sexta-feira, outubro 09, 2015

A solidão política


No domingo passado, o PS perdeu as eleições. Foi o segundo partido mais votado e foi derrotado por essa formação política chamada PSD/CDS. Esta formação, que havia governado os últimos quatro anos com maioria absoluta, perdeu no dia 4 esse privilégio. Daqui em diante, só poderá aprovar medidas com implicação legislativa se vier a contar com a abstenção ou o voto positivo do PS, partindo do princípio que tudo aquilo que o PS não aceitar também não será aceite pelo PCP ou pelo Bloco de Esquerda.

O PS ganhou assim, no futuro parlamento, um verdadeiro direito de veto, tornando-se o partido-charneira da política portuguesa. Porém, esse poder tem de ser gerido com grande habilidade e sentido da medida.

O PS está ciente de que corre o risco de ser chantageado pelo PSD/CDS, o qual, um dia, confortado por uma pressão conjuntural europeia, pode querer dramatizar a situação, alegar ingovernabilidade, ao não contar com uma pontual anuência ou neutralidade socialista, apresentar a demissão e obrigar a eleições antecipadas, em busca de uma nova maioria absoluta.

Mas os riscos não vêm só daí. No outro lado do espetro, o PS sabe que pode ser confrontado pelos partidos à sua esquerda com propostas irrealistas para combater a austeridade, sendo assim colocado em potencial contradição com os compromissos europeus que subscreveu, nomeadamente o Tratado Orçamental, pense-se o que se pensar da racionalidade deste.

O PS está assim “sozinho na praça”. Tem o seu programa, que foi aquilo que levou os seus eleitores a confiarem-lhe o seu voto. É à luz desse programa que o seu comportamento futuro será medido.

Não é sensato pensar que António Costa poderia, algum dia, vir a obter um mandato interno, num compromisso a prazo de uma legislatura, que desse ao PSD/CDS a possibilidade de executar políticas num sentido contrário àquilo que o PS defendeu durante a campanha.

Para o bem e para o mal, o PS não é o Syriza, não dá o dito por não dito, ao virar da esquina.

O PS sabe que não tem condições para impor o seu programa, mas tem plena legitimidade para decidir que tipo de medidas, que venham a surgir, à sua direita ou à sua esquerda, podem merecer a sua aprovação.

Repito o óbvio: o PS perdeu estas eleições. Por isso, estava e deve continuar na oposição, embora agora numa posição mais forte do que aquela que tinha. Um seu regresso ao governo só deve processar-se através de novas eleições, não por “maiorias” contranatura à sua direita, nem por alianças oportunistas, não menos bizarras, com o Bloco de Esquerda ou com o PCP. Porquê? Porque isso está fora da ordem natural das coisas para uma formação política com uma história ímpar de responsabilidade política no Portugal democrático. Não tenho dúvidas que António Costa sabe isto.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, outubro 08, 2015

Que fazer?


Durante o debate entre António Costa e Catarina Martins, a lépida dirigente do Bloco deixou uma insinuante proposta ao líder socialista, para um encontro político no dia 5 de outubro, logo no dia imediato às eleições. Dava a ideia que não havia tempo a perder!

Há pouco, foi anunciado que a reunião prevista para hoje entre o PS e o Bloco foi adiada, a pedido deste partido, para a próxima 2ª feira. É, no mínimo, estranho! Tanta pressa e agora um adiamento, num tempo que se exige de decisões rápidas.

Será que o partido da rua da Palma foi às estantes dos clássicos e está a reler Lenin, em especial o seu "Que fazer?"

Raças humanas


Nadine Morano é uma antiga ministra, uma personalidade política da direita francesa que, em diversas ocasiões, já havia mostrado uma propensão para "flirtar" com algumas das ideias que fazem o seu caminho na extrema-direita do seu país. Diga-se que, nos últimos anos, isso também aconteceu com outras figuras do conservadorismo radical francês, agrupado na ala direita da UMP (partido agora rebatizado de Republicanos), os quais, aqui ou ali, ousaram pisar essa "zona cinzenta", numa manifesta tentativa de penetrar num eleitorado que sentem crescentemente seduzido por Marine Le Pen. Como é evidente, a questão migratória e os problemas de convivência de culturas, religiões e etnias que a França atravessa constituem o essencial desse debate.

O primeiro sinal dessa deriva, que está longe de honrar a direita democrática francesa, foi a atitude de muitos membros da UMP que, eliminados na primeira volta de uma eleição, e confrontados com a necessidade de recomendar aos seus eleitores uma dentre as opções do segundo turno, quebraram expressamente a chamada "regra republicana", que vigorava desde a Segunda Guerra Mundial para a extrema-direita e, em especial, desde que o Front Nacional existe: "tout sauf Front National", significando isso apoiar quem, do setor democrático, estivesse melhor colocado, fossem os socialistas ou mesmo os comunistas. Este princípio vigorou por décadas, mesmo quando o PC francês mantinha uma linha pró-Moscovo declarada: é que todos se recordavam da heroicidade dos comunistas na luta contra o nazi-fascismo. Foi assim triste ver alguns candidatos da UMP recusarem recomendar o voto nos socialistas ou nos comunistas, como forma de barrar o caminho à extrema-direita. Isso significava equiparar a esquerda à extrema-direita, o que é uma conhecida tese reacionária e fascizante. Por alguma razão o contrário nunca se passou: comunistas e socialistas aconselharam sempre o voto no candidato da direita democrática.

Mas voltemos a Nadine Morano. Há dias, num conhecido programa de televisão, Morano cometeu um lapso grave: referiu-se à França como "um país de raça branca". Foi o bom e o bonito! Morano explicou, pensando que isso atenuaria o gesto, que essa era uma expressão que havia sido utilizada pelo general De Gaulle, figura referencial da direita francesa. 

Morano não entendeu que algumas frases ou expressões, ditas numa determinada época, não sobrevivem necessariamente incólumes ao longo dos tempos, sendo sempre necessário fazê-las passar por um teste de contextualização. Com o "politicamente correto" a tomar conta do espaço público, é necessário cada vez mais aos políticos "policiarem-se" no que dizem, por forma a não incorrerem em ditos que possam ser lidos como ofensivos ou, no mínimo, deslocados no tempo. Veja-se o que tem acontecido com as tiradas sexistas e racistas de Donald Trump, o protocandidato republicano americano. E muitos recordarão o "sururu" que entre nós se levantou, com algum exagero, quando, um tanto inadvertidamente e citando uma expressão que fazia parte do património lexical de algumas gerações, o presidente Cavaco Silva se referiu um dia ao 10 de junho, apelidando-o de "dia da raça". Ia caindo "o Carmo e a Trindade"!

Voltando a Morano, devo dizer que me choca um pouco ver Nicolas Sarkozy, chefe do seu partido, os Republicanos (ex-UMP), "deixá-la cair" friamente depois desta declaração, ao ponto de ameaçar retirar-lhe a possibilidade de ser candidata às próximas eleições regionais. É que Sarkozy, curiosamente, conviveu bem com outras figuras do seu partido que desrespeitaram a "regra republicana". E dá-se o caso de que, em tempos muito complicados para o antigo presidente, Nadine Morano esteve sempre e incondicionalmente a seu lado, foi, quase sem paralelo, "a mais sarkozysta dos sarkozystas", defendendo-o nessas ocasiões bem difíceis. Convivo mal com a política quando o oportunismo e ambição esmagam a lealdade. 

quarta-feira, outubro 07, 2015

Ainda o senhor presidente

Não quero parecer que mantenho alguma particular sanha contra o senhor presidente da República, mas também não quero que se diga que, por um qualquer tipo de piedade, que estou certo que os seus eventuais prosélitos seguramente recusariam, ele entrou já numa espécie de inimputabilidade política. Ora o professor Cavaco Silva, ao tomar decisões que a todos nos afetam, expõe-se naturalmente à avaliação crítica dos cidadãos. E enquanto andar por Belém e essas decisões me desagradarem, aqui direi o que penso sobre elas.

