Há dias, atentei numa cerimónia em Londres onde se honrava a memória dos 453 militares britânicos mortos no Afeganistão, na decorrência da ação militar desencadeada nesse país por uma coligação de forças liderada pelos EUA. Recordo que se tratou da resposta militar aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, a coberto de um mandato das Nações Unidas, com indiscutível legitimidade. O Afeganistão acolhia grupos terroristas que, naquele como noutros casos, se tornaram fortemente detrimentais para a paz mundial. Portugal integrou essa ação e fez bem.
Porém, ao refletir sobre os 453 mortos britânicos (para 2356 americanos e 2 portugueses), não pude deixar de comparar este sacrifício com o resultado efetivo deste esforço político-militar. Olhando para o Afeganistão dos nossos dias, para a extrema fragilidade das suas instituições políticas, para a permissividade ao compromisso com alguns grupos de "talibans" claramente responsáveis por ações de extrema violência, observando os efeitos que a campanha teve na perigosíssima desestabilização do Paquistão, a interrogação é legítima: valeu a pena? Se eu me coloco esta questão, muito mais legítimo é que ela surja aos familiares dos mortos.
Nos últimos tempos, temos vindo a assistir a uma evidente retração do Reino Unido no cenário político-militar global. O tradicional "compagnon de route" dos EUA mostra-se cada vez mais relutante a envolver-se em aventuras militares, sendo a da Líbia, em 2011, a última conhecida - cuja resultante está bem longe de se poder considerar brilhante. Pensando nos 453 mortos no Afeganistão, no peso orçamental de umas forças armadas qualificadas, nos militares e nas suas famílias, pergunto-me sobre a liberdade que um governo como o britânico terá hoje para comprometer tropas em zonas de conflito e de risco, que não sejam percebidas pelas populações como representando a sua fronteira natural de segurança.
E dei comigo a pensar sobre a NATO, sobre o artigo 5º do seu tratado constitutivo, sobre a agressão a um Estado dever ser considerada como uma agressão a que todos os outros têm de responder. Até que ponto a acumulação destas frustrações geopolíticas, a atenção crítica das opiniões públicas, o regredir do patriotismo, a leitura diferenciada dos interesses não terá já corroído os fundamentos de um compromisso que vem de um tempo em que o adversário era claro e existencial, em que quase ninguém aceitava o princípio complacente do "better red than dead"?
Esta é uma questão da maior importância, num tempo em que se ouve Jean-Claude Juncker falar, com alguma ligeireza, da necessidade do "exército europeu"? Onde está o "patriotismo" europeu que pode levar alguém, algum dia, a correr o risco de poder morrer em combate longe da sua fronteira natural? Devemos refletir muito bem em tudo isto quando analisamos a questão da Ucrânia e das fronteiras NATO por essa área.