terça-feira, agosto 07, 2012

Londres olímpica

Visto aqui de Paris, que continua a ser o maior centro urbano de atração turística à escala global, percebe-se muito bem o fantástico aproveitamento, em termos de promoção como destino de visitantes, que Londres está a fazer com estes Jogos olímpicos. A espantosa qualidade das imagens televisivas cobre diversos cenários do Reino Unido, os quais, sem a menor dúvida, vão atrair, no futuro, muita gente de todo o mundo - não obstante a insegurança do clima. 

Tudo indica que estamos perante uma operação bem conseguida, para uma economia britânica que bem dela estava necessitada. E alguma coisa também me diz que os ingleses não vão cometer os mesmos erros da Grécia, em 2004, quando, numa iniciativa algo megalómana, se envolveram numa insensata aventura olímpica, sem um retorno suficiente, o que terá contribuído para agravar a sua já então periclitante situação financeira.

segunda-feira, agosto 06, 2012

... e o regresso a Paris

Diplomacia e ping-pong

Devo dizer que ontem fiquei muito surpreendido - positivamente surpreendido - com a excelente prestação dos nossos jogadores de "ping-pong" (dizer "ténis de mesa" acho normal, mas chamar à modalidade "tenisdemesismo" como ontem surgiu na televisão, é de um ridículo atroz) nas Olimpíadas. Não fazia a mais leve ideia de que o desporto tivesse evoluído tanto, em Portugal.

Veio-me à memória, neste contexto, que a Embaixada de Portugal em Luanda organizou, nos anos 80, um torneio de ping-pong entre todos os seus seus funcionários. Chefiava aquela nossa imensa missão diplomática o embaixador António Pinto da França, que conferia ao trabalho uma dinâmica muito pouco usual, feita de empenhamento profissional e da geração de um excecional ambiente de relações humanas. Leia-se, a este propósito, o seu divertido (e bem instrutivo, para se perceber Angola) diário de Angola*, a que se seguiu a publicação do um outro diário sobre a anterior estada na Guiné-Bissau**, a que só não faço excessiva publicidade porque fui o autor do prefácio.

Julgo que a ideia do torneio foi do nosso colega Júlio Vasconcelos, tendo merecido grande entusiasmo por parte de toda a gente, numa terra onde havia muito pouco de lúdico para fazer. Juntaram-se várias ofertas para prémios, que já não sei bem como foram obtidas, numa Luanda onde havia uma quase total ausência de bens à venda nas lojas. O embaixador anunciou-nos que decidira contribuir para os prémios do torneio, com a oferta de uma dúzia de garrafas de um vinho da Adega Cooperativa de Tomar. Tratava-se de um temível "néctar" cuja mais notória qualidade tinha sido consagrada como "bom para decapante"- expressão consagrada pelo Fernando Andresen Guimarães, pelo José Guilherme Stichini Vilela e por mim próprio -, tal a sua acidez e agressividade no paladar. Nos frequentes e muito simpáticos almoços e jantares promovidos pelo embaixador na sua residência, o tal vinho "imbebível" surgia, a espaços, à mesa, o que logo nos levava a uma forçada e conjuntural abstinência, feita sob a troca de olhares cúmplices entre nós, com alguma surpresa do embaixador, que observava incrédulo a nossa conversão coletiva a uma pontual cura de águas.  

Como "vingança" pela presença do nabantino produto, surgiu então, entre nós, uma ideia. Decidimos que o 3º classificado do torneio de ping-pong teria direito a 7 garrafas, o 2º classificado a 4 garrafas e o 1º classificado seria "punido" apenas com 1 garrafa, cumulados com outros prémios. (O critério seguia uma historieta, à época famosa, sobre os supostos "prémios" atribuídos pelo PCP a jovens "pioneiros", que entravam num concurso: o 3º classificado tinha tido direito a três semanas de férias na Bulgária comunista, o 2º classificado a uma semana e o 1º classificado a um fim-de-semana.)

E lá teve lugar a cerimónia de entrega dos prémios, presidida pelo próprio embaixador. Nunca percebemos se ele se deu conta do estranho critério de premiação seguido. Nada nos disse, mas todos ficámos com a sensação de que poderá não ter apreciado excessivamente o nosso gesto de humor, que apenas pretendia transmitir um subtil protesto... Um destes dias pergunto-lhe!

* "Angola, o dia-a-dia de um embaixador, 1983/1988
** "Em tempos de inocência - um diário da Guiné-Bissau"

