quinta-feira, agosto 12, 2010

O comício

Numa conversa recente com Délio Machado, uma figura importante da luta pela democracia durante o "Estado Novo", em Vila Real, lembrámos a campanha eleitoral para a Assembleia Nacional, em 1969. Foi um tempo complexo, o último teste (falhado) da (falsa) abertura política do "caetanismo". Com essa personalidade notável que foi o médico e escritor Otílio de Figueiredo, líder oposicionista local, e com Délio Machado, fiz parte do trio de responsáveis que fez entrega formal ao governador civil, Torquato de Magalhães, da lista de candidatos da Comissão Democrática Eleitoral (CDE). Lembro-me de Otílio de Figueiredo dizer, à saída: "Isto foi o mais fácil. Agora é que 'vão ser elas!'".

E foram. As dificuldades criadas pelo regime à atividade da oposição sucederam-se, ao longo das semanas seguintes, com intimidações e obstáculos, desde pressões sobre as tipografias e proprietários de espaços para potenciais reuniões públicas até à não disponibilização das listas dos eleitores. Tivemos uma elevada despesa para mandar fotografar (é verdade, não havia fotocópias!) esses cadernos eleitorais, porque (para quem não saiba) os boletins de voto eram impressos sob responsabilidade de cada lista e tinham de ser entregues, individualmente, no endereço de cada eleitor. Nada que se parecesse com as "cruzinhas" atuais, no boletim recebido na assembleia de voto.

Verdade seja que não facilitávamos nada. Em plena campanha, fizemos um requerimento em "meia-folha-de-papel-selado", alegando ilegalidades formais na propaganda da União Nacional, o que levou a que o "partido único" tivesse de pagar uma humilhante coima. E ainda me surpreende a coragem que tivemos, dois ou três comparsas, ao sentarmo-nos na terceira fila do comício da União Nacional, ovacionando ruidosamente quando palavras como "liberdade", "democracia" ou "paz" surgiam no meio de um qualquer discurso dos candidatos da "situação", silenciando-nos ostensivamente durante todo o resto das intervenções. Claro, fomos insultados, várias vezes...

Imagine-se agora o que significava organizar um comício da Oposição Democrática, nessas condições. Conseguiu-se alugar o Cine-Teatro Avenida, de Vila Real, para a "sessão de esclarecimento" de encerramento da nossa campanha. Papeladas e mais papeladas, diligências durante as quais éramos tratados com uma sobranceria oficial só atenuada pelo facto de algumas das pessoas nos conhecerem de há muito, bem como às nossas famílias. Isso não evitava provocações, bocas acusatórias ("comunas!", "anarquistas!") e irritantes chamadas à polícia e ao Governo Civil, por tudo e por nada. Mas, se bem me lembro, vivíamos isso como uma bela "festa".

O nosso objetivo era ter a sala cheia e mobilizada, pelo que contávamos com o reforço dos oposicionistas vindos de todo o distrito. A sessão convocara também muitos "bufos", servidores do regime que iam "ver quem estava", para poderem avisar o seu "patronato". Como reforço, umas caras novas andavam pela terra, com ar-de-quem-não-quer-a-coisa, isto é, com ar de pides.

A noite começou com uma imensa "gaffe" política. Alguém tinha instruído o Manuel "Pataquinhas", assalariado para algumas tarefas logísticas, para "pôr discos" com marchas mobilizadoras, do tipo "John Philip Sousa". A certo momento, começou a ouvir-se o "Angola é nossa!", talvez o mais emblemático expoente da propaganda musical do colonialismo. Foi preciso um de nós saltar para o palco, atrás de cuja cortina estava o gira-discos, quase despedaçando o aparelho, com fúria, aos berros ao "Pataquinhas". Lá se compôs tudo, com ordens rigorosas sobre as músicas que poderiam ser tocadas.

E o comício começou, com os nossos candidatos em palco. Depois de tocado o hino, todos sentimos, contudo, que o ambiente não "arrancava". Havia uma nítida falta de entusiasmo, apenas umas escassas palmas a sublinharem as frases mais sonantes dos oradores. Alguma coisa não estava a ir bem. Não percebíamos a razão.

Foi então que, num segundo, se entendeu o que estava a falhar: as luzes da sala, que iluminavam o público, que deviam desaparecer após o hino, permaneciam acesas. Alguém "voou" para os bastidores, a sala enegreceu-se e a "coragem" do auditório explodiu. A partir daí foi um fartote de "Viva a liberdade", "Abaixo o fascismo", "Abaixo o Caetano", "Abaixo a Ditadura" e coisas similares. Até que enfim! E a noite acabou em glória!

Porém, o comício só não havia sido um sucesso completo pelo facto de um dos nossos candidatos, revelando abertamente uma orientação política própria, que já vinha a ser clara há uns tempos, ter afirmado, a certa altura, que o "o ultramar é português" (teria sido ele a encomendar o "Angola é nossa!"? Quatro décadas depois, ele garante-me que não...). Alguns dentre nós ficámos furibundos com essa declaração. Como a oposição, em Vila Real, era de natureza unitária e comportava uma multiplicidade de tendências, havíamos tentado iludir as profundas divergências, que entre nós existiam, face à questão colonial. Mas, neste caso, a procurada ambiguidade fora quebrada. A reunião da direção de campanha, que teve lugar após o comício, não consensualizou uma rejeição formal da tomada de posição do candidato (o que, aliás, teria sido um imenso erro). Num gesto de radicalismo pateta, recusei-me a integrar uma delegação dos oposicionistas vila-realenses que deveriam, no dia seguinte, ir a uma reunião da Oposição Democrática à escala nacional. Coisas de quem tinha então 21 anos!