O presidente da República, na noite de ontem, não infringiu nenhum preceito constitucional ao ter solicitado ao primeiro-ministro cessante, e presidente do partido mais votado nas eleições, para avaliar da possibilidade de encontrar uma solução de governabilidade (a palavra entrou na moda) que possa limitar aquilo que ele considera serem as desvantagens de um governo minoritário. Não indigitou nenhum primeiro ministro, pelo que não incumpriu o preceito constitucional que obriga à audição prévia dos partidos. 

Contudo, já alimento sérias dúvidas sobre se o senhor presidente não feriu abertamente o espírito constitucional ao ter, liminarmente, eliminado o Bloco de Esquerda e o PCP dos potenciais integrantes de um futuro executivo. A condicionalidade que estabeleceu sobre a necessidade de adesão a certas políticas e a compromissos nacionais na ordem externa, para além de lançar aos olhos exteriores um alarmismo que me parece só ele vislumbra dentro do país (diplomatas estrangeiros telefonaram-me nas últimas horas para tentar perceber que "riscos" se prefiguravam no nosso horizonte), ter-se-ia poupado se o chefe de Estado se tivesse limitado a afirmar que era exigível que os partidos integrantes de um qualquer governo cumprissem... a Constituição da República.

Esse é o único limite de observância imposto às forças democráticas, escolhidas pelo eleitorado com uma legitimidade simétrica à sua. O resto são opções políticas, admito que umas mais sensatas do que outras, mas só isso. Imagino, contudo, que o senhor presidente não tivesse querido reforçar o apelo pelo respeito pela Constituição, porque isso poderia ser lido como uma provocação à maioria cessante, que, nos últimos quatro anos, a tentou violar por diversas vezes, perante o seu cúmplice silêncio.

É importante que se diga que o senhor presidente pediu ao dr. Passos Coelho uma tarefa impossível. Nem o PSD/CDS (acho que devemos começar a referir assim esta nova formação partidária) está disponível para propor aos socialistas de que tanto mal disseram uma entrada no (seu futuro) governo, nem é sensato pensar que António Costa poderia algum dia vir a obter um mandato interno, num compromisso a prazo de uma legislatura, que desse ao novo governo da coligação a possibilidade de executar um conjunto de políticas que vão num sentido exatamente contrário daquilo que defendeu durante a campanha. Felizmente, o PS não é o Syriza, não dá o dito por não dito, ao virar da esquina.

O senhor presidente sabe que está a tentar "sangrar-se em saúde", como se diz na minha terra: quer ficar na história destes seus mandatos pouco notáveis como alguém que tentou tudo para o "consenso", nunca tendo explicado que esse conceito significava necessariamente a sujeição de um partido às políticas de outros.

Tentou isso com António José Seguro e falhou - e todos sabemos hoje que Passos Coelho esteve então na primeira linha da oposição a esse "teatro de consenso", porque isso significava eleições antecipadas. Também nessa altura, o PS não podia, sem o risco de implosão, aceitar esse "consenso". Experimenta agora algo da mesma natureza com António Costa e vai voltar a falhar porque, repito, nem Passos Coelho quer, nem António Costa pode. O senhor presidente sabe isto "de ginjeira", como também se diz, mas quer "ficar bem no retrato" e, de caminho, colocar o ónus político no PS.

O que se vai passar, muito provavelmente, será o cumprimento escrupuloso daquilo que António Costa, sabiamente, disse na noite de domingo, e que aqui repito: "Não inviabilizamos governos sem termos um governo para viabilizar".

O PS perdeu estas eleições: estava e vai continuar na oposição, embora agora numa posição mais forte do que aquela que tinha, não obstante a iniludível derrota que teve. Só regressará ao governo através de eleições, não por acordos contranatura à sua direita, nem por alianças impossíveis com o Bloco de Esquerda ou com o PCP. Não porque esta última opção seja "proibida" pela Constituição ou pelo senhor presidente, mas porque isso está fora da ordem natural das coisas para uma formação política com uma história de responsabilidade que fala por si, no quadro europeu e internacional. O senhor presidente, que conhece o PS, sabe bem que as coisas são assim. Mas "faz de conta" que não sabe.

Restos eleitorais


Numa parede da rua onde hoje moro, manteve-se, por décadas, uma "pixagem", num registo muito amador e primário, que recordava a candidatura comunista às eleições presidenciais de 1976: "Eu voto Pato".

Passando-se isso no bairro da Lapa, tido naquela época revolucionária como um "coio" de burgueses reacionários, posso imaginar que a frase não fosse necessariamente destinada aos moradores da zona, cujo entusiasmo pelo candidato do PCP não devia ser dos mais esfuziantes. Numa sociologia eleitoral de pacotilha, pode mesmo especular-se que o objetivo seria suscitar um sentimento contrastante das "massas" em trânsito, fosse do proletariado apeado de serviço doméstico, fosse de outros trabalhadores que, de elétrico, atravessavam esse terreno do "inimigo de classe". Os 7,59% que Octávio Pato então obteve provou os limites do proselitismo comunista por esse tempo pós-25 de novembro.

A verdade é que a pintura, provando a sua inocuidade, se manteve por lá quase quatro décadas, só tendo desaparecido há uns escassos meses, talvez por decisão de alguma imobiliária, desejosa de evitar perguntas incómodas de um dos muitos chineses que, com visto "gold", pretendem transformar a Lapa num subúrbio de férias de Shangai.

Vem isto a propósito de uma "guerra" impossível que mantenho, desde há muito, contra o insalubre costume dos portugueses de não retirarem os cartazes eleitorais, logo nos dias imediatos aos sufrágios. Para pôr cobro a esta poluição visual, seria necessária legislação com coimas a impor aos partidos que não recolhessem a sua propaganda num prazo a definir. Mas imagino que os legisladores não sejam masoquistas.

Assim, por semanas, senão por meses, lá iremos continuar a cruzar, em posters ou "outdoors" que só a chuva se encarregará de ir degradando, com aquelas caras que nos enxamearam as ruas e as televisões nos últimos meses. Não todas, claro, porque houve duas que, por qualquer mas interessante razão, evitaram essa exposição. Mas, pensando bem, por que diabo os partidos o fariam se as próprias autoridades ainda deixam subsistir, lá para Cabo Ruivo, um letreiro que indica "Expo 98"?

terça-feira, outubro 06, 2015

O CDS ainda existe?

 Na negociação feita com o PSD para a constituição da coligação "Portugal à Frente", é reconhecido que o CDS terá feito um ótimo "negócio". O número de deputados elegíveis que lhe foram consignados correspondeu à projeção dos resultados de 2011, quando todas as avaliações sobre o equilíbrio objetivo com o seu parceiro de coligação indicavam que o seu valor relativo era bem inferior. Tudo aponta para que a "generosidade" do PSD se tivesse ficado a dever ao interesse em proteger o acordo existente entre as duas formações, preservando as vantagens decorrentes da sinergia do conjunto, que é proporcionada pelo método de Hondt. De facto, o recuo de ambos os partidos face ao resultado de 2011 teria sido bem maior se acaso tivessem concorrido isoladamente.

Não obstante esta majoração artificial, o resultado da eleição de domingo debilitou fortemente o CDS na Assembleia da República, colocando-o atrás do Bloco de Esquerda e apenas com um deputado mais que o PCP. Na Madeira e nos Açores, onde o CDS concorreu sozinho, o partido teve resultados catastróficos. Tudo isto legitima a pergunta: que aconteceria hoje ao CDS se acaso se apresentasse isoladamente a eleições? 

No passado, depois de muitos ziguezagues ideológicos, de que a questão europeia foi o caso mais notório, o CDS fixou o seu "fond de commerce" em alguns nichos do mercado polìtico, assentes em questões agrícolas (a "lavoura"), na defesa dos reformados e pensionistas, com um discurso "compationate" que rimava bem com as longínquas raízes democrata-cristãs do partido do Caldas, que também se faziam sentir numa resistência às temáticas mais "fraturantes" da contemporaneidade. Noutro tempo, recordo-me que uma certa reação contra os excessos de tributação ainda colheram a atenção do CDS. Onde tudo isso já vai! 

