domingo, setembro 29, 2013

Por um voto

"Por um voto se ganha, por um voto se perde", costuma dizer-se na vida democrática. Às vezes, é assim mesmo.

O meu pai costumava lembrar que, numas das primeiras eleições autárquicas, lá por Vila Real, a minha mãe, por uma qualquer razão momentânea, decidira não ir votar, não obstante ambos terem uma declarada preferência por um candidato à presidência da Junta de Freguesia da sua residência. Esse candidato perdeu... por um voto!

Vote!

Em tempo: o PS ganhou por um voto em Mogadouro! Eu não dizia?!

Com o devido respeito

O senhor presidente da República considera - e muito bem! - que a legislação que enquadra o modelo de cobertura mediática das eleições autárquicas está desadequado da realidade e deve ser revisto. Com o devido respeito, e como se diz na minha terra, "até aí chegou o Neves!". Já toda a gente tinha constatado isso e é com imensa pena que vejo o chefe de Estado português a proferir, na solenidade da noite que antecede o ato eleitoral, uma banalidade que as últimas semanas transformaram numa verdade de La Palice.

Se o senhor presidente, que tem um batalhão de conselheiros a assessorá-lo para as suas tomadas públicas de posição, e que está no cargo há bem mais de seis anos, tivesse, a tempo e horas, dito aos partidos o que ontem disse, talvez as eleições autárquicas que hoje se disputam tivessem decorrido num melhor ambiente de informação democrática. Do mesmo modo que, também há muito tempo, com a sua autoridade institucional, poderia ter espoletado uma clarificação da lei dos mandatos, que acabou por transformar estas eleições num triste espetáculo de ambiguidade e cobardia legislativa.

Só podemos esperar que o senhor Presidente da República, na comunicação que fará ao país na véspera das próximas eleições legislativas, não venha a surgir nos écrans televisivos a lamentar, dessa vez, que os partidos políticos não tenham entretanto empreendido uma revisão da lei eleitoral para a Assembleia da República, encurtando os ridículos longos prazos, a montante e a juzante do ato eleitoral, que, pelo menos de quatro em quatro anos, contribuem para atrasar a normalidade da vida política, económica e social do país. Nessa que irá ser a sua derradeira intervenção num contexto similar, seria desejável que o chefe do Estado pudesse colocar a crédito de uma sua atempada intervenção a fixação de um quadro legislativo com calendários mais céleres e menos burocráticos.

sábado, setembro 28, 2013

Vitórias

Hoje, dia "de reflexão", não se deve falar de eleições na comunicação social. Nem nas redes sociais, presumo que blogues incluídos, segundo a Comissão Nacional de Eleições. Um país que acreditasse na maturidade dos seus eleitores já teria posto termo a esta ridícula política de "faz-de-conta".

Não é apenas pela permanência no tempo desta iníqua disposição que se constata que a inteligência dos portugueses é tida em limitada consideração pelos partidos políticos, que teimam em manter na lei esta absurda limitação. Na noite de domingo, teremos uma outra prova disso: com a maior "lata", e fazendo dos eleitores parvos, todos os partidos cantarão vitória.

O CDS e o Bloco de Esquerda acenarão com os seus microscópicos números, comparando-os com o "benchmark" temporal que lhes der mais jeito. Confessar a sua insignificância autárquica é que nunca! O PSD, que já pôs em campo a sua máquina de comentadores com vista a almofadar o que vai ser a "vitoriosa" abada que vai levar, recorrerá ao estafado truque de afirmar que os resultados, afinal, não foram tão maus como as previsões apontavam, que as coligações não autorizam leituras "precipitadas" da expressão partidária à escala nacional e que, no fundo, "eleições locais são locais", magnificando um ou outro êxito pontual menos aguardado. Internamente incomodado com o facto da sua natural vitória ficar bem longe da expressão de "landslide" que o profundo mal-estar do país deveria justificar em seu favor, o PS cavalgará as mais estrondosas derrotas do PSD e fará a sua festa, esquecendo Évora, Braga e Matosinhos, e contando votos, mandatos, grandes cidades ou câmaras, como melhor convier ao discurso do seu êxito anunciado. O PCP, através do heterónimo grupinho que renasce nos tempos eleitorais, proclamará a "grande derrota" que a política da "troika" sofreu, dando relevo "ao forte voto de confiança que o nosso povo uma vez mais concedeu aos candidatos da CDU". E, não desiludindo expetativas, conclamará as massas para a exigência de eleições legislativas antecipadas.