Agora, neste Agosto quente em Vila Real, deu-me para recordar este episódio.

Bombeiros

Na minha terra, em Vila Real, existem duas corporações de bombeiros voluntários. Sei que, nestes dias trágicos, têm andado numa roda-viva, com o fogo a rondar a cidade, como ontem à noite aconteceu. É uma luta contínua, infernal, de risco e coragem. Por um destino que parece que saíu em sorte aos portugueses, essa luta repete-se a cada ano, variando apenas na sua intensidade.

Nos meus tempos de juventude, a cidade "dividia-se" entre os seus bombeiros e eles competiam fortemente entre si (dizem-me que hoje essa rivalidade continua). À época, era-se "adepto" dos "de baixo" ou dos "de cima" (eu era dos "de cima"), por afinidades de vizinhança ou de simpatia. Recordo-me dos sinos tocarem a rebate, em frias madrugadas de inverno, com o número de badaladas a indicar a zona dos incêndios. E de ver passar, em passo rápido, em direção ao seu quartel, os homens que iam combatê-los.

Desde então, ficou-me uma grande admiração por aquela gente simples, orgulhosa nesse seu admirável clubismo solidário. Os nossos bombeiros, "de baixo" ou "de cima", em Vila Real, são hoje um belo símbolo da cidade. E, na primeira semana de cada ano, competem entre si para comemorar, com sirenes e bombos, as datas próximas dos seus dois aniversários, no exercício da sua eterna rivalidade.

quarta-feira, agosto 11, 2010

Humberto Delgado (2)

Há dias, falei aqui de Humberto Delgado. Tinha comigo, desde há mais de um ano, o livro "Humberto Delgado - biografia do general sem medo", de Frederico Delgado Rosa. Não o tinha lido, à espera de tempo para um trabalho de mais de 1300 páginas. O autor é neto do general e, por regra, mantenho sempre uma grande desconfiança no rigor deste tipo de obras, quando há relações familiares entre biógrafo e biografado. 

Numa conversa recente, Artur Santos Silva recomendou-me que lesse o livro. Não perdi o meu tempo, mas igualmente confirmei algumas das minhas preocupações.

O livro é, de longe!, a mais bem informada obra existente sobre Humberto Delgado - e julgo ter lido  muito de quanto se escreveu sobre o general. A recolha informativa é excelente, servida, aliás, por uma muito boa escrita. Apesar da sua extensão, o livro lê-se como um romance.

Mas há um "mas": o texto é manifestamente "biased", às vezes a roçar o hagiográfico, tomando sistematicamente por más as posições de todos quantos - no regime ou na oposição - se opuseram frontalmente a Delgado, às suas ideias e às suas propostas, assumido estas como quase indiscutíveis. O modo cruel como são tratadas algumas das personalidades portuguesas da oposição ao salazarismo, no exílio no Brasil ou na Argélia, diabolizando-as e crismando-as de uma forma que se aproxima da abordagem feita em obras desprezáveis, desvalorizam desnecessariamente este trabalho, o qual, nem por isso, deixa de ser de grande mérito e de constituir um apoio historiográfico da maior valia. Cuja leitura, recomendo, claro.

terça-feira, agosto 10, 2010

Paredes

Carlos Paredes é um dos muito escassos génios que Portugal produziu. Uma noite de 1975, em casa de Carlos Eurico da Costa, poeta e administrador da empresa de publicidade Ciesa-NCK, Paredes foi apresentar sugestões para a banda sonora de um "spot" televisivo e radiofónico, destinado a mobilizar as pessoas a votarem nas "primeiras eleições livres". A encomenda era do STAPE (Secretariado Técnico para o Assuntos Político-Eleitorais), representado então pelo comandante Luís Costa Correia (que se deve lembrar bem desta cena). 

O músico e compositor chegou, com um ar muito modesto, um  andar desengonçado, quase a pedir desculpa por ali estar. Eu estava fascinado por poder conhecer pessoalmente o autor dos "Verdes Anos" e, recordo-me, sentei-me, reverencialmente, em frente do guitarrista, quando este ensaiou algumas hipóteses de fundo musical para o anúncio. Dedilhou quatro ou cinco temas e, nas pausas entre cada um, dizia algo assim: "Não sei o que acham. Esta parece-me fraquita..." ou "Só me saiu isto..." ou "Se calhar, isto precisa de ser melhor trabalhado!". A mim, cada uma parecia melhor que a anterior!

Deslumbrado, creio que hesitei até ao fim em dar qualquer opinião sobre as peças, tal a sua qualidade. O Costa Correia e o Eurico da Costa pareceram-me partilhar "l'embarras du choix", mas lá acabaram por eleger o tema que, durante semanas, fez parte do nosso quotidiano televisivo e radiofónico.

Só voltei encontrar Carlos Paredes quando, em 1993, acompanhado por Luísa Amaro, fez, em Londres, a convite de Mário Soares, um memorável concerto para a rainha Isabel II, no Guildhall. No final, a rainha fez questão de o conhecer pessoalmente e - recordo - quis ver a sua mão. Ao felicitá-lo, emocionado pelo espetáculo, Paredes inquiriu-me: "O amigo acha que eu estive bem? É que não estava nos meus dias..."

Duvido que alguém possa ser verdadeiramente português se não gostar da música de Carlos Paredes. E, se tiver 10 minutos, ouça isto.

