sexta-feira, janeiro 10, 2025

Na linha justa


Gosto de viajar em comboios em que me sinto confortável.

Ora Eça!

Foi comovedor ver a imensidão de exegetas da presumível opinião de Eça de Queiroz sobre a decisão de colocar os seus restos mortais no Panteão. O que por aí vai de "achismo" queirosiano...

Não, Eduardo

Discordo tão poucas vezes do meu querido amigo Eduardo Ferro Rodrigues que não quero perder esta rara oportunidade de dizer que não concordo com a sua ideia de "primárias" presidenciais no PS, embora perceba a racionalidade da ideia. A nossa Constituição não é presidencialista.

Embaraço

PS e PSD estão num imenso embaraço, em face das eleições presidenciais. Ambos já perceberam que dificilmente conseguirão segurar os seus eleitorados. Não fosse dar-se o caso de estar em causa a dignidade do país, isto poderia ter alguma graça. Mas não tem nenhuma.

Por tabela

Nunca entendi a naturalidade com que, um pouco por todo o mundo, se aceita escutar as opiniões de alguém, só pela circunstância dessa pessoa ser cônjuge, filho ou parente de qualquer outra natureza, de uma pessoa que exerce um cargo público, em especial eleito. Mas já percebi que estou sozinho. 

quinta-feira, janeiro 09, 2025

Uma ideia sem sentido

A ideia de António José Seguro de isentar o OGE de voto parlamentar não tem o menor sentido. Lamento ver uma pessoa por quem tenho grande consideração pessoal, antigo líder do PS num período muito difícil, que saiu com grande dignidade do lugar, cometer este imenso erro político.

"A Arte da Guerra"


Vai para quatro anos que faço para o "Jornal Económico", com o jornalista António Freitas de Sousa, um podcast semanal sobre a atualidade internacional intitulado "A Arte da Guerra". 

São programas de cerca de 30 minutos, divididos em três partes, cada uma delas abordando temas diferentes. 

Esta semana, depois das férias natalícias, o "A Arte da Guerra" tem, excecionalmente, cerca de 50 minutos.

Se tiver curiosidade e paciência para nos ver e escutar, clique aqui.

Gentileza


Acontece há muitos anos. Um pouco por todo o mundo, as embaixadas do Japão oferecem, a pessoas suas amigas, um belíssimo calendário, com extraordinárias fotografias de flores daquele país. É um gesto de grande simpatia e gentileza, mas também de uma imensa sensibilidade. As imagens do calendário transmitem-nos sempre serenidade, ao longo do ano, na sua elegante estética.

Este ano, vou confessar, a não chegada do calendário tinha-me levado a comentar, em família, que talvez a representação diplomática japonesa tivesse decidido optar por cessar a distribuição do ritual calendário. Senti alguma pena, mas dei comigo a aceitar que tudo na vida tem um termo. 

Há minutos, chegou-me a casa o calendário do Japão! Fiquei satisfeito, confesso.

Deixo um abraço grato ao meu amigo embaixador Ota Makoto e à sua dinâmica equipa, com votos de um excelente 2025 para todos e, naturalmente, também para o seu belo e amigo país.

Dâmaso


Vinha a sair, ontem à tarde, da antiga Valquíria, onde uma senhora chinesa agora passa roupa para fora. Trazia com ele uma trouxa. Está mais gordo, balofo, um pouco desmazelado. Vestia uma gabardine com ar encardido, modelo Columbo. Como o Eça contou, na cena de "Os Maias" em que o Ega e o Cruges o foram intimar a pedir desculpas escritas ao Carlos, o Dâmaso mora na São Domingos à Lapa. Tal como eu e o Guilherme Oliveira Martins moramos, e tanta outra gente. Vive sozinho, ao fundo da rua, perto das escadinhas. Às vezes encontramo-nos por ali. Cruzo-o tambem a espaços na Cristal, sempre agarrado ao "Correio da Manhã", a comer um croissant com sumo de laranja, trocando larachas com o Fernando, que o trata por "Sô Salcede". Longe vai o tempo em que fazia esperas às "piquenas" (o Dâmaso cuida sempre em utilizar o "tialecto", isto é, o dialecto das "tias", para garantir usucapião social), nas esquinas da Buenos Aires. Consta que se meteu, há tempos, com uma cabeleireira e que, em lugar de umas clássicas bengaladas, que teriam algum estilo, levou duas secas lambadas do marido da senhora. Ontem, encontrei-o bastante aborrecido, com alguma razão: ninguém o tinha convidado para ir ao Panteão, despedir-se do Eça. "Logo eu, que sempre me dei tão bem com o Zé Maria! Às vezes, zombou de mim, é verdade, mas a rapaziada do nosso tempo nunca se zanga". Pois não.

Resta esperar pela América?

O sentimento internacional que prevalece, em face da arrogância quase sem limites de Trump, é de impotência e de atarantado atentismo. Fica a ideia de que apenas nos resta esperar por aquilo que vier a ser o futuro de Trump no seio dos próprios EUA. Triste destino do mundo!

Agora muito a sério

Ouvir o antigo e futuro líder da maior potência do mundo dizer as barbaridades que tem dito sobre outros países, numa atitude de "bullying" político assente no abuso da força, demonstrando um total desrespeito pelo Direito Internacional, não os assusta?

quarta-feira, janeiro 08, 2025

Steinbroken


Cruzei-me com ele à saída do Panteão, sob a chuva infernal desta manhã. Descia, ligeiro, em direção de Santa Apolónia. A cara, que olhei de raspão, dizia-me alguma coisa, mas o chapéu de chuva (divertido tipicismo semântico dos lisboetas para um simples guarda-chuva), pressionado pelo vento forte, rapidamente o cobriu. Ao fundo da rua, já ao pé do Estado-Maior, a matrícula diplomática do carro em que apressadamente entrou confirmou a minha suspeita. Era ele, era o meu colega Steinbroken, ministro plenipotenciário finlandês. Reconheça-se que foi um gesto bonito do diplomata da Finlândia ter querido estar presente em Santa Engrácia, na homenagem ao Eça. A bem dizer, Steinbroken deve quase tudo ao escritor.

terça-feira, janeiro 07, 2025

Eça agora!


Ouvir aqui.

O Ferrari dos bombeiros


Em 1979, quando fui colocado na embaixada em Oslo, encomendei um Golf. A casa que ia ocupar era um pouco fora da cidade e, sem carro, a minha vida diária seria impossível - como me avisara Fernando Reino, o meu futuro embaixador. 

No dia seguinte à minha chegada a Oslo, fui levantar o automóvel. Era de um vermelho berrante, como se fosse um Ferrari! Parecia uma ambulância! Detesto carros "vistosos"! Fiquei furibundo, mas foi-me explicado que era o único carro disponível, a menos que estivesse disposto a esperar várias semanas por outra cor. Não estava. E como, para mim, um carro é apenas um carro, como nada sei nem me interesso por automóveis e o que me importa é ter sempre um veículo cómodo e potente para me deslocar, quase esqueci a "ambulância" em que passaria a andar nos próximos anos.

Tempos mais tarde, a minha mulher foi juntar-se-me em Oslo. Ao ver o nosso novo carro, exclamou: "Que diabo de cor! Parece um carro de bombeiros! Isto não é um Ferrari!". Lá vinha outra vez a síndrome da "ambulância"! 

Passaram uns meses. Foi-nos visitar à Noruega Álvaro Magalhães dos Santos, um vila-realense, há muito residente em Lisboa, com afiado humor na ponta da língua e da escrita - ele que foi o "Vicente Gil" de "A Capital" e fazia páginas satíricas para "O Diabo" e para o "Correio da Manhã". O Álvaro, que já se foi desta para pior há muito, ao chegar junto do meu carro, no aeroporto de Fornebu, logo disse: "Olha! Tens um carro igual ao do Neto. A fingir de Ferrari!"

Quem era o Neto? Foi um antigo comandante de uma das corporações de bombeiros de Vila Real e que era conhecido por ter o seu carro privado, creio que um pequeno Austin, precisamente com o vermelho berrante com que eram pintados os veículos da corporação que chefiava. Também o Álvaro Magalhães Santos, autor do livro "Rua Direita - uma janela sobre Vila Real", um repositório de saudades irónicas sobre a artéria onde vivera a juventude, numa casa vizinha dos bombeiros do Neto, não se privara de sublinhar o vermelho-ambulância-Ferrari do meu Golf.