domingo, agosto 05, 2012

Almanaques

Na casa da minha avó paterna, em Viana do Castelo, um belo edifício frente à doca onde hoje se acolhe uma fundação musical, havia um escritório que, por quase uma dezena e meia de Agostos, se transformava no meu quarto. Recordo-me que, ao redor da cama, para além de uma escrivaninha, havia três armários envidraçados, dentro dos quais reluziam belas encadernações de livros, pertencentes a um membro da família que morrera ainda antes de eu nascer, o tio Túlio. A sua figura severa olhava-nos da parede, de uma fotografia em que aparecia com uma farda cinzenta de tenente da Cruz vermelha. Ao lado, num outro caixilho, que tilintava quando se lhe tocava, jaziam as suas condecorações. Os livros estiveram, por muito tempo, inacessíveis à ala mais jovem da família, fechados à chave. Estava por lá tudo o que era literariamente óbvio na pátria - Eça, Camilo, Júlio Dinis, Herculano, etc. - e uma imensa diversidade de obras estrangeiras, que assentava muito no realismo francês do fim do século XIX e, na área do ensaio, tinha coisas muito ecléticas e até cientificamente bizarras. Por razões que a memória da família não acolhe, recordo ainda existirem textos vários, em português e francês, sobre espiritismo. Só lá para os meus 13 ou 14 anos é que tive direito às chaves dos armários talvez porque, verdade seja dita, apenas nessa idade comecei a ter curiosidade em explorar alguma daquela livralhada. De início foi Jules Verne e os muitos Sandokan. Depois, aconselhado em segredo por primos mais velhos, aventurei-me, pelas razões naturais da idade, por literatura com páginas tidas por mais excitantes, num outro mundo de aventuras...

Mas todo este preâmbulo serviu apenas para dizer que, num dos armários, o tio Túlio tinha uma magnífica (e julgo que, à época, muita completa) coleção dos Almanaque Bertrand, umas dezenas de preciosos volumes de que eu bem gostaria hoje de ser proprietário (que será feito deles?). Embora a "cultura de almanaque" de alguns nossos conhecidos fosse sempre objeto de ácidas graças no seio da nossa família, a verdade é que esses belos anuários, que aliavam o caráter de repositório de memórias com anedotas, curiosidades, jogos, curtos textos literários, de humor e de divulgação, foram muito importantes para algumas gerações, num tempo sem televisão e com a rádio apenas a nascer, em que muita imagem era substituída por imaginação.

Nesta ensoleirada tarde de domingo, com a Bertrand do Chiado aberta (viva a crise!), adquiri, por uma muito módica quantia, o Almanaque Bertrand nº 72, relativo a 2012/2013. E, por mais de uma hora, na esplanada da Brasileira, em frente ao "Paris em Lisboa", na qualidade de quase único representante português na maré de estrangeiros que se fotografavam com o metálico Pessoa, diverti-me imenso com essa encadernada fonte de informação e distração. E recordei, com alguma saudade e gratidão, o tal tio Túlio que nunca conheci. 

Do Almanaque deste ano, deixo esta divertida definição (muito injusta, reconheça-se) do "Folar de Chaves": "grossas almofadas confecionadas a partir de restos de croissant e recheadas com bacon, linguíça, salpicão e espanhóis"...

sábado, agosto 04, 2012

Alguém esclarece?

Desde há uns tempos, ando com uma dúvida. Ficaria grato - com sinceridade - se alguém ajudasse a esclarecê-la.

No final dos anos 90, recordo-me de uma "batalha" política empreendida pelo governo de então (do qual, aliás, eu fazia parte) no sentido de acabar com a "poluição" visual que representava a proliferação de "outdoors" pelas estradas do país, julgo que com especial incidência junto das autoestradas, aparentemente com vista a atenuar os riscos de distração dos condutores. A questão, recordo-me, foi polémica mas teve, na realidade um efeito prático, com a desaparição de centenas desses imensos cartazes. Tenho mesmo a ideia de que foi necessário pagar a algumas entidades, que tinham direitos adquiridos que deveriam ser tidos em conta.

Passaram uns tempos e eu nem mais pensei na questão, até porque não tenho "strong feelings" sobre ela. Hoje, porém, ao atravessar Portugal de norte para sul, verifiquei a existência de centenas de outdoors gigantes por todo o lado. Pergunto: essa legislação foi revogada ou ninguém a está a cumprir?

Alguém me ajuda a perceber o que se passa?

sexta-feira, agosto 03, 2012

Dinheiro em Caixa?

Durante quase três décadas, o meu pai foi gerente, em Vila Real, de uma das filiais distritais da Caixa Geral de Depósitos, instituição em que trabalhou, com imenso orgulho e insuperável dedicação, 47 anos da sua vida. A Caixa era também a sua família e ainda recordo a alegria que lhe dei quando, em 1971, sem o avisar, fiz concurso e fui admitido como funcionário da Caixa - aquele que foi o meu primeiro emprego.

Durante muitas décadas, a Caixa foi o banco popular de Portugal. Era à Caixa, porque a Caixa era do Estado, que as pessoas mais simples confiavam os seus haveres. A Caixa tinha "cadernetas" escritas à mão, onde era inscritos os juros e registados os saldos. Os depositantes compraziam-se em passar pelo balcão da Caixa, para fazer esse acrescento regular, que lhes assegurava "quanto tinham na Caixa".

O meu pai recordava, às vezes, uma pequena história.

Um dia, um funcionário veio avisá-lo de que um cliente, depois de ter pedido para "atualizar a caderneta", informou que queria levantar todo o dinheiro que tinha na sua conta, em espécie. Tratava-se de um montante bastante elevado e, até por razões de segurança, era um pouco estranho que o cliente quisesse transportar o dinheiro dessa forma. Estaria o homem insatisfeito com o serviço prestado pela Caixa?