A escola do "mas"

Hoje, o New York Times, elogia largamente a política energética de Portugal.

Ora aqui está um momento interessantíssimo para podermos aferir o comportamento, nas próximas horas, do nosso estimado "jornalismo adversativo".

Embora em parte a "banhos", não acredito que essa escola de escrita reticente deixe de assinalar, a par da notícia, tudo o que de negativo puder descortinar para a atenuar: "porém, há que contar que..." ou "não obstante, o jornal não deixa de...", etc.

Era o que faltava alguém andar a dizer bem da atual situação portuguesa - e logo "lá fora"!

segunda-feira, agosto 09, 2010

Sueco

Os tempos eram outros, claro. No passado, a aprendizagem de línguas um pouco mais bizarras não era considerada, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, um particular fator de valorização. Pelo contrário, pode mesmo dizer-se que aqueles que se dedicavam a esse estudo eram, em muitos casos, olhados como figuras excêntricas, à busca de uma notoriedade não muito apreciada.

Um velho embaixador contou-me que, no início dos anos 60, ao tempo em que servia, como seu primeiro posto, num consulado nos EUA, decidiu aprender sueco, aparentemente estimulado a tal por um conhecimento feminino dessa origem. Andou meses no difícil estudo da língua, já conseguia articular algumas frases básicas e, um dia, perante o surgimento de uma vaga em Estocolmo, escreveu uma carta ao secretário-geral do Ministério (que é o chefe da carreira, com uma palavra decisiva sobre as colocações) e pediu transferência para a Suécia. Na comunicação referiu, naturalmente, que já falava razoavelmente sueco, que podia ser útil ter naquela Embaixada um diplomata com algum domínio da língua, etc. Em termos de "equilíbrio" entre postos, a mudança, à luz dos critérios da época, não era descabida.

Passaram-se algumas semanas, até que recebeu nota do seu novo destino: Malawi. Sendo embora, nesse tempo, uma capital politicamente bastante importante para Portugal, Blantyre estava longe das perspetivas de carreira do jovem diplomata. A desilusão fê-lo ter um desabafo com o seu superior, o embaixador em Washington. Embora a decisão fosse já irreversível, este prometeu-lhe procurar saber, do secretário-geral, das razões que teriam motivado o não acolhimento do seu estimável sonho nórdico.

Um dia, numa visita à capital americana, o embaixador esclareceu-o: "Você sabe, o seu pedido de transferência para Estocolmo chegou a ser ponderado. Mas havia um problema: você fala sueco. Foi o embaixador que lá está que não quis que fosse. Ele não diz uma palavra em sueco e comentou com o secretário-geral que o facto de ir ter um secretário de Embaixada com o domínio da língua local ia ser um embaraço para ele, criando-lhe alguma "menorização" nos círculos diplomáticos...".

O tema das línguas foi sempre um insondável "mistério" dos Negócios Estrangeiros. Uma das graças correntes na carreira, noutros tempos, é que havia sempre uma boa justificação para colocar alguém em Londres: ou porque sabia muito bem inglês ou porque não sabia, razão pela qual uma estada na capital britânica seria positiva para a aprendizagem da língua. Nos dias de hoje, as coisas mudaram? Claro que sim!

domingo, agosto 08, 2010

Humberto Delgado (1)

Encontrei, há dias, um exemplar do manifesto da candidatura presidencial do general Humberto Delgado, em 1958, entre as folhas de um livro antigo do meu pai.

A fotografia que encima este post figura na primeira página dessa "Proclamação". Essa era também a imagem que, à época, aparecia nos cartazes colados em algumas as paredes de Vila Real. Eu tinha 10 anos, mas recordo, como se hoje fosse, o momento em que o meu pai - "republicano" dos sete costados, o que então queria dizer "democrata" - me levou a ver Delgado depor uma coroa de flores no monumento a Carvalho Araújo, na avenida com o mesmo nome, em Vila Real. Era 22 de Maio de 1958. À época, eu estava longe de perceber bem a importância desse tempo, mas era-me sensível o ambiente de tensão que então se vivia.

A candidatura de Delgado terá sido, porventura, a maior ameaça de contestação interna que o Estado Novo sofreu em todo o seu percurso. Oriundo do regime, para cujo sucesso contribuiu com entusiasmo, e que serviu com dedicação durante muitos anos, o general teve uma passagem de alguns anos pelos Estados Unidos que terá estimulado a sua propensão contestatária e o fez aderir a um ideário liberal. Crescente crítico de Salazar, essa sua atitude não passou desapercebida à hierarquia militar, que não deu alento à carreira profissional que ambicionava, acabando por assim espoletar a sua dissidência. Uma ala moderada da oposição ao salazarismo, conhecedora dessa sua evolução, teve então a iniciativa de lhe propor ser candidato "independente" à Presidência da República, vindo a conseguir arrastar em seu favor outras correntes mais radicais, em especial o PCP, que originalmente qualificava Delgado como o "general Coca-Cola".

Delgado veio a protagonizar uma campanha cujo entusiasmo popular não encontra paralelo na história política portuguesa, como a imagem seguinte, da receção que lhe foi feita no Porto, melhor documenta.
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A personalização do combate a Salazar, que encarnou de forma enérgica e destemida, trouxe-lhe uma imensa e inesperada popularidade, em quase todo o país. Ao afirmar, com frontalidade, que demitiria o ditador, se acaso viesse a ser eleito, Delgado rompeu com o endeusamento histórico que protegia Salazar e abriu um tempo novo na vida política portuguesa.