Os portugueses, esses, irão deitar-se amanhã com uma sensação de "déjà-vu".

quinta-feira, setembro 26, 2013

Zelig

Seria importante para a imagem internacional de Portugal que Woody Allen fizesse um filme em que Lisboa fosse o cenário de fundo? Claro que sim.

Se Allen "agarrasse" bem a capital portuguesa, numa trama inteligente e sem clichés, fugindo ao modelo, a meu ver demasiado simplista, que usou para Paris e Roma, ficaria orgulhoso em poder contar com a capital portuguesa no seio daquela que (já) foi uma das filmografias mais geniais da minha geração.

Mas suspeito não é isso que se pretende. O que por aí se anseia é o afadistar da película, é a reiteração do óbvio - um diálogo romântico no alto do parque Eduardo VII com o Tejo a diluir a outra banda, a Baixa ensolada do miradouro do castelo, o elétrico a chiar na já estafada esquina de Alfama, o bilhar do Pavilhão Chinês, a bica na mesa de Pessoa no Martinho da Arcada ou com o Pessoa da Brasileira, um "tête-à-tête" num dos poisos do Avillez ou com um prego no prato e um fino na Trindade, um "contre-plongée" no elevador da Bica ou cenas de rua no Bairro Alto grafittado, o olhar nostálgico do jardim de S. Pedro de Alcântara ou da saramáguica Casa dos Bicos. Duvido que tenham coragem para incluir o "suspense" de uma viagem mistério com um taxista do aeroporto ou a emoção da carteira fanada no 28, agora que o Intendente passou de moda.

Claro que isso traria a Lisboa gente, euros, dólares e balzaquianas, que passariam os dias a fazer "takes" caseiros, a imitar a película no seu iPhone, a comer os pastéis de Belém do Álvaro, a inundar os Jerónimos de "uáus!" e o terraço das Portas do Sol de turistas. Seria o "Allgarve" de Manuel Pinho em versão alfacinha, desta vez a cheirar a sardinhas no verão e a castanhas no inverno.

Era bom para o turismo? Era capaz de ser. Mas, desculpem lá, tudo isso soa-me demasiado, no pior, a um "remake" do SNI e Moreira Baptista, e, no melhor, a Verde Gaio e António Ferro. Deixemos o Woody Allen em paz, nas boas recordações que nos fixou! Não alimentemos esta espécie de Zelig urbanos que agora lhe enchem os bolsos.

Bom, a menos que ele traga para a fita a Scarlett Johansson! Uma cena com ela no Procópio far-me-ia rever tudo quanto atrás escrevi, devo confessar...

Timor e o fim da descolonização

Há dias, numa conversa durante uma cerimónia na visita a Portugal do presidente timorense, Taur Matan Ruak, lembrei-me de uma história passada em Nova Iorque, ao tempo em que por lá passei como representante permanente de Portugal junto das Nações Unidas.

Um dia (creio que) de maio 2002, um colaborador perguntou-me se estava interessado em ir "à última reunião em que o 'Comité dos 24' iria abordar a questão de Timor". Como a minha agenda era então um "inferno", lembro-me de ter hesitado por um instante. Mas a atenção prioritária que sempre dávamos a Timor-Leste fez-me logo dizer que sim. Porém, só um pouco depois tive a consciência do que essa reunião na realidade significaria.

O "Comité dos 24" (até 1962 conhecido por "comité dos 17", em função do número dos países que o compunham) é uma fórmula redutora para um nome bem mais longo: "Comité especial encarregado de examinar a situação relativa à aplicação da Declaração sobre a concessão da independência aos países e povos coloniais". É também chamado "Comité especial para a Descolonização". O Comité foi criado em 1961, após a aprovação da referida Declaração pela Assembleia geral da ONU, em 1960.

Ainda em 1962, Portugal foi convidado a estar presente numa reunião do "Comité dos 17". (Recordo que, em fevereiro e março de 1961 tiveram lugar graves incidentes em Angola e que Goa caiu em mãos indianas em dezembro desse mesmo ano). Considerando que, na perspetiva do governo de Lisboa, não havia, sob a sua tutela, colónias ou territórios passíveis de se enquadrarem nos objetivos do Comité, o governo português veio a recusar-se, a partir de então e até 1974, a colaborar com aquela estrutura, que se iria transformar num dos mais ativos instrumentos internacionais de denúncia do colonialismo português. Com a aceitação da autodeterminação e independência das suas colónias, a partir da Revolução de 25 de abril, tudo mudou. E, desde 1975, apenas o caso de Timor-Leste, dentre os antigos territórios coloniais portugueses, permaneceu como um processo em aberto nessa instância, neste caso sob a denúncia da ocupação indonésia.