O meu pai mandou entrar o cliente para o seu gabinete. Era um homem muito simples, residente numa aldeia próxima de Vila Real, idêntico a uma imensidão de outros clientes oriundos das áreas rurais, que constituiam uma grande massa dos depositantes na Caixa. Perante a estranheza manifestada, pela inusitada (e até arriscada) operação que ele pretendia executar, o homem respondeu: "O dinheiro é ou não é meu? Posso ou não posso fazer com ele o que me apetecer? Quero levantá-lo todo e já!". Perante esta inabalável determinação, o meu pai mandou preparar grandes envelopes com as notas, que foram entregues ao cliente. Após receber o dinheiro, o homem perdeu largos minutos a contar todas as notas. No final, disse: "Agora, quero depositar isto tudo outra vez. Foi só para saber se o dinheiro ainda era meu!". E era, claro.

Lembrei-me disto, na tarde de hoje, também na Caixa, também em Vila Real, quando assisti ao drama de uma pobre senhora de aldeia, a dona Celeste, confrontada com a impossibilidade de resgate do montante de um "produto" em que, há alguns anos, tinha sido convencida a empregar alguns largos milhares de euros e que, agora, se via impossibilitada de levantar, sem perder uma importante fatia do próprio capital. Fui testemunha por largos e pungentes minutos do embaraço delicado dos funcionários, dos lamentos lancinantes da senhora, seguidos do seu desmaio, com hipótese de convocação do 112. Um espetáculo triste, penoso e indigno, que incomodou quem a ele assistiu. Que não sei mesmo como acabou, porque, logo que pude, saí, indignado.

Quem terá sido o funcionário espertalhote que vendeu à dona Celeste o "produto", em cujo "small print" estavam (espero eu!) as condicionantes limitativas das possibilidades de resgate? Aquele que o fez impingiu àquela pobre senhora, que tinha uma evidente limitação cultural para entender as peculiaridades da evolução financeira dos mercados, um "produto" em que enterrou muitos dos seus haveres. E, goste-se ou não da palavra, essa pessoa incorreu, na prática, numa verdadeira fraude. Ela e, com ela, a Caixa Geral de Depósitos, instituição onde também eu tenho as minhas economias e que, por ser propriedade do Estado, sempre tive por um banco diferente, onde tinha a certeza que os clientes nunca seriam tratados assim. Enganei-me, pelos vistos. 

Se fosse vivo, e se tivesse assistido a esta lamentável cena, o meu pai teria hoje sentido uma imensa tristeza, idêntica à que eu próprio experimentei. Mas ele já morreu, como também já parece ter desaparecido aquela Caixa Geral de Depósitos que foi o seu orgulho, em que as pessoas mais simples deste país, por muitos anos, se habituaram a confiar.  

quinta-feira, agosto 02, 2012

Audiências

Há dias, um amigo perguntou-me se eu me preocupava com os números de leitura do blogue e se acaso tinha algum "truque" para aumentar as consultas.

A minha resposta foi de que, naturalmente, não me apetece de estar a "escrever para o boneco", mas nunca me preocupo em ter leitores "a metro". E expliquei que a experiência me revelou que, se acaso quisesse provocar um "salto" nas consultas ao blogue, nada seria melhor - excluída que está a entrada na política portuguesa quotidiana - do que, com regularidade, falar de três temas: acordo ortográfico, monarquia/República e touradas. 

quarta-feira, agosto 01, 2012

Eurico de Melo (1925-2012)

Há poucas horas, ao receber a notícia da morte de Eurico de Melo, que há muito desaparecera da cena pública, pus-me a imaginar quantos, dentre as novas gerações, saberão, afinal, quem era aquele que chegou a ser um dos mais influentes políticos nacionais, e que, aliás, esteve na soleira da chefia do poder executivo. Muito leal a Sá Carneiro e a Cavaco Silva, Eurico de Melo era talvez o mais proeminente representante de um certo PPD de extração não lisboeta, fazendo parte daquilo que a nomenclatura política designava então como os "barões" do partido. Com a sua forma inconfundível de falar nortenho, por muito tempo sempre visto com um inseparável cigarro, a sua saída da cena política coincidiu, não por acaso, com um evidente declínio do peso do norte do país no equilíbrio das decisões nacionais. E a sua morte é mais um marco do termo formal de um tempo que foi muito importante na história da família política do centro-direita em Portugal, que entre nós se convencionou designar por social-democrata.

Em inícios de 1987, e por razões que não vêm ao caso, tive a meu cargo, por alguns dias, a organização da visita oficial de Aga Khan a Portugal. A exemplo do que acontece em alguns outros países, foi escolhido como interlocutor do líder ismaelita a figura governamental imediatamente abaixo do primeiro-ministro. Neste caso, era Eurico de Melo, ao tempo vice-primeiro ministro e ministro da Defesa. O programa da visita incluía um jantar no Ritz. Os representantes de Aga Khan no nosso país solicitaram que, por razões religiosas, não fossem servidas bebidas alcoólicas durante essa refeição. Aceitar ou não um tipo de pedido deste género é uma questão com alguma sensibilidade, porque acaba por ter certas implicações políticas. Entendi, por isso, que seria prudente consultar o gabinete do ministro, tanto mais que também pretendia obter orientações sobre o tipo de presente que ele queria oferecer ao ilustre visitante.