O candidato do regime era o inenarrável contra-almirante Américo Tomás, um obscuro ex-ministro que Salazar selecionara para evitar a recandidatura do general Craveiro Lopes, o qual dera sinais de algumas reticências à liderança política do homem de Santa Comba.

O período eleitoral foi muito duro, com Delgado e os seus adeptos a serem objeto de forte coação e intimidação, com perseguições, prisões e mortes, na sequência de muito violentos atos de repressão. O comportamento do candidato esteve sempre à altura da coragem que se lhe creditava e que lhe veio a dar o cognome histórico de "general sem medo".

Sabe-se hoje que, dentro do regime, se passaram então horas de grande angústia e que essa tensão contribuiu para agravar confrontações entre personalidades do governo, que não deixaram de marcar os anos seguintes. No plano institucional, o susto foi ao ponto do regime decidir mudar a Constituição e acabar, pouco tempo depois, com a eleição por sufrágio direto, passando a escolha do Presidente da República a ser feita por um "colégio eleitoral" de fiéis da "situação".

Com os cadernos eleitorais desatualizados, com uma generalizada fraude no escrutínio, Humberto Delgado viria, mesmo assim, a obter cerca de 1/4 dos sufrágios expressos - isto durante um regime que, em anteriores e posteriores eleições legislativas, nunca permitira à oposição eleger um único deputado.

Delgado seria depois afastado das Forças Armadas. Foi forçado a exilar-se no Brasil e, depois, na Argélia. Viria a ser assassinado, em Fevereiro de 1965, por uma brigada da PIDE, em Espanha, perto de Olivença.

Tony Judt (1948-2010)

Ler "Postwar - a history of Europe since 1945" (livro que está traduzido em português) é a garantia de se ficar a entender muito do que são os equilíbrios permanentes em que assentam as sociedades europeias. O seu autor, Tony Judt, o historiador britânico que agora desapareceu, era um pensador extremamente original da questão europeia, tendo ainda produzido excelentes trabalhos sobre a intelectualidade francesa - escrevendo sobre ela com uma distância crítica muito difícil de encontrar.

Em 1997, a convite de João Carlos Espada, acompanhei Tony Judt num painel de discussão sobre a Europa, na Fundação de Serralves (as nossas intervenções estão publicadas em "O Desafio Europeu - passado, presente e futuro", Principia, Cascais, 1998). 

Anos mais tarde, em Nova Iorque, num serão em casa de um amigo alemão, ouvi Judt dissertar, de forma brilhante, sobre alguns novos problemas políticos que o alargamento da União Europeia, que estava para acontecer, iria colocar. Nunca mais o voltei a encontrar, embora me tivesse então desafiado para assistir a uns debates na sua New York University. Apenas o fui lendo, irregularmente, no "New York Review of Books", em lúcidos textos sobre temáticas internacionais, dos quais transparecia uma desilusão crescente com certas posições da esquerda "ideológica", de par com uma denúncia aberta das políticas da administração Bush.

sábado, agosto 07, 2010

A truta

Os dias tinham sido cansativos. A Embaixada de Portugal naquele periférico país era muito pequena e a pressão de trabalho, preparatório e de acompanhamento da "comissão mista", tinha sido intensa. A visita tinha compreendido mais do que uma cidade, o que constitui sempre um pesadelo logístico. O embaixador e o seu único colaborador ansiavam já pelo regresso a Lisboa da imensa delegação, que se faria após o almoço (quando via partir visitas oficiais, o embaixador tinha por hábito comentar, aliviado: "mais uma lebre corrida!").

Vale a pena dizer que, no início dessa década de 80, as comitivas portuguesas ao exterior eram quase sempre grandes, brindadas com um  luzido painel de representantes de vários ministérios (os "ministérios sectoriais", no nosso calão diplomático), a fazer de "corte" ao membro do governo que as chefiava. Por essa razão, a mesa da residência do embaixador estava completa, nesse almoço de despedida.

O ministro - que, no futuro, estava destinado a ter uma interessante carreira política - era do género pouco falador, entre o tímido e o distante. Muito "business-oriented", não era de graçola fácil ou de contar historietas para a assistência. Quando, em momentos raros, lhe saía algo mais "solto" e com mínima pinta de graça, convocava logo atentos sorrisos ou gargalhadas da sua "corte", publicamente feliz por poder partilhar essa inesperada intimidade.

Por essa limitação do convidado de honra, o nosso embaixador, com a técnica de alimentação social das conversas que os anos na "carreira" ensinam, lá procurava "encher" o ambiente, elegendo como interlocutora principal a mulher do ministro, que percebera ser uma figura mais expansiva e opinativa. Tudo, porém, sempre num registo bastante formal.

A certo ponto da refeição, foram servidas uma belas trutas. Mais como comentário de circunstância do que como manifestação de curiosidade, a mulher do ministro inquiriu: "Costuma ter por cá trutas, senhor embaixador?". É então que ao diplomata, talvez com a prudência e a contenção fragilizadas pelo imenso cansaço que o invadia, lhe saiu esta inopinada graça: "Não tenho estado mal servido de trutas. Logo que aqui cheguei, apareceu-me o dr. Mário Soares. Pouco tempo depois, esteve aqui a engª Lurdes Pintasilgo e, logo a seguir, o professor Freitas do Amaral. Agora, esteve cá o sr. ministro. Como vê, minha senhora, de trutas estou bem aviado".

(Vale a pena assinalar, para quem o não saiba, que, numa certa geração - que era a do embaixador -, o termo "truta" era utilizado coloquialmente como sinónimo de "pessoa importante".)