Ontem, de Lisboa, por zoom, intervim numa sessão comemorativa da vetusta corporacão de bombeiros de Vila Real de que o Neto foi comandante e que é atualmente dirigida pelo Álvaro Ribeiro, que me fez o convite. Fiquei com uma curiosidade: qual será a cor do carro do Álvaro Ribeiro? 

No dia da morte de Jean-Marie Le Pen


Aquele meu conhecido parisiense, um homem encantador que vivia numa "péniche" atracada a um cais do Sena, estava claramente hesitante quando me abordou. Queria ter-nos como convidados para um jantar no seu barco, onde vivia rodeado de antiguidades, mas não sabia se eu aceitaria que, na ocasião, também estivesse o seu "ami Jean-Marie".

À primeira não percebi, à segunda lá entendi que se tratava de Jean-Marie Le Pen, o líder da extrema-direita, antigo candidato à presidência da República francesa, à época ainda presidente do Front National. Tratava-se de uma personalidade que, pelos seus propósitos negacionistas e outras tomadas de posição conexas, fazia claramente parte das figuras "non fréquentables" para um grande número de franceses.

Estávamos em 2010. Le Pen continuava a ser, a grande distância, dentre as personalidades do espetro político francês, a mais polémica. A sua filha estava então prestes a assumir a presidência do seu partido, o "Front National" (hoje ""Rassemblement National").

Confesso que tinha alguma curiosidade em conhecer, ao vivo, essa figura, com a qual eu próprio tivera uma "accrochage" no Parlamento Europeu, uma década antes, a propósito da chegada ao poder da extrema-direita austríaca (curiosamente, por estes dias, um quarto de século depois, o cenário volta a repetir-se). E, ultrapassando algumas hesitações íntimas, decidi aceitar o tal convite para jantar.

Há figuras que são exatamente aquilo que é a sua caricatura. Le Pen é uma delas. As suas reações em privado, a sua forma de estar e de interagir, reproduziam precisamente a imagem que eu tinha dele, recolhida das muitas aparições que lhe vira na televisão.

Foi cordial para com o embaixador de um país que conhecia bem e sobre cujos nacionais, sem ser entusiático, disse as coisas óbvias do "politicamente correto" francês. Contou-me das suas viagens ao Porto, como velejador, onde conheceu o "Duque" da Ribeira, de quem se teria tornado amigo. Elogiou as qualidades gastronómicas de um restaurante português da periferia de Paris, que era então uma espécie de cantina informal do "Front National", por se situar ao lado da respetiva sede. Não me disse, mas isso eu sabia, que havia uma presença de portugueses e luso-descendentes nos apoiantes do partido.

À mesa, fiquei à sua direita (tem alguma graça, ficar "à direita" de Le Pen). Dominou a conversa, com um discurso bastante crítico do então presidente Sarkozy, muito centrado na necessidade de reforço das políticas securitárias e no combate ao que considerou ser a "permissividade" na gestão dos fluxos migratórios.

Os circunstantes, gente claramente conservadora, mostravam-se simpáticos perante o que ouviam. Um, dentre eles, chegou mesmo a afirmar que, pela primeira vez, encarava votar "Front National" nas próximas eleições. O ambiente estava longe de ser desfavorável a Le Pen, bem pelo contrário.

Durante muito tempo, mantive-me bastante discreto na conversa, interessado que estava em olhar a personagem. "Entre la poire et le fromage", como se diz na linguagem social francesa, decidi intervir.

Disse que o fazia como observador estrangeiro, não comprometido com a vida política francesa. Mas que não resistia a expressar uma curiosidade. Como ele bem constatara, algumas das suas propostas políticas até eram relativamente bem aceites, porque, aparentemente, iam ao encontro das preocupações, em matéria de segurança, que uma certa França alimentava. Por essa razão - perguntei eu a Le Pen - por que razão persistia em manter, no seu discurso político, uma outra dimensão, assente em pressupostos como a desvalorização da barbárie nazi nos campos de concentração, temática com óbvias conotações antijudaicas, que acabava por radicalizar a postura do "Front National" e dele afastar potenciais simpatizantes?

Le Pen olhou-me, talvez surpreendido pela frontalidade da questão. Mas reagiu bem. Sem hesitações, perguntou-me: "Está a referir-se ao 'detalhe'? ". Estava. Como disse, ficou famosa a frase em que Le Pen, a propósito da quantificação do número de assassinatos nazis nos campos de concentração, disse que isso não passava de um "detalhe" no contexto das mortes do segundo conflito mundial. E, nesse jantar, voltou a repetir isto. E acrescentou, por exemplo, que era muito estranho que nunca se falasse no facto das linhas de caminhos de ferro que levavam aos campos de concentração alemães nunca tivessem sido bombardeadas pela aviação aliada (confesso que até então nunca ouvira falar do assunto!).

Tudo isto acabou por dar, por completo, e em escassos minutos, a volta ao ambiente. As mostras de simpatia pelas políticas securitárias ou de controlo da imigração preconizadas por Le Pen dissolveram-se no ar, que se tornou pesado. O jantar terminou de forma um tanto apressada.

À saída, o convidado que havia dado mostras de poder vir a votar "Front National" aproximou-se de nós e, em voz baixa, pediu desculpa por termos sido testemunhas de "algumas tomadas de posição que envergonham a França". Vim a saber depois que era uma figura da comunidade judaica.

Jean-Marie Le Pen, indiscutivelmente a grande personalidade da extrema-direita francesa no pós-guerra, morreu hoje.

No debate no Parlamento Europeu, em janeiro de 2000, em que fui por ele zurzido, a propósito da questão austríaca, houve uma figura francesa que saiu em minha defesa - e a quem, anos mais tarde, tive o ensejo de agradecer pessoalmente a sua atitude. Foi François Bayrou. É hoje primeiro-ministro do seu país.

(Estes episódios já foram por aqui contados no passado. Achei interessante relembrá-los no dia da morte de Jean-Marie Le Pen.)

segunda-feira, janeiro 06, 2025

Fernanda de Castro


Há figuras únicas na sociedade e na cultura portuguesas. Fernanda de Castro foi uma delas. O seu marido, António Ferro, foi outra.

Com os anos e com a vida, fui aprendendo a saber desligar os meus preconceitos ideológicos da avaliação do perfil público das pessoas. Tudo, na política, me afasta de Fernanda de Castro e de António Ferro. E, no entanto, é fascinante acompanhar o percurso daquele casal no Portugal da ditadura. 

Há já bastantes anos, li, com muito agrado, os dois volumes das memórias de Fernanda de Castro. É o tipo de livro que nos ajuda a perceber a intimidade de alguns setores do regime, a sociologia de uma certa Lisboa, vista pelos olhos de uma pessoa comprometida com esse tempo. Não é necessário estar de acordo com a interpretação que a autora faz das situações que atravessa para apreciar o modo, literariamente límpido, como as aborda e descreve. Vejo agora que essa obra foi reeditada, num único volume. Quem se interessa por perceber melhor o país que herdámos ganhará em lê-la. 

Houbigant


Desde criança que ouvia o meu pai referir, como sendo uma espécie de "benchmark" dos odores, o nome de um perfume para mulher com o nome de Houbigant. Nunca vi lá por casa aquela marca. Imagino assim que ele tivesse preservado essa referência cimeira, sabida algures, sem, contudo, alguma vez ter testado o verdadeiro cheiro de Houbigant.

Por muitos anos, sempre que perguntava, em perfumarias, em Portugal ou lá fora, se tinham Houbigant, a resposta era invariavelmente negativa. Nem sequer alguma vez encontrei alguém que tivesse ouvido falar da marca.

Há tempos, descobri que o perfume Houbigant estava à venda no comércio digital. Pensei assim oferecer, na noite de Natal, a quem me acompanha os dias, um frasco do tal Houbigant. Uma vez não são vezes! Não consegui para essa data. A encomenda atrasou-se e o perfume só nos chegou a casa hoje! Que tal é? Não sou especialista em odores, mas, a mim, como leigo, parece-me bastante agradável. Mas sou completamente incapaz de o desconstruir e de descrever a sua composição - como algumas pessoas conseguem fazer com os vinhos, prenhes de sabedoria no palato. 

Para mim, o "mistério" do Houbigant, que se mantinha desde há quase sete décadas, acabou hoje. Só tenho pena que já me não seja possível partilhar, com o meu pai, esta experiência do Houbigant, que ele sempre mitificava como o suprassumo das fragrâncias.

domingo, janeiro 05, 2025

sábado, janeiro 04, 2025

Seminário diplomático



Esta segunda-feira terá início em Lisboa o Seminário Diplomático, que anualmente reúne os chefes de missão que Portugal tem pelo mundo.