No contacto telefónico que fiz com o gabinete, e logo depois de expor o problema, tive a surpresa de ser confrontado com a informação de que o próprio ministro queria falar comigo. Recordarei para sempre que, com imensa simplicidade e simpatia, Eurico de Melo, com a sua pronúncia inconfundível, me deu as suas instruções: "Quántu ao binho, o sinhôre dâutuar faz o que entiender: si as razuéns de Estado obrigarem, o sinhôre máunda puôr lá binho! E táumbém cuidado com o prieço da priênda. Eles estáum habituados a ter o peso do homem em oiro e nós náum nos pudiemos alargar. Bai cuma baoua Bistalegrezinha é já é bem báum...". Lembrámos esta história, divertidos, num jantar que lhe ofereci, em Estrasburgo, bem como a outros deputados europeus, creio que em inícios de 1996. 

Espero que ninguém se lembre de levar a mal esta memória em transcrição fonética, porque ela representa, da minha parte, uma homenagem colorida a um governante que não se escondeu atrás da sua importância e decidiu disponibilizar-se para falar com um simples e desconhecido funcionário, do outro lado da linha. Um homem do norte, é o que é!

terça-feira, julho 31, 2012

O convidado surpresa

O nosso embaixador havia-me dado me conta de que a sugestão que eu fizera fora vista com alguma perplexidade. Estava numa visita oficial ao Chile, a convite do respetivo governo, naquele final de 2000. No belo edifício que acolhe o Ministério das relações exteriores, o meu homólogo oferecia-me um simpático almoço. Com antecedência, perguntaram-me se eu queria convidar alguém, em especial. Eu disse que sim e indiquei um diplomata chileno, de quem era amigo pessoal.

A questão, para quem a entendesse como tal, é que esse diplomata era um antigo militar do exército de Pinochet, que havia acedido à diplomacia por essa via. O seu percurso na carreira diplomática chilena, no lento regresso da democracia ao país, embora com Pinochet ainda vivo, não estaria a ser muito fácil. Por essa razão, a minha sugestão, se bem que acatada com prontidão, terá sido vista com uma certa estranheza.

Para mim, tudo era muito simples: tratava-se de um amigo, com quem coincidira num posto no estrangeiro e com o qual, ao longo desses anos e nos posteriores contactos, nunca perdera um segundo a discutir política - talvez porque ambos sabíamos que, dadas as nossas opostas posições de partida, esse era, como foi, o segredo para deixar frutificar a nossa amizade.

Na minha intervenção durante o almoço, cuidei em saudar e agradecer a presença do meu amigo. A certo passo, veio à baila da conversa o meu programa de visita em Santiago. Na parte oficial, entre vários outros pontos, incluia-se uma deslocação ao palácio de La Moneda, para apresentar cumprimentos ao presidente da República em exercício. Ao falar-se da parte não oficial, dei conta de, nessa própria manhã, ter ido colocar um ramo de cravos vermelhos na campa de Salvador Allende.

Nesse instante, alguns olhares na mesa cruzaram-se, como que interrogando-se sobre o eventual antagonismo entre o simbolismo dessa homenagem e a escolha que eu fizera como meu convidado pessoal. Estou certo que este último, conhecendo-me bem, foi, seguramente, o menos surpreendido de todos os convivas, em face daquela minha revelação.  

segunda-feira, julho 30, 2012

Dormir na Régua

"T'ás maluco? Vais dormir à Régua? 'Ninguém' dorme na Régua!". Foi esta a reação quase insomníca, de ontem à tarde, assumida por um vila-realense empedernido, quando lhe anunciei que, por uns dias, ia ficar num hotel da Régua, para acompanhar uma missão da UNESCO que vai avaliar da compatibilidade da construção de uma barragem na foz do Tua com o estatuto de "património mundial" do Alto Douro Vinhateiro.

Por natureza identitária, um vila-realense que se preze não gosta da Régua, melhor, "ignora" a Régua, da mesma forma que se "irrita" com essa "irrelevância" regional que é Chaves. Para um cidadão de Vila Real, a sua cidade é um fenómeno isolado, porque entende que Trás-os-Montes (e o Alto Douro) apenas pode, e deve, ser representado pela sua ímpar urbe. E isto não se discute, por mais modesto que um vila-realense possa e queira ser. Há Vila Real e, depois, só há, para lá do Marão, o Porto. E é tudo! É claro que, um pouco mais "lá para cima", há, mas já bem depois, uma "coisa" a que se chama Bragança (e, de caminho, Mirandela e Macedo, além de umas adjacências onde "não se vai", a não ser a caminho de Espanha). Mas tudo isso já é muito "diferente".