A mesa gelou, com os cantos dos olhos dos presentes a tentarem analisar a reação do ministro. Houve cinco trágicos segundos de interminável silêncio, até que o mais velho membro da delegação, um homem já com algum mundo, soltou uma forte gargalhada, que teve o condão de provocar um "ressurant" esgar no ministro, um largo sorriso da respetiva mulher e rumores de risada nos restantes presentes. Do gelo, passámos ao alívio e, logo de seguida, às trutas.

sexta-feira, agosto 06, 2010

Três vezes

Foi há uns tempos. Íamos numa viagem longa e lembrei-me de um restaurante de que ouvira falar, numa localidade que ficava quase no caminho. Telefonei a reservar. Pela reação do meu interlocutor, percebi que, pelo menos nesse dia, devia ter poucos clientes.

O restaurante era numa moradia isolada, com as várias dependências da casa transformadas em salas de refeição, dotadas de certa privacidade. Hesitando entre duas áreas, que estavam desertas de clientes, sentámo-nos onde nos apeteceu, nos muitos lugares disponíveis. 

Contudo, ninguém aparecia. Minutos passados, levantei-me e fui pelo corredor. Encontrei uma pessoa que me pareceu ser o dono. Desculpou-se com a falta de pessoal, após um feriado. Pelo barulho, deduzi, contudo, que havia outros clientes, "lá dentro", em área mais próxima da cozinha.

Decorrido algum tempo, tivemos finalmente os menus. Lá conseguimos pedir os pratos, com todo o resto (pão, couvert, lista de vinhos) a chegar com imensa dificuldade. Mas acabámos por ser servidos. Comeu-se "assim-assim". Depois, foi uma longa espera. Ninguém vinha atender a mesa. 

Para grandes males... Decidi telefonar, pelo telemóvel, para o próprio restaurante. Respondeu-me a voz do cavalheiro de sempre. "Sabe, somos os clientes da sala de entrada. Pode vir atender-nos?" O homem ficou siderado e logo se despachou pelo corredor, chegando com um sorriso embaraçado, menus na mão. Disse-lhe então que já não queríamos nem sobremesa nem café. Apenas a conta. Paguei e acrescentei: "Vim três vezes a este restaurante: a primeira, a única e a última". E assim foi.

Blogue

"A sua cara não me é estranha". A da senhora de bata branca que me dizia isto, hoje, num Centro de Saúde, não me trazia nada à memória. Dois segundos não eram passados,  voltou a olhar-me no meu informalíssimo traje de verão, com duas "canadianas" de apoio, acrescentando: " 'Duas ou Três Coisas' não é?"

Caramba! Como este mundo é pequeno!

quinta-feira, agosto 05, 2010

Privacidade

Num país em que as caras dos detidos preventivamente podem ser livremente expostas na comunicação social, assumidos como criminosos perante a opinião pública, mesmo que depois venham a ser absolvidos;

Num país em que escutas telefónicas privadas são publicadas impunemente na imprensa, não obstante estarem sujeitas a segredo de justiça;

Num país em que os "paparazzi" fotografam sem limitações, do exterior, cenas em residências particulares de figuras públicas, sem autorização.

Nesse país, a Comissão Nacional de Proteção de Dados decide proibir que a Google Street Views filme as ruas das cidades, como se o conceito de privacidade fosse pior cuidado em outras metrópoles (onde se assume que esses direitos não estão a ser respeitados) como Nova Iorque, Londres, Berlim ou Paris.

Pensar o mundo

Tal como o Notas Verbais bem sugere, também eu recomendo vivamente a leitura da entrevista que Teresa de Sousa faz a José Manuel Felix Ribeiro, no "Público" de hoje.

Os espíritos verdadeiramente livres são aqueles que ousam dizer aquilo que pensam, não necessariamente contra a maré dominante, simplesmente ignorando a existência desta. Felix Ribeiro sempre me pareceu ser uma dessas pessoas.

Nos tempos em que ambos andávamos na direção de lutas universitárias, na passagem dos anos 60 para os 70, ele era, indiscutivelmente, um dos mais brilhantes tribunos e estrategas da academia de Lisboa. Depois, por muitos anos, perdi-lhe o rasto e só voltámos a encontrar-nos em painéis de discussão sobre temáticas económicas, já na década de 90. Felix Ribeiro tinha então atividade destacada em departamentos oficiais de prospetiva e planeamento mas, confesso, algumas das suas teorias nem sempre me convenceram. Porém, ouvi-lo com muita atenção foi o que sempre fiz, por ter a garantia de, com isso, ir aprender alguma coisa de importante.

Não tendo tido nunca a tentação de seguir um percurso de "medinacarreirismo" televisivo, assumindo dúvidas, fugindo ao tremendismo futurista e dando raras entrevistas, Felix Ribeiro tem a virtualidade de nos demonstrar como é relevante saber coligir informação sobre as grandes questões mundiais e, ao mesmo tempo, saber trabalhá-la de forma original e inteligente. O que ele diz nesta entrevista sobre a Europa e o euro, sobre a Alemanha, a China, a Índia, o mundo árabe e o papel possível de Portugal é algo imperdível. Leiam-no aqui.

Embaixador Teixeira da Silva

Contrariamente ao que possam pensar, este nome não é de nenhum embaixador português ou de algum país da CPLP.

Pascal Teixeira da Silva é um diplomata francês que ontem foi nomeado pelo presidente Nicolas Sarkozy como novo embaixador de França em Lisboa.