Além de intervenções de membros do governo da área diplomática, a começar pelo ministro Paulo Rangel, e do primeiro-ministro, Luís Montenegro, terá lugar a tradicional reunião com o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Os diplomatas encontrarão também por ali quantos foram convidados a intervir na ocasião. Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, que estava prevista como tal, não vai poder participar, por motivos de saúde. Foi anunciado que Durão Barroso irá saltar do banco de suplentes para o palco. E lá estará também, com toda a naturalidade, a nova comissária europeia portuguesa, Maria Luís Albuquerque. A participação da equipa política de turno no evento será completada com a intervenção do ministro da Economia, Pedro Reis.

Recupero aqui um desenho recente do Financial Times, sem que, com isso, me atreva a sugerir que talvez pudesse ter sido convidado a intervir, na ocasião, o novo presidente do Conselho Europeu, pessoa que, por coincidência, é de nacionalidade portuguesa. Mas sou obrigado reconhecer que isso estragaria a impecável, e pelos vistos implacável, uniformidade partidária de todos os tenores políticos chamados a terreiro. Assim, só posso deixar os meus votos de que, como quase sempre aconteceu no passado, o Seminário Diplomático venha a correr a preceito.

sexta-feira, janeiro 03, 2025

Hélder Macedo


Hélder Macedo é uma das figuras maiores da cultura portuguesa. Com um percurso próprio na vida académica e literária, feito bastante fora das capelinhas tradicionais, sem dever nada a ninguém e com uma independência que sempre irritou alguns bonzos da paróquia, soube construir, com imensa solidez, uma prestigiada carreira. 

Nos últimos anos, a República consagrou-o com duas distinções importantes. Hoje, ao que acabo de ler, foi-lhe atribuído o Prémio Vasco Graça Moura - Cidadania Cultural. Fico feliz por isso. Pelo reconhecimento do indiscutível mérito que isso representa e, o que não é menos importante para mim, porque sou amigo do Hélder. 

quinta-feira, janeiro 02, 2025

Viajar livre


Uma vez, há já bastante tempo, fiz uma viagem de carro, entre Paris e Vila Real. Saía, por esses dias, de quatro anos de embaixador em França. E, de imediato, ia reformar-me (pensava eu). Passava a ter livres todos os dias da vida que restava à minha frente. Havia decidido fazer dois "stopovers", em Bordéus e Bilbao. Faria o percurso de regresso em três dias. Era um período fora das épocas altas, pelo que iríamos marcando os hotéis pelo Booking, apenas horas antes. Saídos de Paris com neve, o dia foi-se compondo e chegámos a Bordéus logo ao início da tarde. Tanto tempo por ali? Mudámos de ideias: íamos dormir a Biarritz. Perdíamos o jantar que eu tinha imaginado no La Tupina, de que eu gostava quase tanto como Chirac, mas ganhávamos umas horas. Chegados à zona basca francesa, lembro-me de termos feito, já com a calma de quem vai por ali assentar o dia, a estrada da Corniche, enquanto decidíamos o hotel onde ficar. Talvez desse mesmo para, na manhã do dia seguinte, dar uma saltada a Urt, ao cemitério onde está sepultado Roland Barthes, uma das minhas estimações. De repente, ele há cada uma!, deu-me um vaipe. E se fôssemos dormir a San Sebastián?! Há quanto tempo ali não parávamos. Tinha saudades daquela orla marítima. No caminho, com a noite já a cair, pôs-se a hipótese de "saltarmos" um dia e, afinal, ir dormir logo a Bilbao. Contudo, não tínhamos reservado bilhetes para ir visitar o Guggenheim. Haveria vagas, na manhã seguinte? A interrogação absolvia-me o ânimo. Parámos a jantar num restaurante de estrada, à entrada da cidade. Enquanto ainda olhava os hotéis possíveis em Bilbao, um pensamento comodista atacou-me: mas, afinal, quanto é que faltava para chegar a Portugal? Por Puebla de Sanabria a Chaves era "um saltinho"! (Lembrei-me de uma boleia que, nos anos 70, tinha apanhado pela velha estrada por aí, com um taxista português, numa tirada direta, de Dax às Pedras Salgadas). E assim fomos. Pouco passava das 11 da noite (tínhamos, entretanto, ganhado a hora de diferença), lembro-me bem, estávamos a entrar num confortável quarto do Palace Hotel do Vidago (quem não é daqui diz "de Vidago", quem é diz "do Vidago"). Minutos depois, desci ao bar, para "atestar" qualquer coisa. Recordo a sensação de estar um pouco "elétrico": tinham sido mais de 12 horas a conduzir. Se alguém, dias antes, me tivesse aventado a ideia de fazer uma viagem direta para Portugal, chamaria a isso uma insensatez. Mas foi assim, faz, daqui a uns dias, precisamente 12 anos.

Ontem, fui ao hotel "do Vidago" para um chá com torradas, depois de uma épica travessia da serra da Padrela, desde Valpaços a Loivos, com o termómetro colado nos zero graus. O carro é o mesmo da viagem de 2013. Com mais 250 mil quilómetros, claro. A escadaria central do hotel ainda está natalícia, como se vê.

O alfaite de Damasco


É muito curioso o esforço da nova liderança síria, ao cuidar mostrar-se ocidentalizada nos seus trajes, sem fardas nem "panejamentos", como subliminar fator de credibilização política. Como aquilo é feito um pouco "a martelo", o resultado acaba por resultar saloio, mas com alguma piada.

quarta-feira, janeiro 01, 2025

terça-feira, dezembro 31, 2024

Só para recordar

É em absoluto ridícula a ideia de que uma força de interposição na Ucrânia, para sustentar um eventual armistício, possa vir a ser composta por tropas originárias de países que deixaram claro de que lado estão face a esta guerra, nomeadamente pelo apoio já dado aos contendores.

Nos tempos em que trabalhei na OSCE, era motivo de risota na organização a ideia russa de transformar os militares que deixou na Transnístria em "peacekeepers", a atuar entre a Moldova e aquele sua região separatista pró-russa. É que já se pressentia qual iria ser a sua "neutralidade"...

Qualquer força militar que vier a ser colocada na Ucrânia, no caso do curso da paz vir a passar por aí, tem de surgir com base num mandato do Conselho de Segurança da ONU e terá de comportar-se de forma rigorosamente equânime face às partes em conflito.

Carter


Na morte de Jimmy Carter, à conversa com João Póvoa Marinheiro. 

Pode ver aqui.

segunda-feira, dezembro 30, 2024

Espairecer


Deve haver poucas localidades mais desinteressantes do que Verin. E, no entanto, na minha infância, ir a Verin era significado de "ir ao estrangeiro". Ia-se a Verin, a terra espanhola que ficava mais perto de Vila Real, logo depois de Chaves, nos dias da festa do Lázaro, em março. Os passaportes eram dispensados nessa altura e, ao atravessar a fronteira, até os pides e os polícias espanhóis de tricórnio tinham, por escassas horas, um ar menos ameaçador.

À época, o que se vendia nas lojas espanholas tinha pouco a ver com o que por cá havia. Muita coisa era diferente e tudo era aliciante, só por essa diferença. E ver o polvo cortado à tesoura, saído de uns caldeiros, à porta de umas tascas com ar estranho, era um verdadeiro cenário de filme para aquele miúdo de então. Adorava ir a Verin, confesso.

Com os anos, com as viagens a democratizarem-se, com outros mundos já nos olhos de toda a gente, Verin começou a perder a sua graça, que aliás sempre fora muito mítica. Mas, para os meus pais, por muitos anos, a deslocação ia valendo a pena. Lembro-me de o meu pai, já reformado, dizer: "Apetece-me espairecer! E se fôssemos hoje a Verin?" E, estando nós de passagem em Vila Real, sem outro programa na proximidade, lá íamos nós com eles, "numa saltada" a Verin.

Houve tempos em que algumas casas comerciais ainda por lá mantinham algumas coisas com (embora muito decrescente) interesse, desde logo no setor da alimentação onde, por muito tempo, a Espanha deu cartas (mas já não dá). Mas muito do que ali conhecíamos parou, entretanto, de vez. O Café Aurora segue há décadas entaipado. O supermercado "da gorda" (desculpem a crueldade, mas era assim que, em outros tempos, designávamos a avantajada dona de uma razoável mercearia onde tínhamos o vício de ir) foi substituído por um qualquer escritório. Tudo o resto se uniformizou até ao limite da pasmaceira que hoje por ali se vive.