Por essa altura de 2002, aproximava-se a independência de Timor-Leste, que iria ter lugar no dia 20 de maio. A reunião do Comité para a qual eu era convocado era a última na qual uma questão relativa à história colonial portuguesa era evocada. Já não me recordo do que disse na sessão, o que deve constar da respetiva ata oficial e do relato desta que terei feito para o MNE. Mas lembro-me bem de que, nesse momento, tive a consciência de que a presença de Portugal naquele ato culminava, de certa maneira, um tempo histórico.

Com a independência de Timor-Leste, no dia 20 de maio de 2002, fechar-se-ia um ciclo de uma aventura imperial iniciada em 22 de agosto de 1415, com o assalto militar português à fortaleza mourisca de Ceuta. Na reunião do "Comité dos 24", em que eu participei em nome de Portugal, escassos dias antes daquela independência, encerrava-se formalmente último capítulo do longo processo que conduziu ao fim do tratamento internacional da questão colonial portuguesa, iniciado meio século antes.

quarta-feira, setembro 25, 2013

Memória

O comentário que o cavalheiro inglês fez para a sua mulher, ontem, numa loja do aeroporto de Málaga, fez-me sorrir: "este cheiro lembra-me qualquer coisa!" O curioso é que eu estava a pensar precisamente o mesmo, embora, no meu caso, não tivesse a menor dúvida: era o da uma loja, em Greenwich Village, no fundo da 7a avenida, em Nova Iorque, em dezembro de 1972. Era um odor perfumado, com algo de oriental, que ia bem com algum ambiente da época. Não faço ideia do que é, mas tenho a certeza absoluta de me não enganar.

Uma vez, trocando impressões com António Pinto da França, um grande amigo que há pouco se foi, dei-me conta de que comungávamos o facto de mantermos uma memória olfativa muito aguda, ligada a certos momentos da vida que tinham ficado registados para sempre. E comentámos o facto de conhecermos outras pessoas com idêntica experiência.

Sucede-me de vez em quando, embora de forma não muito frequente: entro num local, tenho uma certa perceção olfativa e, às vezes, quase sem esforço de memória, regresso por um instante a um certo local e a um tempo, sempre longínquo, onde essa perceção já se produziu. O curioso é que isso não corresponde, necessariamente, a ocasiões ou locais marcantes do passado, mas a tempos banais. Ou, então, a minha memória não os considera tão banais como isso.

Algumas vezes me tenho encontrado com o cheiro típico da cera das escadas do Clube de Vila Real, nos anos 60. Há tempos, numa esquina não sei bem onde, surgiu-me o odor que emanava de uma mercearia da rua Alexandre Braga, no Porto, um misto de café e especiarias, no meu tempo de universidade. Lembro-me bem do aroma, acolhedor, da copa da cozinha das minhas tias, nas Pedras Salgadas, com um fundo inconfundível de marmelada. E, há uns meses, ao entrar num escritório, dei "de narinas" com o cheiro que emanava das madeiras da nova Biblioteca Nacional de Lisboa, no início dos anos 70. Guardo quase uma vintena, bem identificada e razoavelmente datada, desses locais e dessas impressões olfativas. 

Este verão, em Viana do Castelo, decidi "ir à procura" do cheiro eterno do corredor que levava ao sótão (à "torre") da casa da minha avó. Pedi para visitar a casa, hoje uma bela escola de música. Sem grande surpresa, do cheiro dessa casa antiga, onde já não ia há quatro décadas, "nem o cheiro". Perguntei então se podia ir à cave, à "loja", como lhe chamávamos. E lá estava ele, entre arquivos, um outro confortante odor, feito de humidade, poeira e memória. Pronto, tinha ganho o meu dia!

Ficarei grato a quem me possa indicar um livro sobre cheiros e memórias. Havendo coisas escritas sobre tudo, estou certo que existirá algo sobre isso.

terça-feira, setembro 24, 2013

Juventude e cidadania

É interessante perceber que existe hoje uma verdadeira globalização das preocupações dos jovens, independentemente das respetivas origens. Isso esta bem evidente na "universidade para a juventude e o desenvolvimento" que o Centro Norte-Sul está a realizar em Mollina, em Espanha. 