Os votos de uma missão feliz, que aqui lhe deixo, vão de paralelo com a grata satisfação que é constatar que a família do próximo ocupante do palácio de Santos é oriunda da diáspora portuguesa.

Em tempo: veja, a propósito, o que hoje escreve Ferreira Fernandes no DN.

quarta-feira, agosto 04, 2010

Volta a Portugal

Com as etapas antecedidas, na televisão, por uma cobertura musical frenética e um tanto "pimba", começou ontem a Volta a Portugal (a 72ª!) em bicicleta. Dado que parece serem os municípios que subsidiam as etapas, não admira que os presidentes das Câmaras sejam hoje vedetas regulares dessas transmissões, nelas debitando diariamente banalidades regionalistas. Se isto pode contribuir para estimular o turismo interno, tudo bem.

Em abono da verdade, devo dizer que, para além dessa espécie de Poulidor português que se chama Cândido Barbosa - um popular ciclista, que nunca conseguiu ganhar uma Volta -, a quase generalidade dos nomes dos participantes diz-me muito pouco. E, talvez por essa razão, olho hoje muito desinteressado para o espetáculo.

Nem sempre foi assim. Na minha juventude, a chegada da Volta a Vila Real era um momento de grande emoção, tanto mais que então acompanhávamos, ao segundo, a evolução da classificação geral (e, também, de montanha e por pontos). Pela rádio, ficava a saber-se, a certa altura, que "já chegaram ao Alto de Espinho!", pelo que imaginávamos a descida rápida desses 15 km, que antecedia a curta subida para a meta na cidade. Depois, nas horas seguintes, era o espetáculo bizarro e colorido dos ciclistas sentados pelas esplanadas da avenida Carvalho Araújo, de chinelos, antes de recolherem às pensões Excelsior, Mondego, Coutinho ou Areias - salvo as equipas ricas, que se permitiam os luxos do hotel Tocaio.

Mas é da cobertura televisiva que também queria falar hoje, para lembrar um nome do jornalismo desportivo que, na minha memória, permanece ligado à Volta a Portugal: Amadeu José de Freitas. 

Era um homem simpático, com uma voz agradável, um grande nome da rádio e do jornalismo desportivo, que teve responsabilidades de direção naquele que foi o terceiro mais importante jornal desportivo do país, o "Mundo Desportivo" (ou outros eram, naturalmente e por essa ordem, "A Bola" e o "Record", vindo depois o regional "O Norte Desportivo"). Escreveu vários livros, acabando por ter uma morte trágica.

Creio que muitas gerações de telespectadores foram "educadas" no ciclismo através de Amadeu José de Freitas, para além de o terem "conhecido" como um dos mais capazes relatores de futebol - ao lado de Artur Agostinho ou Nuno Braz. Nunca o encontrei pessoalmente, mas ele faz parte das figuras que muito me ajudaram a entender o ciclismo português. Aqui lhe deixo o meu tributo, acompanhado da música que, desde há muito, associo à Volta.

"Sunny"

Há alguns cantores e compositores que ficaram conhecidos apenas por uma canção, êxitos que se lhes colaram à pele profissional e lhes marcaram as vidas - e que talvez os tenham "perseguido" ao longo de toda a carreira.

Estou muito longe de ser um especialista em música, pelo que pode ser defeito meu não conhecer outras canções importantes de Bobby Hebb, que agora morreu, além do seu sempiterno "Sunny", de 1966. Desse tema, tenho interpretações de Frank Sinatra, Dell Shannon (outra "vítima" da "canção de carreira" com "Runaway"), Marvin Gaye, Dusty Springfield, James Brown e os The Four Tops. E recordo muito bem, nos idos de 90, ter ouvido ao vivo a célebre versão de Georgie Fame, numa bela noite no "infamous" Ronnie's Scott, a catedral londrina do jazz.

Ouçam aqui a versão original de Hebb.

terça-feira, agosto 03, 2010

Bacalhau


O olhar trocado entre os nossos convidados não iludia. Havia um qualquer mal-estar entre todos eles, cuja razão não entendíamos. O resto do jantar iria confirmar que havíamos cometido uma "gaffe" diplomática.

Estávamos na Noruega, em 1979. Era o meu primeiro posto, como funcionário diplomático. A Noruega era e é um país de ótimo bacalhau, Não se estranhará, assim, que, mal lá chegado, eu tivesse procurado abastecer-me do produto. Nunca mais esqueci o nome, com sonoridades medievais, do cidadão português que passou a ser o meu fornecedor: Pero Diniz de Paiva.

O primeiro jantar "formal" que organizámos foi, como é natural, dedicado aos primeiros norugueses de quem nos havíamos tornado amigos. Num gesto que pretendemos fosse de gentileza, numa espécie de celebração da relação luso-norueguesa, decidimos apresentar um prato de bacalhau.

À chegada à mesa desse prato principal, eu havia decidido revelar aos presentes a intenção subjacente à nossa escolha. Os nossos convidados sorriram com simpatia e agradeceram o nosso gesto, iniciaram a degustação e... começaram, discretamemente, a pôr de lado o bacalhau, fingindo apenas que comiam. Não havia qualquer dúvida: não apreciaram o que lhes tinha sido oferecido. A nossa primeira iniciativa social fora um fracasso.

