Tenho o maior respeito por quem se preocupa sinceramente com a corrupção e o tráfico político de interesses, que constituem fatores de degradação da confiança dos cidadãos no sistema político e de justiça e, no âmbito externo, prejudicam a imagem do país e afetam a sua atratividade para os investidores. Não se pode estar a pedir sacrifícios aos cidadãos e, paralelamente, permitir que alguns acumulem fortunas através de "arranjinhos" e meios desonestos.
Por essa razão, sempre que vejo figuras como Marinho Pinto ou Paulo Morais a denunciarem a corrupção na sociedade portuguesa, a minha primeira e automática reação tende a ser positiva. Porém, olhando com algum cuidado e sentido de responsabilidade para aquilo que dizem, raramente encontro elementos verdadeiramente palpáveis e prováveis (usando a expressão, não no sentido de plausíveis, mas no de serem passíveis de provas). O que quase sempre vejo nessas declarações, infelizmente, é uma colagem, fácil e demagógica à "vox populi", a generalizações, ao "diz-se", ao "toda a gente sabe, mas não se pode provar", o que é o modo mais fácil, populista, perigoso e injusto de abordar estas questões. Aqui ou ali, agarram pedaços de verdade e, com isso, tentam dar foros de credibilidade ao resto - e, nesse resto, enlameiam muitas vezes, com insinuações e seguidismo de suspeições mediáticas, gente honesta.
Nos últimos anos, fruto da situação de urgência financeira e das imensas dificuldades que esta acarreta para vida de muitos, a imprensa e a voz corrente desenvolvem uma muito maior atenção para tudo quanto se prenda com questões de dinheiro - salários, fortunas, gastos, privilégios, etc. É perfeitamente compreensível que isso assim ocorra, mas, em consequência disso, o país desenvolveu uma inédita cultura de inveja, de rejeição do sucesso, punindo a riqueza, mesmo a mais legítima. Não se pode estar, constantemente, a apelar a maior investimento privado, como fonte quase única do crescimento de que o país necessita, e, simultaneamente, espalhar a ideia subliminar de que quem enriquece, por mais legítimos que sejam os meios de quem o faz, é uma espécie de potencial criminoso. Sem par num passado recente, está hoje gerado um ambiente de desconfiança na iniciativa privada que favorece todas as teorias conspiratórias e que, a cada esquina, deteta vigarices, ilegalidade e compadrios. Algumas existem, claro, mas o facto de se tender a vislumbrá-las em praticamente tudo acaba por infirmar o argumento.
É uma pena que a sociedade civil não seja mais exigente com os partidos políticos nesta matéria, que os não obrigue a uma atitude séria sobre as medidas a implementar para restaurar a confiança pública na vontade do Estado de pôr cobro a este flagelo. Como? Não seria preciso "descobrir a pólvora". Bastaria atentar em legislação análoga estrangeira, proibir certas acumulações de cargos políticos com ligações económicas, dar às estruturas de investigação meios especializados para melhor lutar contra este tipo de crimes. Sem entrarmos numa "caça às bruxas", seria perfeitamente possível estruturar uma nova e mais exigente malha legal e regulatória.
Porém, se o sistema político vier a demonstrar-se incapaz de afirmar determinação nesta matéria, o caminho fica aberto para que a demagogia populista faça entretanto o seu caminho. Os dois próximos atos eleitorais, tudo assim o indica, serão terreno privilegiado para a glória desse "justicialismo" que, sendo embora "de trazer por casa", pode vir a revelar-se muito deletério para a sociedade e para a democracia portuguesas.
10 comentários:
Senhor Embaixador, uma nota apenas ao seu comentário. Alude no terceiro parágrafo a "cultura de inveja, de rejeição do sucesso, punindo a riqueza, mesmo a mais legítima" como fenómenos inéditos em Portugal. Permita-me que discorde frontalissimamente. A cultura Portuguesa sempre teve essas caracteristicas. É parte do ADN Português e já em 1915 Teixeira de Pascoaes a isso aludia no seu "A Arte de Ser Português". Mais recentemente mas ainda de tempos anteriores à crise, de 2008, um divertido e muito realista texto de Vitor Bento alude à mediania Portuguesa e à forma como tenta cortar quem tenta destacar-se. Deixo-lhe e aos demais leitores deste blog o "Síndrome da Sebe". Pode ser lido em http://www.sedes.pt/blog/?p=325
Fie-se na iniciativa privada e não corra, Senhor Embaixador, que ainda acaba enGESsado...
a) Feliciano da Mata, cavalheiro de industria
Não é correcto o que diz sobre Paulo Morais. É profundamente injusto.
Paulo Morais, sempre que critica o problema da corrupção, fá-lo com recurso a factos, exemplos e situações que sucederam. E nunca desmentidos. Jamais com demagogia e nunca manipulando esses mesmos factos.
Paulo Morais não tem ambições políticas. Não precisa da política para viver.
É um homem sério e como não tem papas na língua e é contundente quando ataca o grave problema da corrupção, acaba por incomodar muita gente. Mais do que aquela que imaginamos...
Se calhar, se fosse mais meigo na sua postura, ou combate, já seria um tipo aceitável.
Ainda bem que não é e se comporta com a seriedade e lucidez que conhecemos.