Hoje, pode dizer-se que a aculturação com a ideologia da "troika", de que o CDS passou de discreto crítico a zeloso executor, com a retórica anti "protetorado" a servir de toque patriótico, levou toda essa especificidade identitária à frente. Não se vislumbra nenhuma bandeira que, com nitidez, alguém possa ligar à imagem do CDS que não acabe por mobilizar, de idêntica forma, o PSD. Onde começa um partido e acaba o outro? 

O CDS, salvo como grupo de pressão para colocação em lugares no aparelho de Estado, ainda existe?

segunda-feira, outubro 05, 2015

António José Teixeira


Acaba de ser anunciada a saída de António José Teixeira da chefia da SIC Notícias. 

Desconheço os motivos desta saída e, confesso, tenho muita pena de vê-lo abandonar uma estação cujo prestígio ganhou muito com o seu profissionalismo e a sua independência. 

5 de outubro


Tive o grato prazer de estar presente na cerimónia solene que, na Câmara Municipal de Lisboa, celebrou esta manhã o 105º aniversário do 5 de outubro de 1910, data que, estou seguro, o próximo parlamento não deixará de aprovar como feriado nacional, a par do 1° de dezembro. A identidade de um país também se faz das datas que marcaram o seu percurso histórico. E só uma insensibilidade insensata tirou dignidade institucional a estas evocações. Aguardo o seu rápido regresso ao calendário afetivo do país.

Fernando Medina fez um excelente discurso, com elevado sentido de Estado. A importância da questão europeia mas, igualmente, as linhas mestras do novo ciclo político que hoje se abre foram por ele realçadas com equilíbrio e rigor. O país deve seguir com atenção este jovem autarca, porque o vai encontrar muito num futuro em que, estou certo, terá um papel decisivo a desempenhar.

O presidente Cavaco Silva, frequentador regular deste evento outonal, só surpreendeu quem o não conhece ou anda muito distraído. Nesta cerimónia, e por uma vez, a sua palavra não suscitou a menor crítica, nenhuma afirmação controversa pôde ser-lhe assacada, evitou com maestria a injustiça de vir a ser acusado de uma leitura enviezada da situação decorrente do sufrágio de ontem. Gerir a palavra desta forma é uma consumada arte, embora a arte seja, como é sabido, uma coisa de leitura não unívoca. Cavaco Silva, que por algumas semanas mais representa a República que lhe saiu em sorte, pode hoje ter concretizado um sonho de mandato: fez o consenso, embora não necessariamente aquele que desejasse. Não teve palmas no seu discurso, não foi interrompido, os apartes que, a seu respeito, possam ter sido ditos foram-nos, seguramente, em voz bastante baixa, pelo que, como habitualmente, nada ouviu nem entendeu. Aplausos tiveram, e fortes, suspendendo o discurso de Fernando Medina, os antigos presidentes presentes, Mário Soares e Jorge Sampaio, já que Ramalho Eanes primou pela ausência. 

Nesta bela cerimónia, só fez falta quem lá esteve.

Um direito de veto

Eram aí umas seis e picos quando um amigo (do género daqueles que têm uma prima que vive com alguém que tem uma "fonte" no MAI ou coisa assim) me disse: "Isto está no papo! Os gajos vão levar uma cabazada das arábias. As sondagens eram uma miragem! Já podes ir abrindo o champanhe!". Adoro estas certezas muito "sportinguistas" e vivo bem com elas, mesmo que nelas nunca acredite. Não abri champanhe nenhum. Nem espumante. Bebi uma cerveja ao fim da noite no Snob, sob o sorriso do Sr. Albino (o Porto tinha ganho), e foi tudo em matéria de libações. Até porque não tinha razões para mais.

(Esclareço que escrevo esta nota sem ter ouvido um único comentador televisivo (nem um!) ao longo da noite. Apenas assisti à declaração de António Costa, tendo acompanhado sem som a coreografia do duo dinâmico da PàF.)

Eu tinha visto bem a composição etária do comício da FIL, tinha olhado com atenção os participantes na arruada do Chiado (muita CDE/CEUD, muita RIA, muita capela do Rato, muito MASPs...), cruzara por toda a parte essa formidável onda socialista de cabelos brancos (ou pintados), a qual, claramente, estava muito longe de poder dar para surfar uma vitória. Há muito que não acreditava que o PS pudesse ganhar estas eleições contra dois partidos coligados (Uma curiosidade: o CDS ainda existirá? Tem ainda programa próprio?), com muita comunicação social complacente, contra um Bloco de Esquerda cujas vedetas femininas raptavam a vontade da gente jovem, contra um PCP que, desde há muito, fizera dos socialistas o seu inimigo principal.

O PS apresentou-se a estas eleições liderado pelo seu mais competente quadro político. Não vale a pena ter quaisquer ilusões. Por muito respeito que me mereça a figura de António José Seguro - e merece-me muito - não considero que tivesse podido obter um resultado melhor do que este (mau) resultado conseguido por António Costa. Ninguém no PS faria melhor. 

As condições políticas que conduziram a esta derrota devem-se a um conjunto de circunstâncias muito desfavoráveis para o PS, algumas das quais têm essencialmente a ver com o próprio partido. O "cisma" Seguro-Costa nunca ficou sarado e deixou sequelas pelo país (agravadas na construção das listas eleitorais), a questão Sócrates esteve sempre "on the back of the mind" dos eleitores e mesmo o episódio Syriza acabou por ter o seu peso subliminar. Nas últimas semanas, ficou também claro que um setor do partido fazia alguma resistência passiva à campanha de Costa (em especial, à medida que as sondagens o iam desfavorecendo) e até a ala "socratista" foi tomando distâncias, como se fosse minimamente sensato que António Costa viesse a colar o PS à luta entre a Justiça e o antigo primeiro-ministro.

Acresce que a coligação, neste caso com a imperdoável anuência inicial de Seguro, deixou fixar no imaginário coletivo a "narrativa" da culpabilidade exclusiva dos socialistas na crise financeira 2010/2011 e António Costa não conseguiu invertê-la, depois da detenção de Sócrates. O governo, cuja governação foi uma espécie de "terceirização" subserviente da receita ditada de Berlim, beneficiou dos equilíbrios conjunturais europeus e, depois, fez uma condução muito competente da campanha, embora utilizando despudoradamente a seu favor a máquina do Estado. Mas quem o não fez no passado, quando pôde, que atire a primeira pedra...

Mas, então, o PS não cometeu erros? Claro que cometeu. O partido fará a sua avaliação, eu fiz e continuo a fazer a minha, com toda a liberdade opinativa. 

O PS não percebeu que, desde há muitos meses, o sentimento popular face à crise tinha mudado. Bastava olhar para o acelerar do consumo das famílias (prova de confiança no futuro), para a interiorização de um sentimento difuso de bem-estar (olhem-se as férias), alambicado diariamente por pequenas medidas oportunistas de facilitação fiscal ou de outra natureza (claro que outros também o fizeram, noutros tempos), para dever ter entendido que o tom catastrofista estava ultrapassado. O país já não estava tão "indignado" como estivera nos tempos da "troika". Por isso, falar obsessivamente do corte das pensões, da emigração, do desemprego e dos truques para o disfarçar e coisas assim era um discurso que já não estava em sintonia com quem queria desesperadamente boas notícias - e que já não tinha ouvidos para quem só lhe lembrava os tempos piores por que passara. O PS deveria ter assumido, sem complexos, que algumas coisas tinham entretanto mudado para melhor. Pior era se assim não fosse! O país ia sentindo isso e, estranhamente, o partido parecia manter uma espécie de permanente discurso "adversativo". É que, se a custo reconhecia que alguma coisa ia bem, logo vinha um "mas" a seguir a essa constatação relutante. O PS dispensou-se de falar para o futuro, deveria ter apresentado quatro ou cinco "bandeiras", medidas emblemáticas, de natureza política (saúde, educação, justiça). Pelo contrário, embrulhou-se em muitas pequenas propostas sem uma coerência global visível, demasiado economicistas. Entreteve-se a falar de um passado que, repito, a maioria dos portugueses quer esquecer, embora, de facto, ele ainda ande por aí no presente, ainda que edulcorado pela propaganda governamental. Mas esqueceu-se que, como dizia o manholas de Santa Comba, em política o que parece é. Este foi um erro de perspetiva.