Desde há 14 anos que o Centro toma a iniciativa, com vários parceiros institucionais, de organizar, durante uma semana, um evento em que envolve centenas de participantes, na maioria entre os 20 e 30 anos, oriundos de estruturas de juventude de uma multiplicidade de países, reunidos em torno de uma temática cívica. O objetivo é preparar quadros que levam para as organizações onde operam modelos de abordagem de questões ligadas às grandes temáticas internacionais de natureza cívica. Este ano, o tema da "cidadania democrática" foi escolhido como motivo central.

Com uma equipa de formadores bastante testada, procura-se confrontar experiências, dificuldades e modelos de exercício da cidadania, nos vários contextos nacionais e regionais. Contamos com jovens de dezenas de países, que vao da Bielorrúsia às Honduras, da Somália a Cabo Verde, do Quénia ao Egipo, do Canadá à Tailândia e por aí adiante, passando naturalmente pela maioria dos Estados europeus. A diversidade dos contextos nacionais e culturais de origem não impede um aprofundamento sobre questoes cuja universalidade cria um laço que permite a troca de perceções, sempre num quadro de respeito pelo outro e pelas respetivas convicções.

Como diretor executivo do Centro - que não é uma organização portuguesa mas europeia, dependente do Conselho da Europa - coube-me estar presente na abertura da "universidade" e assistir aos primeiros dias dos seus trabalhos. Devo confessar que foi uma experiência única poder testemunhar um conjunto muito rigoroso de atividades, desenvolvidas num ambiente em que a informalidade não afeta. E entendi melhor o conceito africano do "mais velho"...

segunda-feira, setembro 23, 2013

António Ramos Rosa (1924-2013)

Morreu hoje António Ramos Rosa, um dos maiores poetas portugueses contemporâneos..

Apetece-me deixar aqui o link para o seu clássico "Poema de um funcionário cansado".

domingo, setembro 22, 2013

Nós e a Alemanha

O porta-voz do PS acaba de considerar que a vitória esmagadora da CDU/CSU é "um mau resultado para a Europa". 

Não sei se é ou não, só sei que Angela Merkel, se os socialistas forem poder em Portugal durante os próximos quatro anos, será a chefe do governo alemão com a qual o primeiro-ministro socialista vai ter de lidar, com a qual vai trocar, na sua primeira deslocação a Berlim, naturalmente ido de Paris, os beijos sorridentes da coreografia diplomática tradicional, com a qual subscreverá, em conferência de imprensa à saída do "diálogo frutuoso e construtivo" que constituiu esse encontro conjunto (que uma fonte anónima de S. Bento deixará cair à comunicação social que durou muito para além da meia-hora programada), a "vontade comum para trabalhar num quadro europeu cada vez mais liberto de tensões, através da construção de uma agenda de governação económica sustentada por respostas credíveis para pôr termo à persistência dos efeitos da crise em vários Estados da União Europeia, cada vez mais necessárias para a preservação da estabilidade do euro e para o desejável aprofundamento do projeto europeu, que Portugal e Alemanha partilham". Ambos vão indicar que, com essa finalidade, manterão "um estreito contacto e um constante diálogo, com vista a garantir um trabalho frutífero comum nas instâncias da União, para enfrentar os grandes desafios com que hoje a Europa se confronta, num clima de confiança e abertura, à altura da excelência das relações de há muito existentes entre os dois países". A chanceler alemã, que o primeiro-ministro convidará a visitar Portugal "numa data futura, a definir através dos canais diplomáticos", expressará "a confiança que tem em que o novo executivo português prossiga as necessárias medidas de consolidação orçamental", deixando "uma palavra de sincera admiração pelos esforços levados a cabo pelo povo português nos últimos anos, que deverão conduzir a uma saída da crise num prazo razoável e à retoma de um processo de desenvolvimento no qual os investimentos alemães em Portugal continuarão a ter uma relevância muito importante". Pegando na palavra da chanceler, o primeiro-ministro português aproveitará o ensejo "para saudar as empresas alemãs que estão presentes na economia portuguesa, estimulando outros investidores alemães a apostarem no mercado português, no qual poderão encontrar excelentes oportunidades e um grande abertura". 

Alguma imprensa notará, contudo, que, após a conferência de imprensa, a chanceler não acompanhará o primeiro-ministro português até ao carro, no termo da longa passadeira vermelha onde o havia recebido no início do encontro, ocasião em que ambos, entre sorrisos, haviam apontado para o céu, referindo-se seguramente ao tempo que fazia em Berlim. 

Politicamente incorreto

Quem se ofende ou acha discriminatórias graças que podem tocar os limites da "correção" política deve abster-se de ler o que se segue.