Passada a minha fase adolescente do deslumbre pela "stationery" e pelos baralhos de cartas da "Heraclio Fournier", cedo percebi que, em Verin, nunca mais haveria livros nem música, só se conseguiam jornais nas estações de serviço (agora, por cá também...) e eu já quase não sei comprar mais nada. E como, de lá para cá, a democracia nos autorizou a Coca-Cola que o Botas de Santa Comba proibira, e como já não há pachorra para os "melocones" enlatados, nem para os rebuçados que nos evocavam a Espanha de outros tempos, Verin está hoje uma imensa seca. A imagem é de um dos seus mais "cosmopolitas" cruzamentos.

Fui hoje a Verin, para "espairecer", como diria o meu pai. Bebi uma cerveja e comi uns queijos assim-assim no Parador, atestei pouco patrioticamente o depósito e zarpei logo para Portugal, sem saudades nem nostalgias. A grande chatice destas experiências é que nos estragam, cada vez mais, o que nos resta de mitos do passado e nos desestimulam visitas no futuro. Já só voltarei a Verin quando me esquecer da última vez que lá fui. Que foi hoje.

domingo, dezembro 29, 2024

A brigada do Júlio de Matos ataca de novo

Pronto! Lá começaram os maluquinhos do costume a criar uma teoria da conspiração sobre a coincidência temporal nos acidentes aéreos de hoje. É a useira e vezeira malta do "ai, julgas que é por acaso que... ?".

Notícias do sebo

Uhf! Vou-me permitir utililizar uma frase histórica - quiçá pouco elegante, mas muito apropriada - cunhada pelo ciclista Alfredo Trindade, há pouco menos de um século, depois de uma vitória sobre o seu rival e amigo José Maria Nicolau: “Finalmente, limpámos o sebo à gajada do Benfica”.

Carter

Jimmy Carter, que morreu agora com 100 anos, foi um presidente polémico e contraditório. Teve belas atitudes no tocante aos Direitos Cívicos, à igualdade de género e ao ambiente, mas fugiu da tradição democrática nas políticas sociais e direitos laborais. Socialmente, Carter era muito conservador.

Carter hesitou na "détente", mas acabou por assinar o Salt II com a URSS. Confirmou a abertura à China, fez os acordos de Camp David, colocou os Direitos Humanos na agenda dos EUA, mas caiu na armadilha do Irão. Deu da América uma imagem de fraqueza, assim abrindo as portas a Reagan.

Jimmy Carter foi mais valorizado depois de sair da Casa Branca, pelo seu apego aos Direitos Humanos e à promoção da ordem democrática. Teve o prémio Nobel da Paz. No todo, provou ser um homem decente. Faria bem ao seu curriculum póstumo que Trump o não elogiasse.

Paz

Há dez dias, na RTP 3, numa conversa com Ana Santos Pinto, referi este assunto, que não tinha visto ninguém suscitar: no caso de um eventual compromisso provisório na Ucrânia, ainda que precário e para sustentação de um simples armistício, que Trump possa vir a forçar, será necessário montar uma operação de "peacekeeping". A única entidade que pode fazer isso é o Conselho de Segurança da ONU. Mas o Conselho não está bloqueado, por oposição mútua dos EUA e da Rússia? Claro que sim. Mas se um acordo, ainda que provisório se fizesse, isso aconteceria precisamente pela vontade conjunta dos EUA e da Rússia, logo, o problema no Conselho de Segurança poderia ser ultrapassado. Seria necessária uma "conjugação de astros" muito grande para que o "milagre" se concretizasse? Claro. Mas a diplomacia é isso mesmo. E, já agora, os países europeus, se têm verdadeiramente interesse no multilateralismo, deveriam vir a aplaudir a ideia. Se ela surgir, claro.

Há minutos, vi este diálogo no X, entre alguém e Gérard Araud, que foi embaixador francês na ONU e em Washington. Vale a pena lê-lo:



Tesourinhos deprimentes

Não há coincidências?


Tenho na ideia que as melhores fotografias que tirei em Vila Real (sou um assumido mau fotógrafo) foram sempre em dias muito frios. Por qualquer razão, também na minha memória, as datas em que fiz essas imagens coincidem sempre com a de grandes constipações que apanhei.

Periscópio

Comecei por estranhar a frase de um velho amigo que há pouco cruzei numa rua de Vila Real: "Cada vez mais me convenço de que o Covid deixa efeitos colaterais muito negativos". E perguntei: "Quais?" Fez um ar muito sério: "Olha! O Gouveia e Melo, por exemplo".

"Sorry" por ter de dizer isto

É escandaloso o tropismo saneador do PSD e do CDS quando chegam ao poder. Deve diminuir imenso o "desemprego" nas hostes que estavam na oposição... Só não me escandalizo mais porque o PS, embora de forma apenas um pouco menos sôfrega, costuma atuar de forma muito parecida. Sorry!

E o vento mudou...

Valeu a pena denunciar a coreografia sectária da operação policial no Martim Moniz. Luís Montenegro, depois deixar intuir precisamente o contrário, mas cheirando o vento que entretanto começou a soprar, já veio "às boas" e afasta agora a ligação entre criminalidade e imigração.

Geórgia

Na Geórgia, foi eleito e tomou posse um novo presidente. Temos de ser coerentes. Se há provas concludentes de que a eleição dos deputados que o escolheram foi fraudulenta, a legitimidade do novo eleito pode e deve ser contestada pelo mundo exterior, daí retirando eventuais consequências na sua aceitação internacional, bem como da representatividade do governo do país. Mas o facto de, alegadamente, o homem ser anti-UE, anti-ocidente e pró-russo é uma opção que só a eles respeita. 

Voar

Apesar da "perceção de insegurança" que alguns acidentes aéreos recentes possam ter induzido, vale a pena lembrar que a aviação continua a ser o meio de transporte mais seguro em termos relativos: as hipóteses de morrer num voo comercial são de uma em quinze milhões.

Uma desgraça nunca vem só

Chirac, com escassa elegância mas grande acerto, dizia que "les emmerdes, ça vole toujours en escadrille", para referir que quando as coisas quando correm mal surgem todas juntas. A Coreia do Sul atravessava numa profunda crise política. Há horas aconteceu-lhe uma tragédia aérea.

sábado, dezembro 28, 2024

"Então e o ... ?"

Agora, parece que anda na moda. Fala-se ou escreve-se sobre um determinado assunto e é certo e sabido que aparece logo um fabiano a dizer: "Ai é? E então o 'coiso'? ". E lembra algo, parecido ou não, tentando essencialmente relativizar a importância da anterior afirmação. Chama-se a isto, no jargão anglo-saxónico, "whataboutism" e quem utiliza este medíocre processo de discutir revela que não é capaz de abordar o assunto em si mesmo.

Trabalhistas

O novo governo trabalhista britânico está a ter um início turbulento, desagradando a cada vez mais setores. Depois do catastrófico consulado conservador, havia a ideia de que Keir Starmer, de uma esquerda suave, era uma alternativa para durar. Afinal, pode ser que não.

Quintela


Sabem onde é a Torre de Quintela? Não é longe de Vila Real e é perto de Bisalhães, onde se pode adquirir peças de barro preto, que a Unesco já consagrou no património mundisl. Passem por lá, que vale a pena.

França

A aventura Bayrou no governo francês não está a correr muito bem. Salvo talvez ele, ninguém esperava que corresse. Pode ser que o facto das expetativas serem tão baixas possa dar-lhe alguma hipótese de sobrevivência. Em meados de janeiro se verá se terá a mesma sorte de Barnier.

Uma "estrangeirinha"

Parece estar a armar-se uma "estrangeirinha" entre o ocidente nórdico-báltico e a Rússia, a montante da chegada de Trump à Casa Branca. Espero sinceramente que o único "adulto na sala" no ocidente, leia- se EUA, ajude toda a gente, Rússia incluída, a ter juízo.

Parvoíce

Um tipo qualquer mata uma senhora a tiro em Viseu e o país, apenas por causa desse incidente, acha logo que deixou de ser dos mais pacíficos e seguros do mundo? Está tudo parvo ou são só os parvos a reagirem assim?

Sem olhos em Gaza

O que se passou em Gaza, com os doentes e o pessoal de um hospital a terem de sair pelo seu pé, ao frio, é um ato de desrespeito pelos Direitos Humanos mais primários. O silêncio da União Europeia mostra que perdeu qualquer autoridade moral.

É só Saúde!