O PS tentou credibilizar-se com a apresentação de um programa económico realista, que afastasse de si a imagem do despesismo, que o governo da coligação lhe havia colado definitivamente à pele política. Conseguiu-o até ao momento em que esse programa, e alguns dos seus pormenores, se converteu quase no centro exclusivo do debate. Convencido da genialidade intocável desse texto, o PS descurou mesmo a desmontagem das propostas que o governo enviara para Bruxelas e que eram o seu verdadeiro "programa". Com fraco trabalho de casa, em lugar de colocar figuras especializadas credíveis a procurar discutir em público as fragilidades desse tal "programa", deixou enredar o seu líder em discussões penosas, de cariz técnico, a que a coligação conseguiu ligar um ambiente de "insegurança", baseado na difícil explicação da questão da sustentabilidade do sistema de pensões. E António Costa ainda ajudou a potenciar o espetro do medo da "ingovernabilidade" ao não explicar com clareza a sua posição face ao orçamento. Este foi um erro de foco.

O PS, finalmente, deixou-se cair no logro de centrar toda a sua campanha na figura de Costa, pela certeza que tinha da sua imagem ser muito positiva perante o país, pelo capital de simpatia e competência que projetava e até pela ideia de "ganhador" que lhe estava associada em Lisboa. Talvez com receio de uma eventual cacofonia pela dispersão das mensagens, optou por não fazer avançar para a primeira linha de combate os jovens muito talentosos que tem no seu gabinete de estudos, bem como outras novas figuras, algumas incluídas nas listas de deputados, que podia apresentar como a imagem da renovação do partido. A única cara que, desse espetro mais jovem, surgiu com deliberada evidência foi João Galamba, um quadro seguramente muito capaz mas que "esquerdizou" bastante a imagem económica do PS e, como ficou evidente, não contribuiu para evitar a deriva de setores de esquerda para o Bloco (como se vê pelos resultados, o Bloco não tirou votos ao PCP, embora tenha limitado o seu crescimento, subindo exclusivamente à custa do PS). E o PS também não mostrou as muitas mulheres que, pelo país, estiveram na construção da alternativa: caras novas e algumas sem passado político muito firmado, num tempo em que ter passado é quase mais cadastro do que curriculum. Este foi um erro de "casting".    

O PS perdeu. A coligação permanece no poder, mas perdeu a preciosa maioria absoluta, o que a impede de continuar a fazer, como total impunidade, algumas das barbaridades que fez no passado. Agora, dia após dia, se quiser aprovar alguma coisa na Assembleia da República, vai ter de negociar com o PS, num "negócio" que seguramente lhe sairá caro, mas sempre mais "barato" do que fazê-lo com o Bloco ou com o PCP. Espera-se que perceba isso desde cedo. Claro que um dia vai clamar que "assim" não consegue governar e vai pedir eleições antecipadas. Por essa razão é que a eleição presidencial que aí vem é decisiva.

António Costa, na sua declaração final, disse uma coisa muito importante, que é simultaneamente um compromisso e uma nota de responsabilidade: "Não inviabilizamos governos sem termos um governo para viabilizar", deixando ao mesmo tempo bem claro (nomeadamente para ouvidos europeus) que a "esquerda da esquerda" não pode contar com ele para operações que ponham em causa a governabilidade do país. Mas também disse outra coisa: o PS só avalizará políticas que correspondam ao seu programa, pelo que o novo governo terá de ter isso em conta no dia a dia das suas propostas. Nomeadamente nos orçamentos.

O PS perdeu as eleições, mas ganhou um direito de veto. 

domingo, outubro 04, 2015

Começou o inverno!


Chove, venta e os dias que aí vêm não se anunciam promissores.

A chuva, quando cai, cai para todos? Não é bem assim, alguns defendem-se melhor, a vida deu-lhes meios para escapar, com conforto, à inclemência dos elementos. Os mais fracos, esses sentirão as intempéries de forma mais acentuada, sem maneira de se protegerem, acabando por sofrer bastante mais.

É a vida? É, mas podia ser diferente.

VOTE !!!


José Vilhena

Faço parte dos privilegiados que têm (quase) a coleção completa dos livros que José Vilhena editou antes de 25 de abril. São várias dezenas. Ao folhear alguns deles, fico com aquela sensação de distância que temos ao rever certos filmes antigos. O que nos fazia rir nesses textos de Vilhena, pela ousadia e pela insinuação ambígua, perdeu hoje grande parte da sua graça, ou melhor, só nos faz recordar o que éramos quando os líamos.

José Vilhena era um magnífico ilustrador e descobriu, durante a ditadura, um filão editorial. Os pequenos volumes que misturavam desenhos de "capitosas" (era assim que se dizia) e bem "descascadas" pequenas com a crítica feroz aos costumes hipócritas do tempo, com muito anti-clericalismo à mistura, tornavam José Vilhena um autor muito procurado, simultaneamente, pelos seus ávidos leitores e pela polícia, que fazia devastadoras apreensões dessas obras. O rumor que corria de que "saiu mais um livro do Vilhena!" levava-nos a discretos pedidos de "reserva" nas livrarias e tabacarias por onde passava a sua venda. Trocavam-se os volumes entre amigos (masculinos, claro) e, entre gargalhadas, citavam-se algumas das frases mais sonoras dos textos. Vilhena pagou com várias estadas na prisão a sua ousadia, mas imagino que nenhum dos polícias que o prendeu deixava de se divertir com os seus textos - que hoje seriam considerados machistas, sexistas e homofóbicos, aqui e ali com um toque a rondar a pedofilia, que os tempos de então, como é sabido, não condenavam com o rigor atual. Às vezes ponho-me a pensar que um cidadão português de hoje, na casa dos 20 ou dos 30 anos, deve achar uma "charopada" sem o menor sentido se acaso olhar esses badalados escritos do Vilhena, a que tanta piada achávamos.

Com o 25 de abril, tal como aconteceria com as "revistas" do Parque Mayer, José Vilhena "perdeu-se". De início, a "Gaiola Aberta", a revista colorida que passou a editar nesses tempos de liberdade, teve grande popularidade, de certo modo como aconteceu com a "moda" dos filmes eróticos e pornográficos que então invadiu Portugal. Depois, com o tempo e com o desbragamento da linguagem a que passou a recorrer, Vilhena deixou, pelo menos para mim, de ter o menor interesse. Deixou-se cair num registo ordinário, recheado de palavrões, com os próprios "cartoons" a não escaparem a esse declínio de imaginação, embora não na qualidade de traço, que se manteve sempre excelente, servindo porém "scripts" cada vez mais banais.

José Vilhena morreu ontem, aos 88 anos. Andei à procura de uma sua imagem para ilustrar este post. Encontrei algumas muito curiosas, outras que até brincavam com eleições, o que até dava jeito. Optei, porém, por uma bem antiga que, a meu ver, representa muito bem um certo Portugal dos anos 60 ou 70, de que José Vilhena foi um extraordinário retratista.

sábado, outubro 03, 2015

Os inimigos do Barão Vermelho


Ferreira Fernandes elabora hoje no DN sobre Corto Maltese. Tudo bem! Nada me move contra esse aventureiro de cepa maltesa, saído do traço do genial Hugo Pratt, cujas deambulações também tentei seguir, por aqui ou por ali, embora sem o empenho das que FF nos descreve. 

Verifico mesmo que cruzámos algumas esquinas e mares comuns, à sombra das memórias de Corto. Imagino que também ele tenha procurado, nos arredores de Buenos Aires, as míticas "duas luas". Uma noite, convenci quem me acompanhava a fazer essa aventura e acabei por ser brindado com uma lua nova. Ou seriam duas? Nunca se sabe, com uma lua nova...

Como é sabido, Corto Maltese encontrou nos seus caminhos essa figura histórica que foi Manfred von Richthofen, o Barão Vermelho alemão, que atazanou as tropas aliadas na primeira Guerra Mundial. Na crónica, Ferreira Fernandes não alude, creio que deliberadamente, a esse episódio da imensa saga do seu herói de estimação. Pressinto que sei por que o faz. E perdoo-lhe isso. 