Um dia, na segunda metade de 1996, um banco português decidiu convidar o cantor lírico Andrea Bocelli para um espetáculo em Portugal. Bocelli, um fantástico intérprete, cego (ou invisual, como parece ser hoje de regra dizer-se), exigiu condições financeiras substanciais. Porém, o banco, interessado como estava na presença do cantor, aceitou os números exigidos.

Não se contava, porém, com uma "competição" como a que viria a surgir: o recém reeleito presidente americano, Bill Clinton, queria ter Bocelli nas comemorações da sua segunda entronização. E as datas coincidiam. O cineasta Steven Spilberg, apoiante do presidente, estava mesmo disposto a deslocar-se a Itália, no seu avião particular, para garantir a presença de Bocelli em Washington.

O "combate" entre os dois concorrentes prolongou-se por algum tempo. A certo ponto, o caso pareceu perdido para o banco português, com Bocelli a dar sinais de ir optar pela sua prestigiante alternativa transatlântica. Foi então que um diplomata português, envolvido pontualmentr na questão, um homem que costuma cultivar o humor como um valor mais elevado do que as regras do politicamento correto, se saiu com esta frase que ficou na memória de quem esteve envolvido no assunto:

- Isto é incrível! Portugal raramente tem dinheiro para "mandar cantar um cego". Logo agora, que foi possível arranjar o dinheiro, o cego não quer cantar...

Para a história: Bocelli acabou por conseguir vir a Portugal e o avião, com o próprio Spielberg, ficou à espera do cantor no aeroporto do Porto, aguardando o fim da sua prestação. E foi possível compatibilizar os dois espetáculos.

Espero que ninguém tenha ficado ofendido com esta inocente e verdadeira história, que alguém, há poucas horas, recordou num grupo de amigos, que a achou bem divertida.

sábado, setembro 21, 2013

"Pela Europa"

Tenho pena de não poder colocar aqui um link, mas o "Público online" não o permite. Porém, o excelente artigo que o meu colega embaixador Fernando d'Oliveira Neves hoje publica no jornal é de leitura obrigatória para quem, entre nós, se interessa pela questão europeia.

Fazendo um bosquejo histórico sobre o modo como o projeto integrador deu um sopro de paz ao continente europeu e se constituiu numa inédita esperança para o mundo, o texto, significativamente intitulado "Pela Europa", é um sinal mobilizador para abanar algum injustificado euroceticismo que por aí anda, propagado por quantos confundem a conjuntura com a História.

Não me custa admitir que alguns possam alimentar dúvidas sobre se certas políticas europeias, por ação ou omissão, não poderão ter estado na origem de alguns dos nossos atuais problemas. Mas não tenho a menor dúvida que é fundamentalmente na Europa, e com ela, que serão encontradas as soluções para os resolver.

A Europa de Rui Tavares

Não conhecia pessoalmente Rui Tavares. Ontem, ao final da tarde, tive o gosto de com ele discutir a temática da União Política europeia, durante mais de hora e meia, numa participada sessão na Culturgest.

Com uma formação intelectual que lhe permite situar, com profundidade e brilho, o atual debate europeu no percurso histórico do continente, Rui Tavares desenvolveu uma leitura, simultaneamente realista e generosa, das opções possíveis para a superação da crise, muito assente na busca de uma maior democratização do processo europeu, com vista a uma crescente legitimação do projeto integrador. Um discurso onde a exigência ética esteve sempre presente, na linha do que tem sido a sua ativa participação no processo parlamentar europeu.

Gostei de o ouvir sobre a possibilidade de a eleição do próximo presidente da Comissão Europeia poder vir a converter-se num debate entre diferentes perspetivas sobre as linhas que a política económica e financeira da Europa deve assumir perante a crise. Embora eu alimente sérias dúvidas de que o "centrão" europeu (PSE e PPE) venha a confrontar-se publicamente, de forma radical, em torno das saídas para a crise, pareceu-me interessante a ideia que desenvolveu sobre a importância de ver um futuro presidente da Comissão investido de uma legitimidade europeia própria, que poderia vir a dar origem a um potencial "choque" competitivo com os poderes do Conselho, com consequências interinstitucionais bastante curiosas. Quem sabe se isto, a ser possível, não poderia significar o início de um "big bang" institucional, que ajudasse a romper com o impasse em que nos encontramos.

