2015 será o último ano de Cavaco Silva como presidente da República. Não julgo que venhamos a ter quaisquer surpresas no tocante ao seu comportamento institucional, nestes meses que dele nos restam em Belém. A sua mensagem de ano novo assim o indica.
Todos os presidentes da República inaugurada com a Constituição de 1976 encaminharam os seus segundos mandatos na tentativa de deixarem uma marca própria. Independentemente das suas agendas políticas pessoais, do esquiço de auto-retrato para a História que todos procuraram deixar pendurado nas paredes de Belém, cada um, a seu modo, contribuiu claramente para a estabilização do regime e para o reforço da matriz funcional do cargo, deste semi-presidencialismo atípico que os nossos constituintes desenharam, com uma ambiguidade muito à portuguesa.
Cavaco Silva terminará a sua década de uma forma muito diferente. O seu segundo mandato foi uma incrível sucessão de "trapalhadas" - e estou a ser diplomaticamente eufemista ao escrever isto. Poder-se-á dizer que não foi ajudado pela crise financeira, mas o que o país já reteve, para sempre, é que o chefe de Estado teoricamente mais bem preparado para transmitir segurança a uma sociedade em quebra de confiança económica demonstrou, muito simplesmente, uma flagrante incapacidade para ser útil a Portugal.
Quero com isto dizer uma coisa muito clara: a meu ver, Aníbal Cavaco Silva, pelo modo como geriu a função presidencial, pela maneira como se deixou enlear no que, agora iniludivelmente, se evidencia como uma subserviência à maioria que governa o país, deu sólidos argumentos a quantos entendem, como há semanas Pedro Bacelar de Vasconcelos defendeu, que, de futuro, deverá ser revista a Constituição por forma a ser o parlamento a escolher o chefe de Estado, como hoje acontece na Grécia, em Itália ou mesmo na Alemanha. Com efeito, Cavaco Silva, com o seu comportamento enquanto Presidente, mostrou que pode não fazer sentido continuar a eleger alguém por sufrágio direto, quando essa personalidade, em lugar de utilizar essa forte legitimidade para se colocar acima das forças políticas e representar o sentimento profundo do país, se torna num instrumento dócil das maiorias de turno, preocupado apenas em garantir uma saída airosa para o seu pé-de-página na História pátria. Embora defensor do sistema atual, creio que haveria vantagem em que o assunto fosse abertamente discutido, quanto mais não seja para evitar que o exemplo do atual presidente venha a contaminar a imagem futura da função presidencial.
Um dia, ao tempo em que era primeiro-ministro, Cavaco Silva teve a deselegância institucional de dizer que era preciso "ajudar o dr. Mário Soares a acabar o seu mandato (presidencial) com dignidade". Com sincera pena, como cidadão que acredita que o prestígio das instituições e dos seus titulares é um bem público precioso, temo que Cavaco Silva tenha arruinado já as hipóteses de ver aplicada a frase a si próprio.