É que Ferreira Fernandes sabia que seria indelicado, e até menorizante, fazê-lo no dia de hoje. É que faz hoje precisamente 65 anos que nasceu uma figura cujo imaginário viria a ter combates épicos com Von Richthofen, documentados pela pena de Charles Schultz nos "Peanuts". O Corto, caro Ferreira Fernandes, pode ter criado alguns engulhos ao Barão, personagem cuja cor nos afasta e aproxima. Mas Snoopy, esse herói silencioso, viria a inflingir ao aristocrata alado de Berlim alguns banhos imemoriais de luta, por céus de glória infinda. Não há comparação! Você sabe...

Agora que vamos entrar num tempo em que a paciência de cão vai ser mais necessária do que nunca, e reconhecendo embora que pode ser de valia a "expertise" de Corto com a pirataria que por aí anda, agora ainda mais à solta, devo dizer que anseio ver o Snoopy a morder as canelas dos piratas do pote. Connosco a atiçá-lo, claro!

Nicolau Santos


Na sexta-feira à noite, quase duas centenas de amigos de Nicolau Santos juntaram-se no ISEG para uma "cerimónia" muito especial. 

Nicolau fazia 35 anos de jornalismo e decidiu comemorar a ocasião com uma festa muito especial, nela juntando três ingredientes infalíveis para mais de duas horas muito bem passadas: a amizade, a música e a poesia. Ah! e um copo no final.

Encontrei por lá gente muito diversa, de várias "lateralizações" ideológicas, unida apenas pelo desejo de manifestar ao amigo - mas também ao grande profissional que Nicolau Santos é - o apreço que ele a todos merece, pela sua verticalidade, pela sua competência, pelo seu humor e por aquele modo direto e nada pretensioso como nos serve, regularmente, do melhor jornalismo que se pratica em Portugal.

Foi uma bela festa, Nicolau!

sexta-feira, outubro 02, 2015

Vermelho


Este blogue anda hoje muito pela "esquerda da esquerda"..,

Há horas, no Chiado, ali entre o lugar onde já estiveram a famosa Livraria Moraes e, para gostos e memórias de dimensão lúdica mais ligeira, o cabaret Nina, estava à conversa com o meu amigo José Vera Jardim quando surgiu, vindo do lado do teatro S. Luís, o secretário-geral do PCP. Não saía, pela certa, da "arruada" muito grisalha do Partido Socialista que, pouco tempo antes, descera aos vivas e num esforçado entusiasmo militante a rua Garrett, "queimando os últimos cartuxos" e exaurindo as derradeiras esperanças.

Jerónimo de Sousa ia apressado, porque estes tempos de campanha são muito exigentes. Cumprimentámo-nos e o José Vera Jardim gabou a elegância física dos seus 68 anos. O líder comunista gracejou com o elogio e despediu-se, depois do breve encontro.

Creio que em 2008, Jerónimo de Sousa foi ao Brasil, a convite do Partido Comunista do Brasil (PC do B), que é hoje uma coisa bastante diferente do histórico Partido Comunista Brasileiro, o "partidão", cuja figura mais importante foi o mítico Luiz Carlos Prestes, o "cavaleiro da esperança", retratado por Jorge Amado. Nos dias que correm, o PC do B parece ser o interlocutor brasileiro do PCP.

Uma visita de Jerónimo de Sousa a Brasília no quadro dos seus contactos brasileiros coincidia com a comemoração do 10 de junho que eu organizava na embaixada. Transmiti-lhe um convite para estar presente, mas, segundo fui informado, a sua agenda era incompatível com o evento. Tive pena.

Dois dias depois, porém, tive de deslocar-me ao Rio de Janeiro, para uma cerimónia na Academia Brasileira de Letras. Dei-me então conta, pelos jornais, que, uma hora e tal antes dessa ocasião, Jerónimo de Sousa proferia uma conferência na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a convite do PC do B. Aproveitei o tempo que tinha livre e fui assistir ao início da conferência do líder comunista, aproveitando para o cumprimentar pessoalmente e colocar a embaixada à disposição do que de nós necessitasse.

Jerónimo de Sousa, como é seu timbre pessoal, acolheu-me com grande simpatia, agradecendo a minha presença. Mas devo dizer que pressenti que ficou um tanto surpreendido ao ver o principal representante diplomático português naquele país num evento daquela natureza.

A nossa ordem constitucional funciona hoje com toda a normalidade, mas arrisco afirmar, com boa dose de probabilidade, que se devem contar pelos dedos de uma mão, em 40 anos de democracia, as ocasiões em que um embaixador de Portugal esteve presente num evento deste género, envolvendo o líder dos comunistas portugueses. Por mim, achei perfeitamente natural fazê-lo e, como é de regra, informei posteriormente Lisboa do facto. Contudo, a distância física não me permitiu assistir ao provável cerrar de alguns sobrolhos. Foi, porém, o lado para que dormi melhor...

João Semedo


Há pouco mais de um ano, João Semedo, à época co-lider do Bloco de Esquerda com Catarina Martins, sondou a minha disponibilidade para estar presente na "universidade de verão" do seu partido, para falar sobre a situação na Europa. Declinei o amável convite, por razões, de natureza logística e de fundo, que lhe referi: não estaria em Portugal nessa altura e, mesmo que estivesse, mantinha com o BE uma divergência política insanável que inviabilizaria a minha presença, como na ocasião lhe expliquei. Na nossa troca de mensagens, confirmei a grande dignidade de João Semedo e o seu modo urbano e sereno de estar na política. Voltámos a encontrar-nos, meses mais tarde, no almoço dos 90 anos de Mário Soares.

João Semedo teve entretanto um grave problema de saúde, que o obrigou a afastar-se da liderança do Bloco. Há dias, com satisfação, vi-o surgir numa ação do seu partido, aparentemente recuperado. Imagino que deva estar, nos dias de hoje, bem contente com a excelente "performance" do Bloco no caminho para as eleições de domingo, que muito deve às prestações de Catarina Martins e Mariana Mortágua, cada uma, a seu modo, grandes revelações naquela área política. Aquilo que chegou a ser prenunciado como a lenta desaparição do Bloco, a ser "canibalizado", à esquerda e à direita, respetivamente pelo PCP e pelo PS, parece não ir acontecer.

Quero deixar aqui uma nota de forte simpatia a João Semedo, uma figura que me merece um grande respeito como um homem de convicções, as quais, não sendo necessariamente as minhas, não deixam representar a marca da diversidade e do pluralismo que são necessários e enriquecem a democracia portuguesa.

Pode alguém ser quem não é?


Amanhã é dia de reflexão. Detesto este paternalismo oficial, como se os eleitores portugueses, que já são maiores e vacinados, precisassem de ser preservados por via legal da influência deletéria das campanhas, para, no remanso íntimo da sua consciência e do seu lar, ponderarem melhor em quem hão-de votar.

Amanhã, os jornais e as televisões fingirão que “nada se passa”, num artificialismo ridículo que afetará o seu alinhamento noticioso. Até me surpreende que esta tutela profilática, que soa menos a democracia e bastante mais a autoritarismo, não tenha ido ao ponto de criminalizar os dichotes políticos à mesa dos cafés.

Se os partidos mais responsáveis tivessem um mínimo de bom senso aproveitariam o início da próxima legislatura para pôr cobro a este absurdo período de pousio político. E, de caminho, podiam e deviam aprovar legislação que reduzisse drasticamente os prazos longuíssimos que, entre nós, rodeiam a realização das eleições e a formação subsequente dos governos. O país ganharia muito com isso e ficar-lhes-ia grato. Mas não tenho grandes esperanças, confesso. A nossa classe política detesta autoreformar-se.

Sob a atual lei, se esta minha coluna saísse no sábado, teria de escrever qualquer coisa como “pra não dizer que não falei das flores”, como era o título irónico da famosa canção de protesto, durante o silêncio de chumbo imposto pela ditadura brasileira. Mas não, a coluna sai hoje e isso dá-me o ensejo de ainda aqui lhes falar das eleições de domingo.