Há cinco urgências fechadas neste fim de semana. Se este governo tivesse um módico de vergonha na cara, assumia com humildade que tinha subestimado a dimensão dos problemas do SNS que o anterior governo não conseguira colmatar. Mas não tem. É apenas uma máquina de auto-propaganda.

sexta-feira, dezembro 27, 2024

É proibido ter saudades...


... mas não é proibido ter orgulho numa bela ideia. Tive-a em 2004, há precisamente 20 anos. 

Eu estava de saída da Áustria e quase de partida para o Brasil. Num fim de tarde, creio que de setembro, de visita a Lisboa, sentei-me com o Nuno Brederode Santos na Mesa Dois do Procópio e lembrei que talvez pudéssemos juntar os "utentes" da tertúlia que há anos se reunia nessa mesa, somados a alguns erráticos visitantes que por ali às vezes aportavam, e organizar uma bela jantarada, lá para dezembro, antes do Natal. 

O Nuno achou a ideia ótima, passando-me logo a bola da logística: "Tu tratas de fazer as convocatórias e do local, claro!", assegurou-se. Como eu era o tido como o "maníaco" dos restaurantes e vivia agarrado ao email, esse lado estava garantido. 

E passámos à lista dos convocados. Comecei a alinhar os nomes mais óbvios, o Nuno foi-se lembrando de uma imensidão de gente que ele, com tribuna diária assegurada na "Dois", conhecia de ginjeira. 

A lista foi crescendo nas semanas seguintes. Ela só era consensual entre mim o Nuno. Ele era o patrono da Mesa e o "vetting" essencial a ele pertencia. Por mim, propus a eliminação de três figuras que, passando episodicamente pela Mesa Dois, o faziam em geral já com um nível de toxicidade etílica que se tornava desagradável para os restantes convivas. Um deles era mesmo tido como uma figura "histórica" do Procópio. Na Mesa Dois bebia-se, não se ficava bêbado. O Nuno concordou comigo. 

Posso agora revelar que, quando alguns outros nomes começaram a transpirar, foram levantadas, por certas pessoas do "núcleo duro" da Mesa, fortes objeções: ou eram "fachos", ou eram não eram republicanos, ou eram "bestialmente esquerdalhos", ou "berravam alto", ou eram "calados como ratos", ou eram "chatos". Na realidade, eram, muito simplesmente, pessoas com quem alguém "não ia à bola", por questiúnculas passadas. Eu e o Nuno tínhamos combinado que ninguém, além de nós, organizadores-mor do jantar, tinha direito de veto. Quem se sentisse mal com a presença de alguém, então nessa noite que ficasse a jantar sozinho em casa. Ninguém faltou. E cedo começaram mesmo a chegar-me as cunhas de alguns que não se sentiram lembrados.

A Alice Pinto Coelho, dona do Procópio, metida ao barulho da ideia desde o início, e que a acolheu com entusiasmo, decidiu fazer uma surpresa simpática aos presentes no repasto: a cada um, como prova maior de confiança e fidelidade, ela ofereceria uma chave de acesso ao bar. E assim veio a acontecer, apenas com o pormenor, quiçá despiciendo, de que nenhuma das chaves abria a porta...

Lembrei-me de organizar o evento no restaurante A Marítima de Xabregas. Reunia as condições cumulativas que, à época, eram consideradas essenciais: comportar as cerca de 80 pessoas estimadas, ser local com uma comida simpática, não ser caro, ter lugar para estacionar e, condição "sine qua non" para uma imensidão de gente, ali ser permitido fumar.

Com o António Dias, e comigo ainda em Viena a fechar o posto e as malas, nuns blogues que então alimentávamos, começamos a lançar a ideia, que dois jornais semanários vieram mesmo a tomar por séria, de que o jantar se destinava a aprovar um manifesto chamado "Documento de Xabregas". Fomos publicando extratos inventados desse manifesto de "regeneração política" que tinha como finalidade servir de contraponto a um texto que, meses antes, surgira entre a fina-flor do liberalismo económico lisboeta, o "Compromisso Portugal", lançado no convento do Beato. Ora Xabregas era logo ali ao lado... Xabregas ia responder ao Beato! Nasceu mesmo o blogue "Espírito de Xabregas", escrito vá-se lá saber por que mãos, que durou uns anos e muito nos divertiu.

Lembro que, por essa altura, se viviam os deliciosos dias do estertor do governo santanista, o tempo das trapalhadas diárias e especialmente noturnas, do sai-e-entra para São Bento, quer fosse para o divertido governo, quer fosse apenas para a residência do animado primeiro-ministro, felizmente então já quase "sortant". 

Mas uma "sombra" estava ainda para surgir. A data que eu e o Nuno tínhamos escolhido para o repasto coincidia precisamente com uma imensa jantarada que ia ser feita pelo Partido Socialista, na velha FIL, em torno de José Sócrates, que por essa altura estava já a aquecer os motores para chegar a São Bento. Recordo-me de que o José Vera Jardim telefonou a alertar para a funesta coincidência de datas e para o que pudesse ser daí interpretado politicamente. Respondi-lhe que a esmagadora relevância daquilo que ia sair do "Documento de Xabregas" se sobrepunha à espuma dos dias que a jantarada "chucha" representava. O Sócrates que se amanhasse! O Zé riu-se.

E lá fomos todos, muitos, jantar a Xabregas, num dia que era de dezembro de 2004, mas cuja data exata não tenho presente. O momento foi tão divertido que acabaria por ser o primeiro dos de dez jantares quase anuais da Mesa Dois que acabaram por ter lugar. Em nove dos 12 anos seguintes, organizei idênticos encontros em vários locais que fui escolhendo: do Vírgula (duas vezes) à Ordem dos Engenheiros, do Jardim do Tabaco ("et pour cause") à Tasca do Papagaio, passando pelo Manel do Parque Mayer (duas vezes) e pelo Rota das Sedas. 

O último foi em 2016 e, simbolicamente, decidi regressar à origem, à Marítima de Xabregas. Foi também o derradeiro em que o Nuno esteve presente, já com a saúde muito debilitada. Da cama do hospital em que estava então internado, o António Dias enviou-nos um divertido poema, que foi lido na sala pela Maria do Céu Guerra. Com a saída de cena do Nuno e com o fim da Mesa Dois do Procópio que ele encarnava e de que era a alma, já não se justificam mais jantares. Agora muito menos, sem termos a querida Alice connosco.

Porquê a foto que ilustra o texto?, perguntará o leitor. Nela figuram dois convivas improváveis, que retratei num dos jantares. Ambos também já desapareceram. Um é o Caetano da Cunha Reis, fundador da Juventude Centrista, homem orgulhosamente de direita. Outro é o Carlos Antunes, criador das Brigadas Revolucionárias e do PRP, para quem a esquerda era tudo. Ambos eram meus amigos e do Nuno Brederode Santos. Esta fotografia ilustra precisamente o que era o espírito da Mesa Dois do Procópio.

quinta-feira, dezembro 26, 2024

Bebinca


Há já um tempo que não comia bebinca. Imagino que tenha sido por me ouvirem dizer que tinha saudades desse doce goês que tive o privilégio de receber, para o jantar da Consoada, uma bela bebinca, que partilhei, confesso que com discreta parcimónia, com os convivas dessa ceia. Ainda no dia de hoje tive um resto da bebinca só para mim. Adoro bebinca, pronto!

Foi há muitos anos que comi bebinca pela primeira vez. Recordo que foi num restaurante indiano que existiu no primeiro andar da gare marítima de Alcântara. Aquela sobremesa em camadas, com um trabalho de execução muito exigente, ficou-me na memória gustativa. E, ao longo dos anos, fui-a procurando em vários locais. Até em Goa comi bebinca! 

Bebinca no Natal, ao lado da aletria e dos sonhos, é bem a imagem do Portugal multicultural em que tenho grande orgulho de viver.

O concerto da Júlia


Foi assim, depois do almoço de hoje. A pianista, com menos de 10 anos, chama-se Júlia. 

Genial


Devo dizer que, há uns anos, quando vi publicado este título, passou-me um ligeiro frio pela espinha. O jornalista que o construiu deve ter tido um imenso prazer com esta sua "trouvaille". 

Redes

É minha impressão ou as deserções do X para o Bluesky estão a diminuir? Os meus seguidores no X têm vindo de novo a aumentar.

LinkedIn


LinkedIn é uma rede profissional muito útil, para cruzar e conhecer gente com perfis técnicos interessantes. Infelizmente, o LinkedIn está a ser utilizado cada vez mais como veículo ideológico e confrontacional. Pergunto-me se a rede não devia ser sujeita a alguma moderação.

