- ... e agora, se quiser, posso ir informá-lo à Papuda.
Aquele responsável político português, cujo nome me escapou para sempre, deve ter ficado espantado, do outro lado da linha, quando ouviu este meu final de frase.
- À Papuda? O que é a Papuda?, perguntou-me o homem, a alguns milhares de quilómetros de distância.
Eu estava, devo confessar, cheio de gozo. Embaixador no Brasil, desde há alguns meses que havia recebido instruções para praticar uma determinada "diligência", que envolvia um cidadão português. E, durante esse longo tempo, deliberadamente, não cumpri tais instruções. Fiz o chamado "veto de bolso". De Lisboa, as pressões começaram a chover, por várias vias, algumas das quais seguramente mobilizadas pelo homem, cujos telefonemas eu cuidava em não atender. E mantinha, sobre o assunto, um total silêncio. Estava, a bem dizer, no limiar da prática de uma infração disciplinar, ao não dar sequência ao que me tinha sido oficialmente solicitado.
Mas eu sabia bem o que estava a fazer. A figura em causa estava sob forte suspeita de ter cometido um grave crime, por parte das autoridades policiais brasileiras. Isso mesmo me fora dito, "a título pessoal", com pedido de total confidência ("mesmo perante as suas autoridades"), por parte de uma figura cimeira do aparelho judicial brasileiro.
Ninguém, em Portugal, tinha a menor ideia de que essa pessoa era um potencial criminoso e, por essa razão, persistia-se na insistência de que eu tomasse uma iniciativa que a iria favorecer. Ora eu tinha dado a minha palavra de que não revelaria a ninguém, nem mesmo às minhas autoridades, as graves suspeitas que impendiam sobre essa pessoa, enquanto durasse o processo de investigação. Temia que, caso eu "abrisse o jogo" e revelasse a "Lisboa" as suspeitas existentes, algo pudesse chegar ao conhecimento do homem, que assim poderia precaver-se e frustrar a ação da justiça brasileira.A minha posição não era, assim, nada fácil.
Numa manhã, porém, ao abrir o jornal, deparei com uma notícia: o tal cidadão português, com um conjunto de outras pessoas, fora detido sob acusação de crimes graves (tão graves que viriam, meses mais tarde, a levar à sua condenação a um cúmulo jurídico de dezenas de anos de cadeia).
Foi então que liguei, "vingado", ao tal responsável político português. Seguramente com alguma ironia na voz, sintetizei o assunto e disse a frase com que abro este texto. Do outro lado da linha, a pessoa percebeu, finalmente, as (escondidas) razões da minha "indisciplina". Às vezes, não é fácil ser-se embaixador, podem crer.
Mas, finalmente, o que é a Papuda? É uma prisão de alta segurança, em Brasília. Lembrei-me da história ao ler, há pouco, que uma importante figura política brasileira - das várias com quem tenho fotografias sociais, neste caso ao tempo em que a pessoa em causa era ministro... - acaba de ingressar na Papuda.
É a vida!