um
país como a Alemanha. No seu afã de afirmação hegemónica, nunca tendo
conseguido gizar um modus vivendi são com a nova Rússia, os americanos levaram
a NATO longe demais, cederam às pretensões quase revanchistas dos recém-convertidos e foram criando um “build-up”
de tensão militar que roça a irresponsabilidade, em particular sabendo-se que,
do outro lado, está um poder autoritário, sob desespero económico, que assenta
toda a sua nostalgia de grande potência no seu arsenal militar.
Aqui
chegados, o que é que ouvimos da nova América? Que a NATO está obsoleta, que
cada um deve pagar a sua defesa e que os EUA não estão dispostos a gastar o seu
dinheiro na defesa dos outros. Seria necessária uma imaginação muito forte para
conseguir desenhar um discurso que pudesse fazer sorrir mais Moscovo.
Será a
Europa capaz de aproveitar este contexto desfavorável para ganhar alguma
autonomia estratégica, reforçando-se como poder autónomo, no desenho das suas
opções próprias? Como dizia um velho amigo meu, quando descria na capacidade
dos outros para qualquer coisa, “não estamos com gente disso”. É, pelo menos, o
que eu penso.