A Régua esteve situada a 29 km de Vila Real (hoje já é bem menos), pela "estrada velha", que passava por Santa Marta e cujas curvas nos causavam enjoos infantis. Em alternativa, fazia-se quase uma hora de viagem, pela velha linha férrea do Corgo, para ir aí apanhar, até aos anos 60 (quando a camionagem do Cabanelas nos passou a fazer enjoar pelo Marão), o comboio para o Porto. Mais tarde, a Régua ficou um pouco mais próxima, quando se ia pela encosta contrária, por Nogueira. Mas vamos ser justos: por que diabo um vila-realense ia à Régua? Para nada, a menos que fosse para passar para Viseu, ou para ir a à Senhora dos Remédios a Lamego, num assomo de romaria. Ou, como experiência etnológica, se decidisse passar por lá para comprar rebuçados, às mulheres aventaladas à porta da estação e fotografar a mais pequena barbearia do mundo (que deixo a imagem, ontem registada). Às vezes, em fins de semana invernosos, também se passava pela Régua para "ver" as cheias, quando o Douro, antes das barragens (já estou a fazer política "unescal", como notaram), alagava a marginal.

Nós, em Vila Real, o que é que conhecíamos da Régua? Praticamente, só as "pequenas". Por um excedente de produção de qualidade que nunca ninguém soube explicar, a Régua enviava para Vila Real, para estudar, algumas das mais bonitas garotas que o liceu Camilo Castelo Branco alguma vez teve (e que olhos, senhores!). Os irmãos ou os primos desse "pequename", assumindo uma espécie de "template" automobilístico, vinham sempre à "Bila" de NSU, que traziam aos ralis, às gincanas ou apenas, como dizíamos, para "armar aos cágados", à porta da Gomes, em dias de circuito, a aquecer ruidosamente os escapes. Por essas e por outras é que eu, durante anos, quase que me convenci que, na Régua, não era "gente" quem não andasse de NSU, como se por aí estivesse estabelecido o principal consumo mundial dessas viaturas. "For the record", convém dizer que essas simpáticas colegas vinham cuidadosamente "policiadas" por uma austera (mas muito competente) professora de matemática reguense, a Dona Raquel. Ah! e por falar em policiamento, é também muito importante recordar aqui os "polícias da Régua", tidos como dos mais rigorosos da região, sempre de farta bigodaça e pança proeminente, os quais, dizia-se, eram ferozes a derimir questiúnculas pesadas na zona do Peso (a Régua chamava-se, ou chama-se ainda, nunca percebi bem onde o debate toponímico ficou, Peso da Régua), onde, dizia-se, os ciganos imperavam. "É pior que um polícia da Régua!" era uma frase que, por décadas, se ouvia em Vila Real, para designar alguém com mau feitio. E da Régua chegava, pela voz melodiosa de Carlos Ruela, a "Rádio Alto Douro", para despeito vila-realense, onde imperava um deserto radiofónico.

Muito mais tarde, fomos "descobrindo" que a Régua também tinha, além do vinho do Porto (ninguém, nessa altura, bebia vinho do Porto, confessemos!, salvo no Natal, casamentos e batizados), o Douro e a sua beleza natural, a qual, lamento ter de dizê-lo, nunca contribuiu muito para melhorar a imagem da (agora) cidade, que é um eterno objeto arquitetónico sem grande interesse, com pontes e viadutos a mais. Da Régua vamos ouvindo ainda, SIClicamente, nas televisões, os protestos às 13 ou às 20 horas (horas oficiais dos protestos, no Portugal contemporâneo) dos produtores de vinho da região, sempre cuidadosamente filmados em frente ao "estadonovense" edifício da Casa do Douro, com lavradores querendo mais "benefício" (o conceito demoraria algum tempo a explicar aqui) e, claro, apoios do Estado.

Mas, atenção!, na Régua, ou perto dela, comeu-se quase sempre bastante bem (e este bloguista não é indiferente ao tema, como é sabido). Mais recentemente, ia-se ao "Douro In", agora vai-se ao "Castas e Pratos" (fui lá ontem e foi um jantar soberbo!), sito nos velhos armazéns da estação ferroviária. Mais longe, lá para a Folgosa, o Rui Paula continua a dar cartas no "DOC" (depois de as ter dado no "Cepa Torta", em Alijó, e mesmo mantendo o "DOP", junto à Bolsa do Porto). Para uma experiência um pouco mais "radical", porque terá de se defrontar inevitavelmente com o mau feitio do dono da casa, e sempre avisando com antecedência, vá-se pelo cabrito à "Repentina", já fora de portas. E, para melhor discutir a barragem que por aqui nos traz, poder-se-ia acabar a tarde no "Calça Curta", bem junto à velha estação do Tua.

Eu sou um vila-realense atípico: sempre achei alguma graça à Régua. E hoje vou cá dormir, pensando (sem nostalgias, garanto!) no que será feito das belas reguenses do meu tempo. Boa noite!

A Europa e a nossa cultura

Foi na noite de sábado. O espaço era magnífico: a biblioteca que Siza Vieira desenhou para Viana do Castelo. O debate, que durou quase duas horas, fazia-se em torno do tema "A influência da Europa na cultura portuguesa".

Partindo de perspetivas diferentes, mas coincidindo no essencial da abordagem, a antiga ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, e eu próprio acabámos, pela influência das questões surgidas, por evoluir do centro temático da nossa prestação para a discussão das grandes incógnitas que hoje atravessam o espaço europeu - o que prova que é isso, na verdade, aquilo que mais mobiliza as pessoas e que angustia o seu quotidiano.