A tampa


Eu sei que a tampa ficar presa depois da abertura resulta um pouco incómodo para se beber água de uma garrafa plástica. Mas, caramba!, esse pequeno esforço, que todos passámos a fazer a partir de 2024, é uma contribuição ínfima que nos é pedida para um mundo menos poluído.

segunda-feira, dezembro 23, 2024

Confesso os figos


Ontem, uma prima ofereceu-me duas sacas de figos secos. Não lhes digo quantos já comi. Há poucas coisas no mundo gustativo de que eu goste mais do que de figos. É verdade! Não me vou pôr aqui a falar de tudo aquilo de que sou guloso, porque isso faria um rol interminável e abriria uma inconciliável discussão entre mim e quem me lê. Cada um de nós tem as suas listas mais ou menos íntimas. Da minha, só confesso os figos. Adoro figos frescos, em especial quando estão já muito maduros - e isto não é uma contradição em termos. Mas gosto especialmente de figos secos, escuros ou claros. Alambazo-me deles pela noite, num pé-ante-pé à cozinha, à cata de vitualhas para atenuar, não a fome, mas um estranho mas intravável apetite-sem-fome que tende a invadir-me nessas horas em que tenho a certeza de não ir ouvir ninguém dizer o infernal "Não exageres! Isso faz-te mal!" Nesses momentos solitários de exercício de liberdade extrema, abordo as gavetas, as portas dos armários ou os talheres com a delicadeza de um assaltante de cofres, procurando não perturbar o silêncio (ou melhor, o sono de quem, pela certa, me iria censurar). É um alívio delicioso quando chego ao frasco dos figos secos. Em regra, só tiro três e com eles desço para o andar de baixo, numa frágil auto-convicção de que não voltarei a subir aquelas escadas apenas para ir buscar mais um figo. E é pura verdade: só lá voltarei para ir trazer, não um, mas mais dois figos. Ou três, porque ninguém me garante que o mundo não vai acabar amanhã. Este exercício, feliz ou infelizmente, não se repete muitas vezes: é que eu, e só eu, esgoto os figos secos que tenho em casa em poucos dias, ou melhor, em poucas noites. Pronto, já me confessei! Não espero ser perdoado, porque não foi para isso que aqui trouxe este magno assunto.

ps - eu sei que já um dia escrevi por aqui uma coisa similar sobre bolachas de chocolate. Mas que hei-de fazer? As tentações não param, neste mundo de pecadores saciados e não arrependidos. 

domingo, dezembro 22, 2024

Agostinho Jardim Gonçalves


Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma extraordinária vocação para a cooperação com África, área em que eu então trabalhava. Tivemos várias reuniões. As suas ideias e o seu entusiasmo pareciam inesgotáveis. Às vezes, era impaciente, incapaz de conviver com o ritmo modorrento da decisão oficial. Discutíamos sempre com grande cordialidade e daí nasceu uma muito boa relação entre nós. Voltámos a cruzar-nos, por outras razões, quando era o braço direito do Cardeal Patriarca, dom José Policarpo. As últimas vezes que o encontrei confirmavam, à evidência, a doença que o afetava. Mas teimava em falar só do futuro. Há duas semanas, no Grémio Literário, esteve no lançamento de um livro que ali apresentei. Fiz-lhe uma especial saudação, nas palavras que proferi. Posso agora confessar que tive o pressentimento de que aquele era o seu último sorriso que eu veria.

Morreu hoje o padre Agostinho Jardim Gonçalves, aos 92 anos.

Hoje lembrei-me do padre Domingos


Das traseiras da igreja de São Martinho de Bornes tem-se esta vista. Estava assim, hoje à tarde. Lá em baixo, ficam as Pedras Salgadas, com as Romanas, Sabroso e algum casario do Bragado ao fundo. Do outro lado da igreja, fica o cemitério onde estão aqueles que hoje fui visitar, lembrando a falta que farão nas festas que aí vêm.

Por algumas décadas, oficiou por aqui o padre Domingos. Casou, batizou e enterrou muita gente da minha família, até que a lei da morte se aplicou um dia a ele próprio. A mim só me batizou, numa "infamous" jornada da qual há fotografias que revelam que já ia pelo meu pé e da qual saí com uma gravíssima bronco-pneumonia, que o meu pai sempre disse ter-se ficado a dever à água gelada da pia de água benta, neste caso benta "ma non troppo". Fui a primeira pessoa da família a quem o padre Domingos não casou "pela igreja", pelo que sempre me dizia, num léxico de caçador: "A ti, deixei-te escapar. Foi pena!". Não foi.

Um dia, o padre Domingos sofreu uma queda e ficou retido em casa, por umas semanas. Sabia-se que era tratado pela Martinha, uma senhora que nunca conheci mas que era o seu constante apoio caseiro. Algumas paroquianas, preocupadas com a saúde do padre Domingos, foram vê-lo a casa. Ficou famosa a resposta que deu a uma delas, que lhe perguntou: "Então o senhor padre Domingos partiu a bacia?" O pároco, que não era homem para deixar alguém sem resposta, contestou com uma frase que ficou para a pequena história das Pedras Salgadas: "Parti a bacia, parti. Mas não parti o jarro..."

BOAS FESTAS!

 


A todos quantos por aqui passam deixo os meus votos de Festas Felizes. 

Que a vida lhes sorria e que seja, tanto quanto possível, aquilo que intimamente desejariam que ela fosse.

Histórias da música e da política


Saí há escassas horas de um excelente espetáculo musical, no teatro desta Vila Real com três graus centígrados, que reuniu, num improviso consecutivo de uma hora e meia, António Victorino de Almeida, Paulo Jorge Ferreira e Paulo Vaz de Carvalho - respetivamente ao piano, acordeão e guitarra. Foi um belíssimo concerto a anteceder o Natal! 

À tarde, tinha havido uma conversa aberta com o pianista, hoje com 84 anos, que me dizem ter sido muito interessante. O tempo, cá por Vila Real, costuma render bastante mais do que em Lisboa, mas ainda não dá para tudo. Perdi assim o ensejo de poder contar a António Victorino de Almeida um episódio que ele talvez desconheça.

Foi há mais de 40 anos. Eu estava colocado na nossa embaixada em Luanda, nesse tempo de feroz guerra civil entre o Estado angolano e a UNITA. As relações políticas entre Portugal e Angola estavam no seu ponto mais baixo. O governo do MPLA acusava Portugal, entre outras coisas, de deixar a UNITA organizar-se livremente no seu território. 

Na embaixada, eu tinha a meu cargo o setor da cooperação e era exasperante ver Angola recusar praticamente tudo quanto íamos propondo, para tentar reativar aa relações bilaterais. Com exceção da contratação de professores, quase nada se conseguia fazer. 

Nesse ano de 1983, o recém-chegado embaixador português, António Pinto da França, numa visita de cortesia em que o acompanhei à única estação de televisão local, a Televisão Popular de Angola - TPA, teve uma ideia que acabaria por se revelar original. Ele não desconhecia as severas restrições que o governo angolano colocava a tudo quanto tivesse origem em Lisboa, mas tentou a sua sorte com uma proposta que se pretendia inóqua. 

Uma década antes, o pianista António Victorino de Almeida, tinha tido um imenso sucesso com uma série de programas de divulgação musical, gravados na capital austríaca, intitulados "Histórias da Música". Eram charlas de meia hora em torno de temas, de compositores e de intérpretes, em especial de música clássica. Nada de mais neutral, de mais apolítico. 

Na conversa com a direção da TPA, que claramente ansiava por melhorar a sua oferta televisiva, que apresentava muito escassos programas interessantes, nas suas poucas horas de emissão, ele propôs a cedência daqueles episódios, sem o menor encargo. Antes de partir de Lisboa, Pinto da França tinha garantido essa disponibilidade por parte da RTP.

Para alguma surpresa nossa, os angolanos, tempos depois, informaram que, a título excecional, aceitavam divulgar essa série de natureza musical. Era uma interessante quebra do "bloqueio" às coisas vindas da antiga "potência colonial". Para nós, era uma verdadeira "lança em África". A diplomacia ensina-nos o valor da política de pequenos passos. E lá chegaram de Lisboa as cassetes com os programas, que fui levar à direção da TPA.

O programa de António Victorino de Almeida, que já tinha tido uma grande aceitação em Portugal, pela excecional capacidade de divulgador do pianista e pela originalidade da sua realização, para os padrões da época, criou um ainda maior entusiasmo em Angola, em face da evidente pobreza que era então a programação da TPA, muito baseada nas ofertas dos países de Leste. Muita gente, entre os nossos amigos angolanos, nos felicitou e agradeceu pela nossa iniciativa. Com inteira razão, António Pinto da França estava deliciado pela excelente ideia que tivera.