Não tenho muito para dizer, mas o que tenho vou afirmá-lo, sem surpresas, com a maior clareza: vou votar no domingo com o desejo de que António Costa possa vir a ser o próximo primeiro-ministro de Portugal. Porquê? Porque, sinceramente, considero que ele é, a uma grande distância, a pessoa melhor preparada para dirigir o país nos tempos que aí vêm, tendo para isso apresentado um programa sólido e responsável. Conheço-o dos mais de cinco anos em que fui seu colega em governos, acompanhei depois com atenção o magnífico percurso que fez em diversos lugares de Estado e no município de Lisboa, sei que é um homem inteligente, capaz e íntegro.

Nunca ouvi António Costa mentir. E, infelizmente, nos últimos anos, vi frequentemente o meu conterrâneo Pedro Passos Coelho dizer uma coisa e fazer outra. Por isso, nunca lhe daria a minha confiança política, além de que faço uma avaliação muito negativa da sua governação. Lamentarei, assim, se o seu mandato vier a ser renovado.

Em abril de 1974, sublevei-me como militar para que o povo pudesse livremente decidir do seu destino. O eleitorado português oferecerá agora a si próprio exatamente aquilo que quiser. E a resposta à pergunta que dá o título à canção de Sérgio Godinho que escolhi para abrir este artigo é, claro, negativa.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, outubro 01, 2015

A nova hora da Rússia

A grande "novidade" da política internacional nos últimos dias é a disposição manifestada pela Rússia para intervir militarmente no conflito sírio, ao lado do governo de Assad. O que não fica claro dos resultados dos primeiros ataques é se a prioridade nos alvos russos será o Estado Islâmico ou os restantes oponentes ao regime de Damasco.

Curiosamente, por estes tempos, muitos acham natural que os Estados Unidos e a França estejam a bombardear as posições do Estado Islâmico, sem qualquer mandato das Nações Unidas, mas levanta-se logo um "aqui d'el rei!" quando a Rússia toma uma atitude numa zona cuja proximidade ao seu território é bem maior do que de Washington ou Paris. Assad está longe de ser "flor que se cheire", mas até a comunidade ocidental já entendeu que tem que contar com ele se quiser tentar resolver o problema bem maior que é o surto islâmico armado que desestabiliza a região e aterroriza o mundo e está na origem próxima da vaga de refugiados que hoje é a questão que preocupa o ocidente e afeta particularmente a União Europeia. O que é verdadeiramente novo é que Assad passa a ter um aliado com força militar, a combater a seu lado.

Ninguém que atue militarmente naquela zona, fora do seu território nacional, pode reivindicar-se hoje de estar a agir sob qualquer legitimidade internacional, isto é, coberto por mandato das Nações Unidas. Dir-se-á que foi a Rússia (e a China) que impediu que o Conselho de Segurança das NU autorizasse uma intervenção na Síria, aquando do início da guerra civil naquele país. É verdade, mas também é um facto que, pouco antes, um mandato similar havia sido utilizado pela França e pelo Reino Unido na Líbia, com "backing" logístico dos EUA, acabando abusivamente por ser usado para derrubar Kadhafy, com os resultados que redundaram na "balcanização" tribal do país, com efeitos diretos na tragédia que é o tráfico de migrantes para a Europa. A Rússia aprendeu que os Estados ocidentais têm uma mentalidade de mestre-de-obras e que são sempre tentados a ações do tipo "já agora"...

A Rússia, entre ser respeitada a ser temida, escolheu a segunda opção. Ao reverter a seu favor a situação na Geórgia, ao "equilibrar" as pretensões ocidentais na Ucrânia e ao tomar a Crimeia sem qualquer cerimónia, Moscovo reassumiu-se como potência defensora daquilo que entende serem os seus interesses, de forma despudorada e algo preocupante, tanto mais que não é um poder sob um escrutínio interno democrático credível. Fá-lo agora também na Síria. Devemos sempre estar muito atentos quando um poder atua fora do seu território de forma militar, nomeadamente olhando sempre a proporcionalidade que vierem a assumir essas ações e o modo como elas correspondem, ou não, à vontade de outros Estados afetados. Mas, com franqueza!, os Estados Unidos, depois do caos que espalharam pelo Médio Oriente, com a invasão não autorizada pela ONU do Iraque, à procura das miríficas "armas de destruição maciça", são os últimos a poderem levantar um dedo acusador à Rússia.

A Rússia "está-se nas tintas" por ter sido excluída do G9, que assim regressou ao G8 original. A "credencial" de respeitabilidade do mundo ocidental, que pareceu seduzir Moscovo na década e meia subsequente ao fim da URSS, hoje já lhe importa muito pouco, porque entendeu que o preço a pagar por ela, em termos de fragilização do seu papel, não necessariamente num mundo para o qual não tem poder de influência, mas essencialmente no seu "near abroad" estratégico, estava a ser muito elevado. O caso ucraniano levou ao extremo o seu isolamento e o regime das sanções daí decorrentes é pesado, porque afetam a sua depauperada economia, causticada simultaneamente pela queda dos preços do petróleo. Porém, com estas ações na Síria, a Rússia torna-se cada vez mais mais relevante geoestrategicamente perante o mundo. Tenho para mim que, no caso desta sua intervenção vir a redundar numa ajuda efetiva à contenção do Estado Islâmico (tendo como "side effect" e contrapartida a anulação ou contenção da guerrilha anti-Assad), um progressivo acolhimento deste novo perfil de Moscovo por parte do ocidente deverá vir a ocorrer.

Ferreira Fernandes


quarta-feira, setembro 30, 2015

"Política externa portuguesa"


Tiago Moreira de Sá é um académico de mérito, que há muito trabalha, com seriedade e muita qualidade, questões relacionadas com as relações externas de Portugal. 

Publicou agora um pequeno mas muito interessante livro nas edições da Fundação Francisco Manuel dos Santos, dedicado à "Política externa portuguesa".

Começo por uma recomendação: comprem (é muito barato) e leiam este livro. Está bem escrito e faz uma súmula muito completa das principais dimensões da nossa ação externa. Os diplomatas, em especial os mais jovens, ganhariam muito em refletir sobre este trabalho.

Aqui e ali, tenho uma perspetiva diferenciada da que Tiago Moreira de Sá desenvolve no seu texto, relativamente à importância relativa de alguns vetores da nossa política externa. Também por essa razão, divirjo de alguns "conselhos" que deixa para o futuro. Mas, no essencial, que é muito, estamos de acordo. 

terça-feira, setembro 29, 2015

"Origem Transmontana"

É impressionante como o nome de uma empresa, associado à emergência de alguns casos de uma doença chamada botulismo, pode afetar a imagem de toda uma regiào.

Vamos aos factos.

Uma empresa com o nome (um pouco estranho, há que dizer) de "Origem Transmontana" - e pergunto-me como foi possível ser autorizada uma designação tão enganadora como esta - foi acusada de comercializar produtos que se provou associados a uma doença derivada da cadeia alimentar, felizmente sem consequências mortais.

O que é impressionante é não se ter assistido a uma reação oficial das autoridades do setor, bem como do conjunto das autoridades locais, esclarecendo duas coisas muito simples:

- a marca "Origem Transmontana" deriva de uma empresa que representa apenas uma ínfima parte da produção de queijos e enchidos da zona de Trás-os-Montes.

- a generalidade dos produtos alimentares transmontanos, nomeadamente dos referidos produtos, é de excelente qualidade e não oferece o menor risco para os consumidores.

Este incidente é da maior gravidade, porque lança um labéu negativo sobre estruturas comerciais e industriais de uma inteira região. 

É importante que este esclarecimento seja divulgado e partilhado.

segunda-feira, setembro 28, 2015

Margarida Lima, fotógrafa. Conhecem?
















Epicur

Está já por aí o número de Outono da revista "Epicur", candidata a ser talvez a mais bonita publicação do género em Portugal.

Nela relato uma visita que fiz ao restaurante "Tomba Lobos", em Portalegre. Podem ler o texto aqui? Podem, mas - acreditem! - não é a mesma coisa... Em revista é muito melhor e há imensas coisas mais para apreciar!

domingo, setembro 27, 2015

Outro grande embuste


Desta vez, a RTP está de fora e só a SIC e a TVI estão implicadas. Trata-se dos espaços de comentário televisivo de Marcelo Rebelo de Sousa e de Marques Mendes.