Devo dizer que gostei muito desta experiência, feita a convite da Câmara Municipal de Viana do Castelo, uma terra a que cada vez volto mais.

domingo, julho 29, 2012

Esclarecimento

Ao passar, ontem, num certo cruzamento de Viana, não pude deixar de lembrar-me do dia em que ouvi, há quase meio século, um comerciante local, amigo do meu pai, explicar como se empenhava em ajudar os turistas franceses que, nestes tempos de férias, atravessavam a cidade: "Ali, ao pé do Hotel Aliança, eu digo-lhes 'sempr'en frent' e eles nunca se enganam na estrada para a fronteira".

sexta-feira, julho 27, 2012

A "Caras" em Pyongyang

O surgimento de Ri Sol-Ju, confirmada como mulher do novo líder norte-coreano Kim Jong-Un, é uma imensa novidade no mundo cinzento daquele regime. E começa já a ter os seus efeitos públicos no exterior.

Ontem, no "Lameirão", em Vila Real, dei-me conta, por um diálogo, da popularidade na nova primeira dama:

- Provaste um rissól?

- Não, comi um bolo de bacalhau. Ri Sol está a dar mas é na Coreia. "Chinoca" mas bem gira...

Passe o comentário xenófobo do meu conterrâneo, que não resisti a transcrever, por aqui se vê como a "silly season" já abala a Trás-os-Montes. E este blogue com ela.

quinta-feira, julho 26, 2012

Bletchley Park

Eu nunca aprendo. Nestes tempos de férias, dá-me sempre para ler coisas que só me fazem perder horas, com escasso prazer literário, apenas levado pela curiosidade. Às vezes, são obras de figuras menores da literatura portuguesa, passada ou presente, que visito para tentar perceber por que razão foram ou são sucessos. Outras vezes, são romances estrangeiros, policiais ou de espionagem, naquele tipo de edições que se podem molhar, sem pena, à beira da piscina. Já devia ter aprendido, mas não: enfio sempre estes barretes sazonais.

Ontem, depois de dia e meio de leitura (quando me aproximo de metade do livro, quase sempre dou uma "oportunidade" ao resto), terminei um livro de um tal Daniel Silva, de que me diziam maravilhas e que não passa de um sofrível "genérico" de Le Carré. A receita de construção da obra é vetusta, feita de pequenos capítulos de "suspense" acumulado, com uma tipificação dos "bons" e dos "maus" do costume, uma pitada ligeira de sexo para os públicos da "Caras" e coisas correlativas, incluindo sempre a figura de um "inteligente", que faz inferências implausíveis, com ar de anti-herói - fórmula bebida em Chandler e outros génios.

O romance passa-se, em grande parte, em Londres e, curiosamente, nas zonas muito próximas da nossa embaixada, o que não deixa de ter a sua graça a quem andou por lá. Mas a obra, em geral, é bastante mauzota. Porque um mal nunca vem só, surge no texto um diplomata português a colaborar com os nazis. Se o tal Daniel Silva é, como ouvi dizer, de ascendência portuguesa, bem podia ter evitado contribuir para mais uma degradação subliminar da imagem da pátria dos seus ascendentes.

Mas a razão por que trago o assunto aqui prende-se com a frequente aparição, no livro, de menções a Bletchley Park, o mítico local onde, durante a 2ª guerra mundial, funcionou uma celebrada estrutura de descriptagem das mensagens alemãs, que terá dado um importante contributo para a vitória aliada.

O local, dependente do famoso MI5 (serviço de contraespionagem), manteve-se fechado durante décadas. Um dia de 1994, li anunciado, numa obscura notícia num jornal, que, a partir desse fim de semana, Bletchley Park passava a ser visitável. Lá fui eu, de imediato, na data indicada, cheio de curiosidade.

À entrada, que surpreendentemente era gratuita, pediram-nos identificação. Disseram-nos então que, infelizmente, Bletchley Park ainda não era visitável pelo "público em geral". Quando fiz notar que estavam várias pessoas a aceder ao parque e às diversas instalações nele existentes, que fora anunciado na imprensa que haveria visitas públicas e que viéramos de Londres expressamente por essa razão, dei conta de algum embaraço nos nossos interlocutores. Depois de um bom quarto de hora de parlamentação e contactos telefónicos, lá fomos autorizados a entrar, num registo que me pareceu ser de alguma exceção. Fomos integrados num grupo de uma dezena de pessoas e, partir daí, fizémos uma interessantíssima visita guiada, durante quase duas horas, sob a orientação de uma senhora que não escondia que era membro do MI5. Ao longo desse tempo, dei comigo a relembrar o que tinha lido do local e dos seus momentos áureos.

