Há 30 anos, morreu José Afonso, que o tempo tinha entretanto transformado num mais íntimo Zeca Afonso. Sou mesmo do período em que na capa dos seus discos figurava ainda "Dr. José Afonso".
Não me recordo quando o ouvi pela primeira vez, mas tenho a perfeita noção - e digo-o aqui com total abertura - que reagi negativamente a algumas das suas primeiras canções apenas e só porque eram cantadas num estilo muito próximo da canção ou fado coimbrão, que é uma música que nunca me disse rigorosamente nada, e que, à época, associava negativamente a uma espécie de elitismo social fardado de preto, ao traje de capa-e-batina que sempre detestei - e que ainda hoje considero algo ridículo. Esse foi o meu primeiro José Afonso.
Depois, com os anos, fui apreciando a coragem cívica de José Afonso, a sua denúncia do colonialismo e da ditadura, a subtileza inteligente da sua poesia, uma assunção de risco na intervenção pública que sempre me tocou. Lembro-me, creio que em 1970 ou 1971, de o ter ouvido na Associação de Estudantes de Direito e de ter vaiado, no Coliseu de Lisboa, no dia 29 de março de 1974, o boicote que a última censura do regime, que dali a dias cairia, então lhe fez.
Naturalmente que me não foi indiferente a elevada utilidade política da sua mensagem, mas devo confessar que, embora reconhecendo a genialidade de muitas das suas composições, nunca fui um fã incondicional da sua música e, em especial, da sua (por muitos tão apreciada) voz. Vou dizer mesmo o que alguns considerarão talvez uma barbaridade: sempre ouvi, e continuo a ouvir, com muito mais agrado Sérgio Godinho, Fausto e até Jorge Palma do que José Afonso.
Dito isto, José Afonso - de quem possuo toda a obra, note-se - permanecerá para mim como o cantautor mais importante de todo o período da transição da ditadura para a democracia. E o seu "Venham mais cinco" e a "Grândola" ficarão eternamente ligados ao meu 25 de abril. Só por isso - e há muito mais - junto-me à saudade dos que hoje assinalam que o perderam há 30 anos.