É espantoso que a alegada Comissão Nacional de Eleições permita que dois comentadores avençados façam, em canal aberto, campanha eleitoral despudorada em favor da coligação de direita, "armando" em comentadores independentes, quando se percebe bem a respetiva agenda partidária e, num dos casos, com um interesse pessoal direto.

Uma outra grande burla pública, desta vez em proveito exclusivo da direita política.

O grande embuste



Há uma certeza que hoje tenho: a maioria dos profissionais de televisão e dos fotógrafos de imprensa que cobrem as campanhas eleitorais não está a cumprir o seu papel. Mais claramente, está a ser cúmplice de uma imensa e complacente burla. Será por medo?

Posso estar equivocado mas parece-me que esses jornalistas estão, manifestamente, a "fazer o jogo" das diversas candidaturas. De quase todas, talvez com exceção das pequenas formações, raramente poupadas à revelação das suas fragilidades. 

A maioria das fotografias e planos televisivos parecem-me corresponder apenas àquilo que são os interesses dos partidos que concorrem às eleições. As imagens recolhidas correspondem, de forma quase subserviente, àquilo que os gestores das campanhas pretendem. Não se vislumbram clareiras, as imagem são "contidas", são filmadas essencialmente as bandeiras em movimento, em nenhum momento se olha para trás dos cenários de apoiantes, não se revela a relação entre os espaços ocupados pelas campanhas e os espaços vazios à volta. Mais parecem tempos de antena do que verdadeiro jornalismo. É vergonhoso e ninguém protesta. Porquê? Porque todos são beneficiados, perdendo apenas os eleitores, a quem é servido um produto falseado. 

Parece-me haver hoje uma verdadeira cobardia na recolha de imagens, não se revela que, por detrás das "jotas" em agitação, dos militantes arrebanhados para o espetáculo, as coisas são muito diferentes, há sempre muito menos gente do que aquilo que as televisões mostram. Fazer jornalismo é outra coisa: é mostrar a realidade, revelar aquilo que são os factos e não apenas aquilo que as máquinas partidárias pretendem. Estamos perante jornalistas ou face a colaboradores das agências de marketing?

Todos sabemos que os comícios e arruadas não são organizados para usufruto de quem os frequenta. Quem lá vai é porque está já convencido. O objetivo das campanhas é, exclusivamente, aquilo que as televisões vão apresentar, é dar uma imagem de grandeza dos eventos, os quais, muitas vezes, são pífios e medíocres. O que vemos são profissionais de televisões a serem cúmplices complacentes de um grande embuste, que favorece PSD, CDS, PS, PCP e Bloco e prejudica a informação que nos ajudaria às nossas decisões. Querem nomes dos mandantes dos "ajudantes" desse enorme embuste? Chamam-se RTP, SIC e TVI. 

Sobre o papa

Nada me liga às crenças religiosas, salvo um batismo por que não fui responsável (e de onde, aliás, rezam as crónicas familiares, saí com uma pneumonia de que me salvei à justa). Mas, naturalmente, sou tributário de um "template" moral marcado pelos princípios católicos, como a esmagadora maioria dos portugueses. Grande parte das pessoas que me são próximas definem-se (mais ou menos) como católicas, respeito as suas convicções e reconheço, porque é uma evidência, o importante papel institucional da igreja católica na sociedade portuguesa. O automatismo da resposta de setores religiosos portugueses na questão dos refugiados demonstra um elevado sentido de responsabilidade social. Aliás, muitas das melhores pessoas que conheço são católicas. No entanto, isso não me impede de continuar a olhar, com escandalizada estupefação, para a circunstância da igreja católica acolher alegremente, sem os estigmatizar e denunciar, como me pareceria natural, quantos dos seus ditos "fiéis" que, no seu dia-a-dia, se comportam à persistente revelia dos seus princípios. E há imensos! A igreja pode, com isso, continuar a assegurar paletes de prosélitos, mas desqualifica-se como referente ético. Mas, na realidade, nada tenho a ver com isso, não são eu quem gere essas regras, sou e serei sempre "de outra freguesia"!

Aquando da eleição do papa que está em funções, dei por aqui nota de que o assunto me era quase indiferente. Na realidade, era e não era. Não gostei de Ratzinger, embora apreciasse a profundidade do seu pensamento, em especial em temáticas europeias, e nunca tive qualquer simpatia por Karol Wojtyla, não podendo nunca esquecer a sua imensa hipocrisia no caso de Timor-Leste. Aliás, a diplomacia "florentina" do Vaticano, que parece fascinar muitos, incluindo no nosso MNE, apenas me interessa como objeto de estudo. Sempre a considerei eivada de grande oportunismo e de um sentido complacente que releva basicamente de uma fria "realpolitik", que tem a maximização e preservação da influência como objetivo central. Faço parte de quantos têm suficiente memória para ainda recordar o cardeal Cerejeira, o destino do bispo do Porto e a medalha do Vaticano dada a Silva Pais pelo papa Montini. (Já sei! O mesmo que recebeu os líderes independentistas das colónias portuguesas).

Quero com isto dizer que a escolha do atual papa me surpreendeu. Um católico dirá que o conclave que o selecionou foi inspirado, como é de regra, por "pressões" exteriores à Roma terrena. Tudo bem. Mas, na leitura menos espiritual que é a minha, gostava de sublinhar, ao ver e ouvir o atual líder da religião católica, a profunda (e muito sincera) admiração que sinto pela sabedoria que, muitas vezes, tem prevalecido na seleção das figuras dirigentes do Vaticano. A igreja católica, pense-se dela o que se pensar, é uma máquina institucional inteligente e sábia. A escolha do atual papa, uma figura humana notável, com uma coragem e uma sensibilidade muito raras para interpretar o sentimento de muitos, foi um ato de grande inteligência estratégica. Às vezes, a sobrevivência da instituição tem levado a igreja católica a compromissos que eu quase ousaria dizer "com o diabo". Mas uma outra face desse mesmo instinto obriga-a a procurar a sintonia com a maioria dos crentes, o que conduz a escolhas tão interessantes como a que trouxe à ribalta o papa Francisco. Para um não crente, apetece dizer: "Chapeau!" Ou deveria dizer "Mitra"?

sábado, setembro 26, 2015

"Livraria Ler"


Faço parte de uma geração de "flâneurs" regulares por livrarias. Há mais de cinco décadas. Talvez por ter vivido metade desse tempo no estrangeiro, sentindo necessidade de me atualizar constantemente sobre as edições portuguesas, habituei-me a não olhar apenas para as montras e para aquilo que as mesas das livrarias nos mostram. Passo o tempo de cabeça "à banda", a ler lombadas, a ver livros já por aí "arquivados" há muito, que me possam entretanto ter escapado. Uma vez por semana, no mínimo, visito livrarias, às vezes só para ver o que entretanto "saiu". (Imagino que alguns irão dizer que usam a "Amazon", que isso é muito mais cómodo. Eu também compro por essa via, mas reconheço pertencer ainda à "geração táctil", que gosta de folhear os livros antes de os adquirir).

Não desgosto de passear pelos grandes espaços livreiros - tipo FNAC, Almedina, Bertand, Bulhosa ou Barata - mas confesso ter sempre maior prazer em visitar livrarias mais pequenas. Em especial, gosto de sentir que tenho como interlocutores potenciais os livreiros, pessoas que sabem "da poda" e gostam do que fazem, que conhecem as edições e percebem um mínimo daquilo que um leitor e comprador atento está à espera. Não há muitos, mas há-os ainda de grande qualidade. Pessoas que não se impõem, mas que sabemos que estão lá, com vontade de nos serem úteis, para o caso de deles necessitarmos.