No final daquela que fora a primeira visita organizada, desde sempre, a Bletchley Park, devo confessar que estava bastante contente por ter tido a experiência. A caminho da saída, numa troca de palavras com um outro visitante, e ao dar-se este conta de que éramos portugueses e, aliás, os únicos estrangeiros no grupo, interrogou, curioso: "What's your link with the British intelligence community?". Expliquei que não tínhamos a mais leve relação com os serviços de informações britânicos, que eu era apenas um diplomata português colocado no Reino Unido, neste caso movido por curiosidade histórica. O meu interlocutor abriu a boca, de espanto, porque, tanto quanto sabia, no primeiro mês, o acesso a Bletchley Park estava exclusivamente reservado a membros dos "British special services", e respetivas famílias, como era o seu caso. Estavam assim explicadas as dificuldades encontradas à entrada. E, claro, devemos ter ficado nos registos.

quarta-feira, julho 25, 2012

Bom português

Abespinharam-se, há dias, alguns comentadores e outros atentos leitores  deste blogue quando por aqui fiz uma curta listagem de quantos, na nossa imprensa, entendo que escrevem um "bom português". E logo alguns inquiriram o porquê dessa escolha.

Pode ser que esteja enganado, mas julguei detetar, em algumas dessas observações, que os juízos se estabeleciam na direta dependência da simpatia pessoal que os escribas suscitavam nesses leitores. Ora, se se olhar o conjunto dos nomes que referi, fácil é verificar que se trata de gentes de diversas e até de contraditórias orientações, o que prova que, pelo menos no que a mim me toca, julgo não poder ser suspeito desse desvio opinativo.

O que é o "bom português"? Sei lá! Para mim, é uma escrita que me agrade, por uma sábia combinação de substância e forma, alinhada de forma escorreita, não pretensiosa, sem demasiados ademanes estilísticos. Para ser sincero, é o português que melhor se aproxime do modo como eu próprio gostaria de saber escrever e que, sem qualquer inveja mas com basta admiração, me dá gosto ler. E mais não digo, porque estas coisas são assim mesmo, bem simples. 

Krivine

"Sabes quem é aquele tipo, ali na mesa do canto? É o Alain Krivine". A revelação do meu amigo, feita no Café de Flore, há algumas semanas, trouxe-me à memória um outro tempo.

As tardes no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, respondendo aos deputados, durante a presidência portuguesa da União Europeia de 2000, tinham alguma graça. O secretariado-geral do Conselho preparava-nos umas respostas em "langue de bois", para as perguntas enviadas por escrito pelos deputados, com antecedência. A "emoção" estava, assim, nas réplicas a que os parlamentares perguntadores têm direito, feitas de improviso, muito mais "livres" e, às vezes, fugindo claramente  ao tema da pergunta. Devo confessar que me dava um certo gozo exercitar a minha criatividade discursiva nas respostas a essa segunda parte de cada intervenção. Quase tanto como olhar, de viés, para as caras ansiosas dos funcionários do Conselho, que tão ciosamente haviam preparado as respostas "by the book" e que viviam esses momentos de liberdade do representante da presidência com clara expetativa e burocrática angústia.

Entre os deputados eleitos para o PE houve e há figuras gradas da política passada de vários países, muito ministros e até primeiros ministros. Mas aqueles que me "saíram em rifa", nesse semestre de 2000, foram quase sempre obscuros parlamentares, com nomes algumas vezes muito estranhos, de sonoridades gregas, eslavas ou nórdicas. É que esse tempo é utilizado, quase sempre, para afirmação da devoção desses deputados a causas muito específicas, o que lhes permite uma saliência mediática de que os seus colegas mais conhecidos já não necessitam.

Numa dessas longas tardes de Estrasburgo, ouço o presidente do parlamento anunciar: "Dou a palavra ao deputado Alain Krivine". Acordei do marasmo com aquela menção e, de imediato, procurei, no imenso areópago quase vazio, colocar um retrato no nome acabado de anunciar. O nome de Alain Krivine dizia-me alguma coisa. Figura histórica do trotskismo francês, havia sido candidato à presidência da República, não me passando a mim pela cabeça que fosse então deputado europeu.

Anos antes, no início da década de 70, numa visita a Paris, eu fora arrastado por uns amigos para assistir a um comício da "Ligue Comuniste Revolutionnaire", que teve lugar na "Mutualité", perto da Sorbonne. A LCR era um grupo trotskista com certa expressão na esquerda francesa e, embora as teorias de Trotsky pouco me dissessem, achei graça assistir a um comício dessa extrema-esquerda - num tempo em que, em Portugal, apenas a União Nacional e a sua sucessora Ação Nacional Popular reuniam em público sem medo de vigilância policial.

A pergunta que Krivine fez à presidência portuguesa foi, como era de esperar, violenta e agressiva, sobre uma temática que já não recordo. Devo confessar que tenho ideia de que a  minha resposta foi mais "soft", nostalgicamente atenuada pela memória de um passado no qual, embora de forma menos radical, eu também acreditava em que os "amanhãs" poderiam vir a cantar. Depois, foi o que se viu...

Naquele final de tarde no Flore, perguntei ao Francis, que vagueava patronalmente entre as mesas, o que é que Alain Krivine estava a beber. Era um Chablis. Pedi outro para mim. Afinal, como dizia Voltaire, "les beaux esprits se rencontrent".

terça-feira, julho 24, 2012

Camaradas

Há poucas semanas, em Moscovo, logo atrás da Praça Vermelha, deparei com uma manifestação do Partido Comunista local, que agora já não é "da URSS". A minha incorrigível curiosidade por estas coisas fez com que decidisse aceder ao espaço vedado, que estava reservado para o comício (com prévia passagem por um estrito controlo de metais...), por forma a observar mais de perto o ambiente. Eram uma escassas centenas de pessoas, com muitas bandeiras e tarjas vermelhas, junto a um palco onde peroravam algumas figuras - ao que me foi dito para protestarem contra os malefícios da alternância entre Putin e Medvedev.

