Há várias inovações substantivas neste texto face às estratégias de segurança nacional “convencionais” pós‑Guerra Fria, tanto de conteúdo como de estilo político‑doutrinário.
Rupturas de enquadramento geral
O documento rejeita frontalmente a ambição de “liderança global” ou “dominação” americana como objetivo legítimo, redefinindo a estratégia como defesa de um conjunto estreito de “core national interests” e qualificando as estratégias anteriores como listas difusas e maximalistas. Afirma explicitamente que a finalidade da política externa é apenas proteger interesses vitais e que muitas questões globais, por mais “dignas”, não devem ser objeto de ação americana prolongada.
Ideologia interna como variável de segurança
Há uma fusão inédita entre agenda interna e segurança nacional: combate a DEI, reindustrialização, energia fóssil, restauração da “saúde espiritual e cultural” e promoção de “famílias tradicionais” são elevadas a pré‑condições diretas da segurança externa. A defesa de meritocracia, oposição a “radical ideologies” internas e reforço do estatuto do trabalhador americano surgem como princípios estruturantes da estratégia, não apenas como política doméstica.
Migração e soberania: rutura programática
O texto declara que “a era da migração em massa acabou” e define controlo de fronteiras como elemento primário de segurança nacional, ligando imigração a “invasão”, crime, fragmentação social e ameaça à sobrevivência da república. A defesa da soberania é levada ao ponto de ver com suspeita organizações internacionais, ONGs transnacionais e mesmo a utilização da imigração para “construir blocos de voto leais a interesses estrangeiros”.
Relação com aliados e instituições
Surge uma doutrina de “burden‑shifting” mais dura: o texto proclama “fim dos dias em que os EUA sustentam a ordem mundial como Atlas” e introduz como novo marco a “Hague Commitment”, em que os aliados da NATO se comprometeriam a gastar 5% do PIB em defesa, indo muito além do objetivo de 2% consagrado em cimeiras anteriores. Paralelamente, recusa a lógica de alianças em expansão contínua (NATO) e insiste em condicionar ajuda e acordos à redução da influência de atores externos (sobretudo China) em infraestruturas e ativos estratégicos.
Doutrina regional inovadora
No hemisfério ocidental, formula um “Trump Corollary to the Monroe Doctrine”, declarando a preeminência americana no continente como condição existencial e assumindo o uso de força letal contra cartéis e redes de tráfico, bem como reconfiguração da presença militar para esse fim. Em África e no chamado “Sul Global”, substitui retoricamente a lógica de ajuda por uma orientação centrada em investimento, acesso a minerais críticos, energia (incluindo nuclear) e integração financeira em torno do dólar.
Economia, energia e tecnologia como eixo
A estratégia apresenta um programa de “reindustrialização” e reshoring como ferramenta central de segurança, articulado com o uso sistemático de tarifas, controlo de cadeias de valor estratégicas e “mobilização nacional” para reconstruir a base industrial de defesa, incluindo capacidade de produzir armamento barato em massa. No domínio energético, proclama “energy dominance” em petróleo, gás, carvão e nuclear, rejeitando explicitamente as agendas de “climate change” e “Net Zero” como desastrosas para EUA e Europa e como formas de subsidiar adversários.
Narrativa de “realinhamento pela paz”
O documento reivindica uma doutrina de “realignment through peace”: utiliza acordos de paz presidenciais, inclusive em teatros considerados periféricos, como instrumento deliberado de expansão da influência e abertura de mercados. Atribui a Trump um estatuto de “President of Peace”, com uma lista de oito conflitos supostamente resolvidos no início do segundo mandato (incluindo Israel‑Irão, Índia‑Paquistão, DRC‑Ruanda, fim da guerra de Gaza com libertação total de reféns), algo claramente distinto da prática e da retórica de estratégias anteriores.
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