No plano português, Rui Tavares defendeu a discussão de um "memorando de desenvolvimento" (em irónica oposição ao 'memorando de entendimento' com a "troika"), que possa ajudar a sociedade portuguesa a dotar-se de uma estratégia nacional clara, para um período de, pelo menos, uma década. Na sua visão, seria importante que Portugal pudesse refletir sobre a ineficácia do modelo que parece estar a servir de referência à organização sócio-económica do país, tributário do que pode entender-se como um acordo social implícito, gerado nos anos 70. E, saindo dele, procurasse discutir e consensualizar um novo paradigma, assente no conhecimento e na inovação, seguindo de perto as prioridades que a Europa está a adotar para as suas políticas comuns.

Julgo que, para todos quantos estiveram na Culturgest, foi muito estimulante ouvir, sobre a Europa, um olhar inteligente e culto, despido da ganga das velhas soluções. Algum idealismo e ousadia nunca fizeram mal ao debate europeu, antes pelo contrário.

Este e outros debates pode ser visualizado aqui.

sexta-feira, setembro 20, 2013

Uma Ajuda, precisa-se

Passei, há minutos, ao lado do Palácio da Ajuda. Por lá trabalhei, nos meus tempos militares, tendo-me interrogado, na altura, sobre qual a misteriosa razão que levava a que, desde há séculos, a sua fachada oeste se mantivesse com aquele ar de ruína inacabada. Um dia, nos anos 90, tive o ensejo de assistir a uma reunião política em que o assunto foi discutido e uma solução possível foi abordada. Desconheço a sua sequência, que presumo que terá sido nenhuma.

A "malapata" de Santa Engrácia acabou nos anos 70. Fizeram-se o CCB e imensos quilómetros de autoestradas, pavilhões gimno-desportivos, rotundas, milhares de obras, muitas delas inúteis, para encher o olho e o bolso patobravista autárquico. Terá também havido dinheiro para construir, de raíz, um novo e muito discutível Museu dos Coches. Neste mar de fundos, por que será que o Palácio da Ajuda permanece como o parente pobre do nosso mais valioso património histórico-arquitetónico?

Já se percebeu que não há a menor hipótese de vir a construir-se o resto do palácio, sob o desenho conhecido. Mas então por que razão não se opta por uma solução arquitetónica inteligente e criativa (mesmo "modernaça"), não excessivamente dispendiosa, que dê um "fecho" decente ao que já está construído e acabe, de uma vez por todas, com aquele triste mono que se vê do lado da calçada da Ajuda e que, do interior, apresenta o que a fotografia mostra?

Há um amigo meu que tem uma teoria: dado que é precisamente nesse palácio que funciona o IGESPAR (Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico), ninguém "olha" para o Palácio da Ajuda do lado de fora.

Mais a sério: eu sei que os tempos não são os melhores para a realização de "obra pública", mas alguém me saberá explicar a razão pela qual o Palácio da Ajuda não encontrou nunca uma solução arquitetónica final?

União política

Hoje, pelas 18.30 horas, na Culturgest, acompanharei o deputado europeu Rui Tavares numa conversa sobre a União Política europeia.
 
Este será o último de uma série de encontros que a Culturgest decidiu promover sob a temática comum "Portugal e a reformatação da Europa: incertezas, riscos, opções", que até agora já contou com a participação dos deputados ao Parlamento europeu Elisa Ferreira, Paulo Rangel e Diogo Feio.
 
É talvez altura de revelar que esta iniciatica resultou de uma "conspiração euro-preocupada" para a qual fui convidado pelo diretor da Culturgest, Miguel Lobo Antunes, e que envolveu os nomes de Fernando Bello, João Costa Pinto, João Ferreira do Amaral, João Salgueiro e José Manuel Felix-Ribeiro.  

Arquiteturas

Abri ontem o "Le Monde" e dei de caras com um título: "Lisboa, sim! Mas não para a Trienal de Arquitetura". O jornal francês lançava um forte ataque ao evento em curso na capital portuguesa, cujos organizadores são acusados de "preguiça maximalista e lúdica", da qual terá resultado uma mostra "pretensiosa e naïf". Tomei nota, mas não tenho a menor opinião sobre se o "Le Monde" tem ou não razão.

O artigo não deixa de notar que Portugal continua a ser um dos raros países do mundo que tem dois arquitetos a quem foi atribuído o equivalente ao prémio Nobel da Arquitetura, o prémio Pritzker: Siza Vieira e Souto Moura. (Por curiosa coincidência, vou participar hoje num almoço de trabalho destinado a lançar uma iniciativa que tem como objetivo reforçar o reconhecimento internacional da nossa arquitetura).