Durante meses, o êxito do programa foi em crescendo. Até um dia.

Um dia, um desses programas era sobre um tema muito particular: o hino nacional português. Cá em casa, existe uma lembrança muito viva dessa ocasião. À medida que o programa ia decorrendo, comecei a perceber que muito dificilmente, num ambiente tão crispado e lusofóbico como o que então atravessava os meios oficiais angolanos, aquilo não iria ser uma grande "bronca". 

António Victorino de Almeida fazia nesse programa uma apologia carinhosa do nosso hino, explicando e contextualizando o seu caráter gongórico e "bélico", apelando a que o olhássemos como um fator de união, tal como fazíamos com a nossa bandeira, gostássemos ou não dela. E, inserido nesse tempo do início dos anos 70, em que em Portugal só havia uma televisão, que era vista por uma imensidão de gente, a certa altura, ele dizia algo como isto: "Vá à sua janela para a rua, abra-a e cante o nosso hino, cante "A Portuguesa". Pode ser que o seu vizinho, na casa em frente, faça o mesmo. E teria imensa graça que, na sua rua, você, ele e outras pessoas cantassem agora o hino do nosso país, de Portugal". 

Recordo que isto se passava numa Angola independente há apenas oito anos, atravessando uma guerra civil, com o antigo "colono" a ser diabolizado, todos os dias, na propaganda oficial e oficiosa.

Nesse instante, temi que esse programa da série de Vitorino de Almeida viesse a ser o último na televisão de Angola. E não me enganei. 

Dias depois, todas as cassetes foram discretamente devolvidas pela TPA à embaixada, com um cartão de cumprimentos. Encaminhámo-las por mala diplomática para Lisboa, para serem entregues à RTP. 

Não faço ideia do que se terá passado no seio da televisão angolana, na sua relação com o zeloso e radical aparelho político da época. Mas não deve ter sido coisa fácil.

Tempos melhores acabaram por vir nas nossas relações com Angola.

sábado, dezembro 21, 2024

"Quem quer regueifas?"


Sou de um tempo em que, à beira da estrada antiga entre o Porto e Vila Real, havia umas senhoras a vender regueifas. Aquele pão também era proposto, à passagem em Valongo ou em Paredes, a quem ia de comboio na linha do Douro ou viajava nas camionetas do Cabanelas, com vozes a inquirir, bem alto: "Quem quer regueifas?" 

A regueifa, tostada ligeiramente por fora, tem uma textura muito própria e liga lindamente com qualquer doce, ou barrada simplesmente com manteiga. Para mim, o maior defeito da regueifa é que, passadas algumas horas, o miolo torna-se borrachoso e passa àquilo que, em minha casa, se costuma designar por "fase Firestone" dos pães. Acontece o mesmo com as baguetes de pão francês. Para evitar isso, só há uma solução: congelar ou comer logo. Sou um adepto militante da segunda solução.

Na nova A4, não há regueifas à venda, claro. E, ontem, sei lá bem porquê, talvez nostalgia de outros Natais, apetecia-me comer uma regueifa. Por isso, saído do Porto, deu-me para regressar à "estrada velha" e ir à procura de regueifas. Bati com o nariz no balcão de várias casas: as regueifas já estavam esgotadas, tinham-se vendido da parte da manhã. Para um cliente vespertino como eu, era uma péssima notícia. Mas não desisti. E, com a ajuda do "tio Google", consegui comprar uma bela regueifa nos arredores de Penafiel (embora o seu formato não seja o clássico que figura na imagem). Deixo o nome da casa, uma magnífica pastelaria, com serviço extremamente atencioso, não longe do hospital: "Cacaulate". Entrei à procura de regueifas, deixei-me atrair também pelos doces. É a vida! Tão cedo não faço análises, é o que me vale...

sexta-feira, dezembro 20, 2024

Entrevista à revista "Must"


Aque horas se costuma levantar? 


Em regra, tarde. Desde que saí da função pública, recusei todos os convites para atividades “from-nine-to-five”, para tarefas executivas. E foram alguns. Desde há 12 anos, sou dono de grande parte do meu tempo, coisa que não tinha sido durante 41 anos. Leio muito e preciso da noite para ler. Assim, tento que o meu dia comece sete horas após o momento em que me deito. Aliás, decido a hora a que me deito e a que quero acordar em função da agenda do dia seguinte. E ponho dois despertadores, para não ter surpresas. Se nada tenho marcado para a manhã, acordo quando acordar. 


O que costuma refletir/ponderar/pensar nos primeiros minutos acordado? 

Não sou um intelectual das manhãs. Nunca tive ideias geniais ao acordar. Só tenho sono. Não acordo logo, vou acordando. Eu sou como a madrugada: o dia vai nascendo dentro de mim. Verdadeiramente, só acordo cerca de uma hora depois de despertar. 


Qual é a sua rotina quando se levanta?  

Começo por olhar o iPhone e o iPad, para ver se houve chamadas ou mensagens relevantes. Depois, verifico os emails. Durante a noite chega um mínimo de duas dezenas de emails. Mas quase nada a que seja necessário responder: são essencialmente alertas e notícias, de várias partes do mundo. Umas leio logo, outras guardo para mais tarde, muitas nunca as chego a abrir. Mas procuro ser rápido na resposta a emails que me dirigem. 


Que tipo de pequeno-almoço costuma tomar? 

Ninguém vai acreditar: não sou eu quem decide. Tanto pode vir fruta como uma torrada com manteiga ou doce ou um iogurte. Ontem, foi Bolo Rei. É sempre um “happening”. No final, em regra, um café expresso. 


Costuma haver algum tipo de atividade antes de começar o dia?  

Rigorosamente nada. Não sou dado a ginásticas ou coisas assim. É a única coisa em que sou fiel seguidor das ideias de Churchill. 


Como são os seus trajetos? Como os faz? A pé, automóvel, transportes… 

Em regra, ando em três meios de transporte: de carro, de carro ou de carro. Ando muito pouco a pé e raramente de transportes coletivos. Ando muito de táxi e de Uber/Bolt. Sou um bom cliente da Radiotaxis. Sei que este comportamento não está na moda. 


Tem algum tipo de preparação prévia antes do trabalho? 

Não tenho rotinas diárias. Tenho tarefas em empresas, que podem ocupar o dia todo ou uma parte do dia. E que ocorrem pontualmente, algumas com atividades separadas por semanas. A maioria são em Lisboa, outras são fora, às vezes no estrangeiro. Antes dessas reuniões, há bastante material para ler e, algumas vezes, trabalho escrito para executar. 


A que horas começa a trabalhar? 

Trabalho quando entendo. Cada dia é diferente do outro. Às vezes tenho que escrever, na maioria dos casos leio informações e tomo notas durante algumas horas. Posso começar essa atividade depois de acordar, deixá-la para a tarde ou mesmo para a madrugada, onde o trabalho parece render sempre mais. É de madrugada que me surgem algumas ideias geniais. Depois, durmo “sobre” elas e, no dia seguinte, constato, em geral, que eram ideias banais. 


Quais são as suas principais tarefas e responsabilidades? 

Executo estudos de consultoria estratégica para que sou solicitado, faço parte de órgãos de gestão e supervisão de empresas, sempre em áreas não executivas. Faço comentário sobre temas internacionais na comunicação social, quando a isso convidado e se tenho interesse e disponibilidade para o fazer. E faço palestras e intervenho em debates. 


Como gere o seu tempo? 

Depois de décadas em que a decisão sobre o tempo não me pertencia, uso a liberdade que ganhei de uma forma um pouco caótica, mas altamente satisfatória. Na véspera de cada dia, arrumo a respetiva agenda, que é imensamente variada. 


Como lida com a pressão e o stress? 

Bem e mal. Como ficou demonstrado pelo momento de entrega deste inquérito, trabalho sob pressão do tempo e sob algum stress. Às vezes, aceito demasiadas coisas, para serem feitas simultaneamente, e isso traz-me uma pressão desagradável. Já pensei corrigir-me, mas sou cada vez mais tolerante com os meus defeitos, os quais, às vezes, já nem vejo como tal. 


Qual é a parte favorita e menos agradável do trabalho e porquê? 