(Recordo, por contraste, uma historieta, ocorrida no Brasil, que um dia já por aqui contei. 
Eram lojas livreiras superpopuladas de funcionários, que nos seguiam e nos interrogavam desde a porta de entrada, acompanhando incomodamente as nossas deambulações pelas mesas e estantes. Ao final de uns minutos, quando pegava num livro, aproximava-se de mim um empregado com um outro livro na mão e perguntava: "Não lhe interessa este livro?". 
A primeira vez que isso me sucedeu fiquei siderado, sem saber por que diabo o homem me estava a chamar a atenção para uma outra obra: "Porque é que pergunta isso? Por que razão podia eu estar interessado em ler esse livro?". A resposta foi simples: "Porque, se está a consultar um livro dessa mesa, é porque se interessa por esses temas e este livro, acabado de sair, é desse mesmo tema...". 
Fiquei sempre com a sensação de que esses funcionários, normalmente muito jovens, não faziam a mais leve ideia do conteúdo do livro que estavam a propor, mas que apenas se dedicavam a pôr em prática uma técnica de "marketing" que lhes tinham imposto. E, devo dizer, só a inexcedível simpatia dos empregados das lojas no Brasil evitou, a partir daí, que eu manifestasse a minha permanente irritação com este horroroso método promocional.)

Vem isto hoje a propósito da Livraria Ler, numa esquina do Jardim da Parada, em Campo de Ourique, lugar que sempre visito com imenso prazer e por onde há pouco passei. Não é uma loja deslumbrante em matéria estética, mas as coisas estão por ali bem arrumadas, sente-se que não há uma subordinação cega à "ditadura" das grandes editoras, há livros "antigos" (isto é, anteriores a 2014, 2013...) e, sem descurar o que está "na moda" e suporta o mercado, encontram-se muitas outras edições de muito boa qualidade. "Last but not least", na Livraria Ler os preços são em geral muito mais interessantes do que na maioria das livrarias de Lisboa. Por ali, os "descontos" são permanentes, é uma "feira do livro" contínua. Se não acreditarem, passem por lá e comparem!

Ainda bem que não vivo em Campo de Ourique! Caso contrário, o drama das minhas estantes iria agravar-se ainda mais...

sexta-feira, setembro 25, 2015

Evasões


Hoje, na "Evasões", o excelente suplemento que o "Diário de Notícias" publica às sextas-feiras, escrevo uma crónica sobre um curioso restaurante de Lisboa, numa zona inesperada e com uma bela relação qualidade/preço. Ah! o "Chefe Costa" da imagem não sou eu, claro!

Quem tiver curiosidade, leia aqui.

Diplomacia económica

Ontem, por um  amável convite da Fundação AEP, fui ao Porto falar a uma dezenas de empresários sobre as alterações geopolíticas na Europa e as suas implicações nos mercados e para as empresas. Uma palestra que culminou num debate muito interessante.

No final, foi-me oferecido um livro recentemente editado pela Fundação AEP e pela Fundação de Serralves, sob o título "Portugal no mundo". O tema interessa-me bastante pelo que, na viagem de regresso no Alfa, passei uma vista de olhos pelos textos incluídos. E não é que deparei com 10 páginas assinadas por mim, sobre Diplomacia Económica?! Era uma intervenção que eu tinha feito, há quase um ano, nas Jornadas Empresariais AEP/Serralves. Reli o texto e, hoje, não lhe retiraria nem uma linha. Quem tiver curiosidade, pode lê-lo aqui.

Beatriz Berrini


Um dia, quando era embaixador no Brasil, fui apresentado à professora Beatriz Berrini, uma das maiores especialistas mundiais na obra de Eça de Queiroz. Falei-lhe da minha imensa admiração pelo escritor e do facto de, sobre ele, ter lido escritos da sua autoria.

Beatriz Berrini não foi modesta: "Se gosta muito de Eça, tinha de conhecer a minha obra". Achei graça ao auto-elogio no comentário, mas ela tinha óbvia razão. Era, no Brasil, a figura mais destacada nos estudos "ecistas", como naquele país são chamados os "queirozianos". 

Foi agora anunciada a morte de Beatriz Berrini, aos 92 anos.

Os indecisos



As eleições não se ganham apenas com os votos dos militantes e dos simpatizantes ferrenhos. PS e PSD têm, cada um, uma percentagem basicamente similar de votantes garantidos (que alguns dizem rondar 22-25%, cada um). Essa quase metade do país votante, em princípio, “não mexe”, não depende dos líderes que os partidos tiverem, tem um estado de alma “clubista”. Não é a eles que se destinam as campanhas eleitorais. Tenho a certeza de que muitos leitores, qualquer que seja a sua “lateralização” política, reveem-se neste retrato.

Descontados os votantes regulares em outros partidos menores, as campanhas são conduzidas com vista a seduzir um número de pessoas bem inferior a metade do eleitorado, os quais, como diz um amigo meu, “é afinal quem manda no país”. É a flutuação de voto dessas pessoas, de quem se move alternadamente nas duas direções, que faz a diferença: derrota uns e elege outros. É nestes “swinging voters” que estarão os muitos indecisos que as sondagens revelam. Porquê tantos? Cada um terá a sua explicação, eu tenho a minha.

Desde logo, porque há muita gente que não quer reeditar a experiência deste governo e lhe recusa o voto. Gente que não esquece o que se passou: os cortes a torto e a direito, o desemprego, a emigração, a permanente instabilidade na sua vida e dos seus, a arrogância, legislativa e não só. Gente que olha para o nível da nossa dívida e, agora também, para o défice e, com razão, duvida que tenham valido a pena os sacrifícios feitos. Gente que não compra o discurso de que “Portugal está melhor, embora os portugueses possam estar pior”. Gente que percebe que é a Europa que aqui induz esta aparente acalmia, vendida como melhoria virtuosa. Gente que preferirá abster-se a votar nesta maioria.

Mas, se assim é, por que é que essas pessoas não decidem optar pelo PS, a única real alternativa à coligação?

Porque o PS, causticado pela imagem de um passado, que um conjunto de fatores acumulados impediu de explicar devidamente, optou por fazer uma campanha sem um mínimo de demagogia, assente num grande sentido de responsabilidade. E na verdade. O “cenário macroeconómico” e o programa do PS não trazem mudanças entusiasmantes? Talvez, mas trazem políticas que rompem com a austeridade sem romper com os compromissos e indiciam medidas para um futuro de crescimento. Medidas quantificadas e não ideias vagas, como acontece do outro lado do espetro político.

É aos indecisos que cabe entender que, no dia 4 de outubro, mais do que uma eleição, estarão perante um plebiscito: serão eles a decidir se querem repetir a experiência de uma governação que lhes infernizou o passado recente ou se pretendem uma mudança moderada, titulada por um líder com provas dadas, que recusa ser “económico com a verdade”?


(Artigo que hoje publico no "Jornal de Noticias")

quinta-feira, setembro 24, 2015

Bom senso

O jornal i titulava ontem, na sua primeira página, citando-me: "O PS não fez passar a mensagem de credibilidade".

A citação está correta. A conversa telefónica de um minuto com uma jornalista andou à volta do elevado número de indecisos detetados nas sondagens e das razões pelas quais esse valor ainda se mantém elevado. Na opinião que dei, referi que muitas pessoas não gostavam do governo mas hesitavam ainda em votar no PS, porque este partido não tinha ainda conseguido fazer passar uma mensagem de credibilidade suscetível de lhes garantir uma mudança de vida para melhor.

E é verdade. O que as sondagens evidenciam é que, não obstante António Costa ser visto de forma esmagadora como mais confiável para primeiro-ministro, o PS ainda não conseguiu convencer as pessoas de que, chegado ao poder, fará melhor do que a coligação. É triste? Claro que é, mas a democracia é isto mesmo. É o que as sondagens refletem, pelo menos por ora, fazendo eu figas para que mudem.

Esta minha declaração, embora óbvia, surpreendeu, ao que parcece, alguns amigos meus. Para os compensar, deixo uma frase que hoje retirei de um texto de José Manuel Fernandes (esse mesmo!) com a qual esses amigos tenho a certeza que vão estar de acordo: "apesar do empate técnico das sondagens, o PS ainda é o favorito, pois será mesmo surpreeendente que os portugueses, depois de tantos sacrifícios, reelejam a mesma maioria e o mesmo primeiro-ministro". Ele escreveu mesmo isto? É verdade. Enfim, um ataque de bom-senso nunca fica mal a ninguém, não é?

Bebinca

Há já um tempo que não comia bebinca. Imagino que tenha sido por me ouvirem dizer que tinha saudades desse doce goês que tive o privilégio d...