Voltando ao texto do "Le Monde", registe-se o retrato cruel, mas infelizmente verdadeiro, que o jornalista produz sobre a Lisboa de hoje: "uma multidão de sem-abrigo, uma miríade de estabelecimentos comerciais fechados, obras suspensas ou quase um pouco por todo o lado e uma impressionante série de imóveis com janelas fechados ou quebradas, deixadas ao abandono, arruinadas". Não obstante, o jornalista estimula a que se visite Lisboa, dando sinais de clara solidariedade com um país em crise. Só faltou falar deste sol magnífico, que nem a crise nos tira!

quinta-feira, setembro 19, 2013

Políticos e diplomatas (2)

O X Curso de Verão do IPRI, que ontem se concluiu em Óbidos, coincidiu com um interessante levantamento sobre a carreira diplomática portuguesa, bem como sobre as figuras políticas que, ao longo dos tempos, titularam lugares governativos no MNE.

Na intervenção que fiz, e que encerrou os trabalhos do curso, dei conta da minha perspetiva sobre as mudanças que o 25 de abril trouxe à nossa carreira diplomática, quer em termos de recursos humanos e da extensão da rede diplomática, quer quanto aos novos desafios suscitados pelo processo de democratização e por uma decorrente maior aceitação política internacional do país. Dei também destaque às mutações induzidas pela integração europeia e à nova cultura de trabalho multilateral. Mas, muito em especial, notei as virtualidades da expressiva continuidade das grandes linhas da política externa portuguesa e da importância de um país como Portugal dever projetar uma imagem "previsível" perante os seus interlocutores internacionais. E falei, com algum detalhe, da relação entre os políticos e diplomatas.

Crónica do défice

Por uns dias, volta a descer à cidade o circo da "troika". Tudo começa com as entradas e saídas apressadas dos automóveis, com os estagiários de imprensa, de "corneto" em punho, a gaguejarem umas perguntas em inglês a uns cavalheiros graves (já era tempo de escolherem uma senhora!) que eles estão desertos de saber que lhes não lhes dirão um simples "bom dia". Depois, segue-se aquele patético "perp walk" pelos corredores de S. Bento, até chegarem à cena com a presidente do parlamento (cá por coisas, adorava ser mosca nesta cena) e, minutos mais tarde, a reunião com a "balcanizada" comissão parlamentar de acompanhamento, de onde presumo que os homens devam sair mais confusos do que entraram. Há também a clássica ida ao Rato, onde o PS, seguramente, lhes repetirá aquilo que o seu secretário-geral já disse publicamente. Fecha esta primeira parte o encontro com a "concertação social", num ritual à volta de uma imensa mesa, que tudo indica ser um mero pretexto para uns minutos de antena de patrões e sindicatos à saída. 
 
Como toda a gente sabe, nas reuniões que acima referi não se passa realmente nada de importante, tanto mais que as posições de todas essas partes são já sobejamente conhecidas. Por isso, obviamente que o que interessa à "troika" são os encontros técnicos no ministério das Finanças (ou agora serão nas Laranjeiras?), onde o governo lhes dirá o que pôde ou não implementar, daquilo a que se comprometeu, desde a última avaliação.
 
Só que, desta vez, há, de facto, alguma coisa de verdadeiramente novo. O vice-primeiro ministro, que tem oficialmente a seu cargo o controlo político das negociações, deixou claro no parlamento, em coerência com o que sempre disse, que pretende explorar a possibilidade de vir a ser aceite um défice de 4,5% do PIB, provavelmente com vista a poder aligeirar o peso de algumas medidas de austeridade que se avizinham. Nessa posição de flexibilização, viria a ser acompanhado por um novo e importante ministro do seu partido. Logo de seguida, porém, a ministra das Finanças, num comentário em cenário báltico, não se desviando um milímetro das (antigas) orientações do seu antecessor e numa irrecusável coerência com o que ela própria sempre afirmou, veio dizer, de imediato respaldada pelo chefe do governo, que não passa de "ruído" a ideia de flexibilizar a meta de 4%, que está acordada para este ano, esclarecendo, mais tarde, que, se isso viesse a acontecer, apenas conduziria o país a ter mais défice para pagar. Porém, logo de seguida, o principal responsável, fora do governo, do partido que dirige o executivo, surgiu a acusar o FMI de "hipocrisia institucional", ao não aceitar alterar as metas do défice, embora reconheça em estudos a ineficácia do modelo de ajustamento. Mas, afinal, em que ficamos? Qual é a posição oficial portuguesa? Queremos ou não uma meta para o défice menos constrangente do que a que está prevista?  
 