A memorabilia à venda tinha escassa graça, tanto mais que, para espanto dos vendedores, eu andava à procura de coisas do tempo de Stalin, para oferecer a um amigo que ainda é fã do "pai dos povos". 

Ao sair do inesperado evento, dei comigo a pensar que, desde há quase um século, o Partido Comunista continua a ser, na Rússia, a única força política com o privilégio de poder organizar livremente as suas manifestações públicas.

Para o meu amigo (ainda e sempre) estalinista, e na impossibilidade de lhe ofertar, como desejaria, um "recuerdo" do "Zé dos Bigodes" (cujo busto, note-se, continua a figurar junto à muralha do Kremlin), deixo esta fotografia da placa da "rua da ditadura do proletariado", que recolhi na ex-Leninegrado. Pelos vistos, é quase tudo quanto que vos resta, "tovarich"...  

segunda-feira, julho 23, 2012

Lisboetas

Passar os Verões nas capitais, "de Rodriguez" ou não, é, desde sempre, um ato de sofisticada sabedoria, como já por aqui se opinou em outros calores.

Como guia para uma "outra" Lisboa, os leitores podem agora recorrer às indicações gastronómicas, fotográficas, literárias e não só, que o meu amigo (e excecional jornalista) João Paulo Guerra e o seu filho Francisco nos dão no seu delicioso Beco das Barrelas, um blogue para ulissipomaníacos de bom gosto, com ilustração exclusiva dos próprios.

domingo, julho 22, 2012

Comida e cultura

Por mais que, com alguma frequência, dela discorde, não deixo de ser leitor fiel de Clara Ferreira Alves, que tem uma escrita limpa, inteligente e em bom português, que já começa a rarear na nossa imprensa - a par com poucos, como Ferreira Fernandes, Vasco Pulido Valente, Miguel Esteves Cardoso e José Manuel dos Santos, este último até que a "Atual", do hebdomadário balsemónico, lhe tirou misteriosamente o espaço (*).

Na "Revista" do "Expresso" de ontem, Clara Ferreira Alves analisava a pobreza cultural dos nossos meios políticos e de imprensa. E, definitiva e tremendista como é do seu estilo, acabava o texto dizendo: "Como bem disse Vargas Llosa, em vez de discutirmos ideias discutimos comida. A gastronomia é uma nova filosofia. Ferran Adriá é o sucessor de Cervantes e Ortega y Gasset" (o "Expresso" colocou o Y em maiúscula, porque o revisor deve ter pensado que era a inicial de um outro apelido...).

Reconheço que, por vezes, as nossa imprensa exagera um pouco na exploração do tema gastronómico. Mas faço notar que ele não é, de forma alguma, incompatível com a cultura, como o António Mega Ferreira e eu tentámos provar, há uns tempos, numa divertida conversa com a Paula Moura Pinheiro, na "Câmara clara".

Nestas curtas férias, aliás, vou entreter-me a tratar um pouco de ambas. Da comida, no meu blogue "Ponto Come", onde tenciono ir dando despretensiosa conta de algumas experiências de "restauração" feitas pelo país. Da cultura, mano-a-mano com Isabel Pires de Lima, no final desta semana, charlando sobre a cultura portuguesa e da Europa, numa iniciativa integrada na Feira do Livro de Viana do Castelo.

(*) Em tempo: como bem lembra um comentador encartado, há também o Manuel António Pina

sábado, julho 21, 2012

Ora Eça!

"Deste arroz com fava nem em Paris, Melchior amigo", dizia Jacinto, encantado com a feliz descoberta da simplicidade. Lá estive hoje, em Tormes, a ver a mesa onde Eça/Jacinto comeu um dia o celebrado arroz que o reconciliou com as favas.

Para quem possa fazê-lo, recomendo vivamente uma visita à casa de Tormes, onde hoje está a Fundação Eça de Queiroz, perto de Baião, se possível acompanhada por uma leitura calma, no local, das páginas que, em "A cidade e as serras", o escritor dedicou à paisagem e ao ambiente rústico que o terá impressionado, há quase um século e meio. Eça ter-se-ia porventura indignado com muitas edificações de discutível gosto que hoje pontuam a serra, mas, mesmo assim, a vista permanece soberba. Dê-se também um salto à estação de Aregos/Tormes, onde já não pontifica o Pimentinha e onde o Silvério, pela certa, nos não esperará. E, por gratidão e respeito por quem nos proporcionou o prazer dessa escrita ímpar, não se esqueça de deixar uma flor na campa de Eça de Queirós, no pequeno cemitério de Santa Cruz do Douro.

Tenho um amigo que costuma dizer, com alguma sobranceria, que gostar de Eça de Queirós é uma das mais banais expressões culturais de qualquer português. Pode ser que assim seja, mas, nesse caso, eu vergo-me sem custo a "eça" banalidade.

(Este post é dedicado ao meu amigo e incomparável queirosiano Luis Santos Ferro)