Ao contarmos o sucedido, dias depois, a um outro amigo, tudo ficou explicado. O bacalhau seco, para certa geração norueguesa, era um produto que ficara associado a um período trágico da vida do país, ao tempo da ocupação nazi. Como era barato e de fácil conservação, era usado em abundância pelas comunidades rurais isoladas, recordando assim tempos tristes e de miséria. Oferecer um prato de bacalhau seco em Oslo equivaleria, julgo eu, ao gesto catastrófico que hoje seria servir "peixe seco" à nova burguesia de Luanda.

Mas - convém que se diga - o bacalhau, na sua versão de peixe fresco, continua a ser hoje um produto muito apreciado na (muito duvidosa, na minha opinião) gastronomia noruguesa. Seco é que nunca! Ou melhor: só para exportar, a "preços nórdicos", nomeadamente para os pobres portugueses, espalhados pelo mundo...

Resta dizer que a imagem de Portugal e dos portugueses, nomeadamente em França, continua muito ligada ao consumo do bacalhau seco. Ainda que, nos dias de hoje, alguns outros países - a começar pelo Brasil - sejam muito mais importante consumidores do que nós, os portugueses passam por ser compulsivos fanáticos dos vários modos de cozinhar o antigo "fiel amigo" - e digo "antigo" porque os preços hoje já não permitem usar com propriedade o dito "p'ra quem é, bacalhau basta".

Os portugueses, aliás, contribuem voluntariamente para manter essa imagem, ao terem criado, um pouco por todo o mundo, mais de uma centena de "Academias do Bacalhau", uma rede de confrarias de jantaradas, originalmente surgidas no seio das comunidades portuguesas, a qual, ainda este ano, reunirá o seu "Congresso" em Paris.

Meo

Há dias, tive a infeliz ideia de procurar obter o serviço televisivo da Meo, uma espécie de heterónimo em que a PT se desdobra. Ingénuo, liguei para o número indicado no folheto. Fui atendido por uma "Marta" qualquer, que me falava um delicioso "tecniquês". Como estava com tempo, comecei por ter alguma paciência. Ao final de uns minutos, durante os quais procurei traduzir em linguagem para leigos as questões que me eram colocadas (entremeadas com o nº do contribuinte, BI e outras especificações cumulativas), foi-me dito que tinha uma conta em débito, de 50 e tal euros, já de Março de ano passado, e que, antes de poder ter o serviço Meo, teria de a pagar. 

Fiquei surpreendido, porque liquido sempre tudo por débito automático em conta, mas, desejoso de arrumar o assunto, perguntei como poderia efetuar o pagamento. E começou a saga. Eu tinha de falar com o departamento de faturação. Não podiam ser eles a ligar para lá? Não, era "procedimento" da empresa ser eu a fazê-lo. Então era eu que ia à procura de uma conta cuja origem não sabia, sobre a qual não tinha qualquer aviso? Assim era e assim foi.

Longos minutos passados, entre o "darem-me música" e o saltitar de opções de teclas, lá me apareceu outro "Marta" que, depois de aturada investigação, me informou que a matéria passara para o contencioso e que era com esse departamento que agora teria de falar. Podiam ligar-me para eles? Nem pensar! Era "procedimento" da empresa que tinha de ser eu a iniciar outra busca telefónica. Já devia ter desconfiado... De notar que, nesta fase do processo, a minha paciência começava a esgotar-se e os "Martas" sentiam isso na minha linguagem.

E lá fui, telefonicamente, para o contencioso, onde, depois de imensa espera e amplas buscas, me informaram que tinha já juros e me deram um determinado número de processo para poder pagar. Mas isso só era possível numa loja PT, nunca por multibanco - não faltava mais nada que isto fosse fácil!

Como eu tinha visto que havia uma loja PT perto de casa, foi-se lá tentar pagar. Na primeira visita, depois de 45 minutos de espera em fila, não foi possível detetar o débito: aparentemente eu não devia nada.  Numa segunda visita, com nova informação que eu tive de obter do contencioso, lá descobriram o montante em falta. Pronto: tudo ia ser resolvido, mas - atenção! - teria de ser em cheque ou em "cash". Não aceitam multibanco... claro! Quando se pretendeu pagar, a surpresa final: por ser uma loja concessionada, não era possível aceitar pagamentos de contas "em contencioso". Só numa "loja oficial PT". É nestas alturas que o calor também não ajuda à contenção verbal, como a balconista "concessionada" terá concluído. Lá se irá amanhã à "loja oficial"...

Resta dizer que, se conseguir vir a pagar (o que não é certo ainda) a tal misteriosa fatura (que nem quero saber a que respeita), o processo da aquisição do serviço Meo terá, então, de iniciar-se, de novo. Devo ter Meo em casa quando aterrar na rue de Noisiel.  E, com isto, terei perdido, ao telefone e pessoalmente, bastante mais de duas horas do "meo" tempo, faltando o que ainda está para vir.

É uma pena que Henrique Granadeiro e Zeinal Bava não necessitem de recorrer aos serviços da PT.

E devo dizer que agora percebo melhor agora porque há tantos crimes de sangue no verão.

Em tempo: a publicação deste post originou contactos da PT por mail e pelo telefone. Fico grato pela atenção. No caso do mail, respondi da seguinte forma:

"Aparentemente, com o pagamento que (ainda ontem) se conseguiu fazer (mas que obrigou a uma deslocação a um centro comercial e à perda total de cerca de mais de uma hora), a famigerada conta foi finalmente liquidada, embora continue sem saber a que respeitava e porque era devida. Espero assim que o processo de obtenção do Meo possa vir a iniciar-se (48 horas depois desse pagamento, ao que nos foi dito). Logo veremos se assim é.