Se há uma coisa consensual na vida diplomática, por um mero raciocínio de bom senso, é o facto da imagem de um país se fragilizar, de imediato, quando, perante um qualquer interesse nacional a defender na ordem externa, se deteta uma não coincidência entre as posições oficiais que surgem publicamente expressas. Neste caso, os mercados, nos juros e na atitude de uma agência de "rating", já deram sinais de lerem esta cacofonia como produto da reemergência de divisões internas no seio da maioria. Será mesmo assim? Estaremos a caminho de um "remake"? 

quarta-feira, setembro 18, 2013

Políticos e diplomatas

Hoje à tarde, em Óbidos, falarei sobre a minha experiência como diplomata que, por mais de cinco anos, desempenhou funções políticas. O Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), pela mão do seu diretor, professor Nuno Severiano Teixeira, realiza ali o seu curso de verão, desta vez intitulado "Políticos e diplomatas: quem são as elites portuguesas que fazem a Política externa".

Tenho imensa pena de não ter podido aceitar o convite para estar presente nos três dias deste interessante curso. Porém, esta é uma semana bastante complicada, em termos de agenda.

Na segunda-feira, num contexto empresarial, fui falar sobre os grandes desafios geopolíticos da atualidade. Na terça feira, estive presente numa mesa redonda, no domínio da Segurança e Defesa, sobre gestão de crises e missões da União europeia. Nesta quarta-feira, estarei em Óbidos, no já referido curso de verão do IPRI. Na quinta-feira, num enquadramento bem diferente, intervirei sobre a crise do euro e as perspetivas da economia europeia. Na sexta-feira, na Culturgest, discutirei, com o deputado europeu Rui Tavares, as perspetivas da União Política na Europa. E, no fim de semana, rumarei a Málaga, para abordar questões de cidadania europeia, a convite de uma iniciativa universitária internacional.

Quem corre por gosto não deve cansar-se. Como diria um velho amigo vilarealense: digo eu, não sei!

terça-feira, setembro 17, 2013

Nunca!

A resposta daquele contínuo, frente ao responso que o acusava de ter sido ele o responsável por uma qualquer ação menos adequada, ficou histórica:

- Ó senhor embaixador, não é verdade! Nunca fiz isso, nem volto a fazer...

Diligência útil


Foi no final dos anos 70 do século passado. Portugal não tinha uma embaixada naquele país. Aquele ministro português, de uma área técnica, quis ter um encontro com o seu homólogo local, de cujo departamento dependia um importante contrato de uma empresa nacional do seu setor. O encontro foi marcado, à margem do nosso Ministério dos Negócios estrangeiros, através de uma representação diplomática desse país num terceiro Estado, numa espécie de "diplomacia paralela", estimulada pela empresa e decidida pelo estilo "operacional" do governante.

Um forte contencioso tinha-se instalado entre a empresa e aquele Estado, por virtude de um atraso de pagamentos. O país era distante, a viagem fora longa, mas a importância do assunto justificava, no entender do ministro, o esforço e a diligência política. Porém, porque não havia a menor garantia de sucesso, optou-se por não noticiar a deslocação. O ministro chegara nessa madrugada e partiria ao final do dia.

O nosso governante tinha a "lição" bem estudada. Preparara a sua argumentação com cuidado. Na conversa com o seu colega, fez uma longa explicitação das nossas razões e, para atenuar o peso das reivindicações feitas, deixou algumas pistas, articuladas com a empresa, no sentido de promover um faseamento dos valores atrasados.

O ministro estrangeiro ouviu-o, em silêncio. No fim, comentou:

- Agradeço muito a sua visita. Este é, de facto, um assunto complexo, um de entre muitos que, não obstante os esforços que fiz, não consegui resolver. Tenho pena de não ter podido ir mais longe. Mas não posso fazer mais nada. Aliás, seria incorreto da minha parte ter agora qualquer intervenção na matéria, como compreenderá.

O nosso ministro, algo estupefacto, disse que não, que não compreendia. Por que diabo não podia ele intervir?

- Como é do conhecimento público e veio inclusivamente publicado na imprensa, pedi a demissão do cargo há cerca de 15 dias. Estou à espera,  todo o momento, de ser substituído. Espero que possa passar por cá num outro dia e falar com a pessoa que me vier a suceder no cargo.

Às vezes, vale a pena ter embaixadas pelo mundo. Evitam coisas destas.

Isto é verdade?