Sempre gostei de trabalhar. Durante bastante tempo, trabalhava muito e de forma rápida. Sempre fiz o meu trabalho com alguma satisfação, como um desafio perfeccionista perante mim mesmo. Às vezes, quando vejo mal aproveitado o que me obrigou a algum esforço, fico desagradado. Mas passo à frente. Não esqueço nem perdoo agravos, mas dou-me ao luxo de, na maior parte das vezes, não tirar desforço. Não dou a confiança de me aborrecer (muito) àqueles que me tentam prejudicar. 


Tem alguém que o acompanha quando trabalha?  

Atualmente não. Já trabalhei com equipas com muitos colaboradores e percebi então o meu principal defeito: a dificuldade em delegar, salvo nas escassas pessoas em quem conseguia ter plena confiança. E nunca soube trabalhar em grupo. Sei que é politicamente incorreto estar a admitir tudo isto, mas, dizia já não sei quem, só a verdade é revolucionária. E esta é a pura verdade. 


Costuma fazer pausas? Para? 

Faço muitas pausas, às vezes em demasia, com efeito negativo na concentração. Sinto que há em mim defeitos comportamentais que se agravam com a passagem do tempo. Aproveito as pausas para fazer coisas que me satisfazem mais do que aquilo que estou a fazer. E resisto pouco a esses impulsos. 


Interrompe o trabalho para almoçar? O que costuma comer e onde? 

Se estou envolvido num trabalho, o almoço pode esperar. Mas também posso continuar a trabalhar durante a refeição. Em regra, almoço fora de casa umas três vezes por semana, com amigos ou em almoços de trabalho. Alimento-me sem critérios dietéticos e com escassas preocupações de saúde: em regra, o que me apetece é, curiosamente, aquilo que sei que me faz mal. Cada vez resisto menos às tentações. Que culinária? Cozinha tradicional portuguesa, com tinto a acompanhar. Às vezes um whisky no fim. Não me trato mal... 


Como lida com eventuais críticas e elogios? 

Reconheço que a modéstia não faz parte das minhas maiores qualidades. Mas aceito críticas que ache inteligentes e pertinentes, desde que feitas sem um manifesto desejo de ser desagradável. Levo as observações muito a sério, em especial se vindas da parte de quem me merece respeito e cuja autoridade profissional reconheço. 


O que diria sobre a ideia de que as pessoas com quem se relaciona profissionalmente têm de si? 

Só perguntando-lhes. A única coisa que eu gostaria que elas pensassem de mim, para além de todos os critérios de avaliação que possam ter sobre o fruto do meu trabalho, é que faço tudo a que me dedico com afinco e seriedade. O resto, o saldo e a qualidade do que faço, é algo que eles têm o direito de julgar. Sou muito menos tolerante para os juízos de caráter. 


Ao longo do dia, dá importância às redes sociais? 

Bastante. As redes sociais são a minha principal fonte de chamada de atenção para os temas internacionais do dia. Utilizo várias redes sociais, onde comento mas onde raramente interajo. Não consigo ter tempo para a interlocução com os leitores. Não sei se lamento. 


Tem hobbies ou atividades que faz regularmente? 

Quase nenhuns, salvo algumas tertúlias almoçantes, com amigos. Vejo muito pouco televisão, leio livros, sempre em papel, leio jornais, mas já quase só online, e escrevo o meu blogue diário. Ah! E vou a concertos musicais. E, claro, visito livrarias e restaurantes. Gosto de sair de Lisboa nos fins de semana e ficar numa pousada ou num hotel, a flanar, a ler, a comer, a conversar. 


A que horas costuma terminar a atividade profissional? 

Nunca, na realidade. Ou melhor, essa atividade só para ao deitar. Pensando bem, trabalho mais de oito horas por dia, sete dias por semana. 


"Leva” trabalho para casa? 

Trabalho essencialmente em casa, pelo que não abandono o “lugar de trabalho”. Quando viajo, a minha velha pasta, além do iPad que me liga ao mundo, vai atulhada de coisas para ler e para escrever. Levo o “escritório” comigo, às vezes até para a sala de espera de um médico. E, sempre, para o Alfa Pendular, de e para o Porto, onde gosto muito de viajar. 


Costuma conversar com alguém sobre a sua atividade no final do dia? 

Em casa, com a minha mulher, quando ela tem paciência para ouvir-me falar de algumas das várias coisas que faço. Mas a Star Crime, a 24 Kitchen e a Mezzo interpõem-se muito. 


Costuma viajar com frequência nas suas atividades profissionais? 

Viajo bastante pelo país, que conheço como creio que muito pouca gente conhece. Parte dessas viagens é por razões profissionais ou por atividades “pro bono”, que algumas vezes aceito. As viagens profissionais ao estrangeiro não são muito frequentes, acontecem apenas uma meia dúzia de vezes por ano, tal como para outras tarefas interessantes como palestras, colóquios, seminários para que sou convidado. Mas sou cada vez mais criterioso na aceitação desses convites, pagos ou não. 


Há muita diferença entre os dias da semana e os fins de semana? 

Quase nenhuma. Apenas, em regra, não tenho reuniões ao fim de semana. Mas os sete dias são, em absoluto, idênticos, no tocante à leitura ou escrita ou outro trabalho. 


Quais são os seus hábitos de jantar? Horário e exemplo de menu? 

Janto muito em casa. Já fui bem mais, mas ainda sou um regular frequentador de restaurantes. Gosto de conhecer novas casas, tomo nota de recomendações, mas, crescentemente, fujo dos locais que sei que andam em voga. Sendo conhecido, entre amigos, como alguém que visita muitos restaurantes, adoro poder dizer, quando me perguntam o que achei de um determinado lugar de que toda a gente fala: “Não sei, não conheço, nunca fui lá!”. Horários? Gosto de ir pelas 20.30/21.00. Reservo sempre (sempre! e quando não aceitam reservas não vou), não fico em filas, não espero por uma mesa mais de cinco minutos. Menus? Assumo que sou um mau gastrónomo, sou muito tradicional e conservador, nada variado nas escolhas, pouco ousado perante experiências sensoriais novas. 


O que faz antes de dormir? 

Verifico a agenda do dia seguinte, olho o “Público” on-line e consulto alguns sites de notícias. E leio, no mínimo, aí umas 20 páginas de um dos vários (muitos) livros que tenho “em curso de leitura”, como costumo designar essa otimista tarefa que, em muitos casos, não chega nunca a ser concluída. 


A que horas se costuma deitar e quantas horas dedica ao sono? 

Como referi, deito-me quase sempre muito tarde, a menos que tenha tarefas a fazer cedo na manhã seguinte. Mas não tenho uma hora certa de ir para a cama. Procuro dormir sete horas por noite, mas às vezes não consigo, precisamente porque a irregularidade me prejudica o sono. Mas, não obstante esse preço, faço essa opção na vida. 


Como mantém o equilíbrio entre sua vida pessoal e profissional? 

Já fui “workaholic” e até quase “stakanovista”, cometendo então o erro de esperar que outros o fossem também. A minha vida foi sempre um todo: nunca parei o trabalho a uma certa hora, para depois iniciar o resto do meu dia. Nas 24 horas do dia, vou colocando aquilo que me apetece. Ou que tenho de executar. Faço parte das pessoas para quem trabalhar nunca foi um peso para a sua vida quotidiana. Além disso, fiz parte de uma espécie em extinção: as pessoas que sentiam um grande orgulho em serem servidores do Estado. Gostei muito de ter sido funcionário público (como o meu pai e o meu avô), mas tem sido imensamente enriquecedor trabalhar no setor privado, onde a “accountability” é muito mais rigorosa. Aprendi a admirar quem arrisca o seu dinheiro em negócios. 


Vê-se a ter outra atividade? 

Na vida, em 53 anos de trabalho, gostei de tudo aquilo que fiz. Mas admito que me teria sentido muito bem a fazer outras coisas. Sou muito adaptável e desafio-me a mim mesmo. Sou altamente competitivo comigo e – palavra de honra! – rigorosamente nada com os outros. Não faço parte das pessoas que proclamam: “Não gosto de perder, nem a feijões”. Perco e ganho com imensa naturalidade e, às vezes, até me sinto um pouco envergonhado quando ganho. 


O que mais gosta e menos gosta do que faz? 

O que mais gosto é, no final das tarefas, ter a consciência íntima de que fiz as coisas bem. Tenho alguma frustração quando sinto que fiz as coisas tão bem quanto sabia e podia, mas que, afinal, isso não foi suficiente para ter atingido o objetivo que pretendia. E que assim desiludi quem em mim confiou para a execução desse trabalho. 

Rapaziada

Pela experiência destes primeiros dias, já se percebeu que o lema da intervenção de Elon Musk na administração americana lembra uma rapaziad...