O que me parece incrível é que, num caso como este, devido aos bizarros "procedimentos" da empresa, tenha de ser o cliente a andar a saltitar de uma instância da empresa para outra, não lhe sendo sequer facultada a possibilidade do assunto ser "passado" no quadro da mesma chamada telefónica. As vezes que tive de contar a mesma história foram imensas. E foram muito longos os minutos de espera. Ora, numa lógica de apoio ao utente, um cliente deveria ser tratado como uma única entidade por todos os departamentos da empresa: a partir do momento em que faz o contacto, o seu assunto deve ser seguido de forma sequencial, não devendo ser obrigado a repetir o problema a várias pessoas.

Por outro lado, acho insensato que - tal como pedi - não me tenha sido possível obter um código para pagamento por multibanco, da mesma forma que na loja PT ("concessionada") a que fomos não aceitassem esse tipo de pagamento. Numa era como a atual, uma empresa como a PT não deve contribuir para que haja necessidade de alguém se deslocar a um determinado local para pagar algo. Isso deve poder ser feito à distância, por internet ou por transferência bancária. No passado, a publicidade ao uso do telefone era "não vá, telefone". Muitas décadas depois, o lema da PT parece ser "não telefone, vá".

Uma nota final positiva: todas as pessoas da PT contactadas, telefónica ou pessoalmente, foram de um cordialidade profissional a registar, independentemente de não conseguirem dar o andamento pretendido ao problema."

segunda-feira, agosto 02, 2010

Partidos televisivos

Posso estar enganado, mas julgo que a generalidade dos portugueses não deve ter consciência de que o que se passa nos espaços informativos das suas televisões, em termos de informação política, não tem hoje paralelo na generalidade dos países de idêntica dimensão democrática. 

A circunstância de, a propósito de qualquer questão pública, aparecerem porta-vozes das diferentes forças políticas, normalmente tendo como pano de fundo os "Passos Perdidos" ou corredores do nosso parlamento, a debitarem diariamente a sua opinião, constitui um caso praticamente único. Criou-se em Portugal um "politicamente correto", um insuperável temor reverencial face ao sindicato das forças partidárias que faz com que, para evitar acusações de descriminação, todos sejam sempre ouvidos, a propósito de tudo e de nada. A relevância jornalística dos temas, que deveria ser o referencial para a dimensão das peças televisivas, é hoje um factor menor, perante o receio de acusações de favorecimento político. Já não se trata de respeitar o contraditório, de contrabalançar os pontos de vista: é necessário ouvir sempre, e cumulativamente, PS, PSD, CDS-PP, PCP e BE. O ridículo só mata quando dele se tem consciência e, aparentemente, em Portugal essa consciência não existe.

Essa é também uma das razões - somada aos acidentes, aos crimes e às peças sazonais (incêndios, praias, calor e estradas) - pela qual os telejornais, em Portugal, têm uma extensão verdadeiramente terceiro-mundista, única na Europa. Para quem não saiba, convém lembrar que, na generalidade dos países "civilizados" (e não elaboro deliberadamente sobre isto), os noticiários não ultrapassam 30 minutos, os diretos aos correspondentes no local não excedem um minuto e as peças sobre um determinado tema muito raramente vão para além dos 5 minutos. Por cá, é o que se vê!

Em tempo: num comentário a este post, a Dra. Helena Sacadura Cabral lembrou - e bem! - que os partidos políticos dispõem igualmente, em termos de quota de débito discursivo televisivo, de vários espaços de "frente-a-frente" e de outros modelos de programas onde estão representados, mais ou menos formalmente. Enfim, "tempos de antena" diários... 

domingo, agosto 01, 2010

Ruy Patrício

Conheci pessoalmente Ruy Patrício quando cheguei ao Brasil, como embaixador, em 2005. Foi em casa de Alberto Xavier, naquela que acabou por ser uma longa e agradável noite de conversa, onde falámos de amigos comuns e trocámos histórias de vida. Eu tinha curiosidade em conhecer o último ministro dos Negócios Estrangeiros do regime para cujo derrube tinha modestamente contribuído, em 1974. Ao Ruy, presumo, terá sido interessante saber um pouco mais do novo representante diplomático que Lisboa mandara para o Brasil, dos muitos que conhecera desde o exílio que se auto-impusera, depois da Revolução. Lembro-me bem de, nessa noite, lhe ter dito, na presença de um seu filho, que seria imperdoável se não publicasse as suas memórias.

Durante os anos que permaneci no Brasil, construímos uma muito agradável convivência, chegando mesmo a planear escrever um livro "a dois" - uma espécie de cruzamento de leituras sobre o papel de Portugal no mundo, antes e depois do 25 de abril. Julgo que o Ruy não me levará a mal a revelação pública desta nossa ideia. Por insuperáveis dificuldades logísticas e de agenda, nunca levámos a ideia à prática. Tive pena.

Há meses, a Leonor Xavier disse-me que estava a fazer uma longa entrevista ao Ruy, que iria passar a livro. Mandou-me o texto e, sobre ele, escrevi um comentário que, ao lado do de outros colegas diplomatas, é publicado na contracapa do livro:
 
"Ruy Patrício, um homem sem angústias na fidelidade ao seu passado, ajuda-nos a melhor entender certas decisões assumidas na política externa do Portugal de então, num curioso retrato, a preto e branco, do estertor da ditadura – uma foto, em alto contraste, de dois mundos separados por uma certa noite de Abril."

B & B

Há bastantes anos que ouvia falar daquele restaurante, situado numa certa capital de distrito, onde não vou muito e onde tinha escassas refe...