Lourenço
Caïn matou o Abel porquê? A inveja tem a idade da humanidade. Quando se é muito rico tem-se todas as possibilidades de um dia ser ainda mais rico, ao passo que quando se é pobre, a possibilidade de ficar pobre é muito alta. E hoje ainda mais pobre.
Criar riqueza é diferente de ser rico. Pode-se herdar a riqueza, mas para ser rico é preciso criar a riqueza. Steve Jobbs e Bill Gates criaram riqueza. Passos Coelho ou François Hollande ou outros políticos ou dirigentes não criaram nada. Mas os dois podem gastar, dilapidar a riqueza criada.
Mas como é possível julgar a inveja a partir da miséria? A maneira como é dilapidado o dinheiro publico e o modo de vida ostentador e insultante mesmo de muitos ricos podem suscitar a inveja, quando aqueles que vão trabalhar, suam sangue e água para alimentar os filhos e pagar as facturas no fim do mês, com salários de 6OO euros. Mas talvez seja mais fácil culpabilizar os que não têm nada, e que assistem ao espectáculo desastroso da sociedade ( dirigida pelos ricos e não pelos pobres ):
- Abuso de influência ou de poder, abuso da fraqueza dos mais pequenos, favoritismo, vigarice em bando organizado, corrupção, enriquecimento pessoal, conflito de interesses políticos e negócios, nepotismo, malversaçao, fraudes de todo o género, compra de votos, etc.
Esta riqueza de vocabulário contrasta violentamente com a miséria moral e politica de muitos dirigentes duma república que deveria ser irrepreensível.
A corrupção é um flagelo mundial cujo custo político, social, económico, sanitário e ambiental é considerável. EUA, Rússia, China, África, Europa, Brasil, o mundo da corrupção não tem fronteiras, porque o sistema económico é o mesmo.
Mais ainda: é um atentado contra os direitos do homem e os fundamentos da democracia.
Destrói o espírito cívico e provoca uma perda de confiança das populações nas instituições e os dirigentes.
E o que é talvez pior, desencoraja os investimentos privados nos países com corrupção endémica que são precisamente os mais pobres e que mais necessitam de investimentos.
O Senhor Embaixador exprime um voto piedoso que os partidos políticos deviam escutar, para combater a corrupção.
Mas as formações politicas "ditas de governo", aparecem cada vez mais com linhas "vaporosas", capazes de fornecer passarelas confortáveis para os dois lados. Não irei até ao ponto de dizer que são intermutáveis, mas uma "compreensão" profunda existe entre elas, porque as leis da economia a isso as obriga.
Em Portugal e noutro pais que conheço bem (!) a ocasião é bela para se desmarcar duma gestão desastrosa e sem saída,que anuncia o afrontamento quase inevitável com as vítimas das medidas celeradas operadas sob a ditadura da oligarquia financeira internacional.
Caro Lourenço: eu não coloquei em dúvida a seriedade do dr. Paulo Morais.
Nestas questões, que afetam profundamente a dignidade das pessoas que são acusadas, a questão é muito simples: ou se está na posse de provas concretas e se entregam essas provas à Justiça, para ela decidir, ou, se não se tem essas provas, ou se apenas se opina com base em indícios do "diz-que-diz", deve manter-se alguma contenção naquilo que se afirma.
O que eu tenho visto nas posições do dr. PM é o recurso sistemático a um tremendismo generalizante, a um levantar de lebres que, depois, não consegue atingir com os seus tiros.
Quanto às eventuais ambições políticas do dr. PM, que aliás foram a razão que suscitou este post, aconselho-o a ler o jornal i de hoje: "Paulo Morais pondera ir a votos. “Se achar que posso ser útil, avançarei”: http://www.ionline.pt/artigos/portugal/paulo-morais-pondera-ir-votos-se-achar-posso-ser-util-avancarei
O ridiculo e a necedade não matam.
Pois claro que não.
Prevaricar também não ! Mas isto de corrupção com tanta habilidade como tem sido praticada nestes ultimos anos com tão pouca repressão é insuportável.
E mandar calar as vozes que gritam contra a corrupção não é a melhor forma. A melhor forma de o fazer, e a meu ver a única, é acabar com a corrupção. E aos mais espertos que se apliquem penas drásticas em consequencia e que não se deixem saír da jaula enquanto não devolverem o que roubaram.
José Barros
Caro José Barros: eu não quero que essas vozes se calem! Quero é que contem à polícia e à Justiça os casos de corrupção de que têm provas concretas, para os culpados "irem dentro". Apenas isso! Se não sabem nada, então é melhor estarem calados em lugar de levantar suspeitas que não conseguem provar.
Senhor Embaixador: de acordo com o que conteúdo do seu post.
Quanto ao Dr. Paulo Morais primeiro: quem tenha mantido com ele algum contacto de natureza politica-como é o meu caso- fica com alguma duvida quanto ao seu relacionamento com a democracia; segundo: o Dr Paulo Morais abandonou o seu lugar de vereador na Camara Municipal do Porto,ao tempo da presidencia do Dr. Rui Rio-por quem não tenho qualquer simpatia- acusando a existencia de actos de corrupção na Camara que nunca foi capaz de concretizar, e a partir de então resolveu "armar" em combatente contra a corrupção atacando tudo e todos,e claro focando-se em particular nos politicos a quem ele tem um verdadeiro odio de estimação.
Claro que o Dr. Paulo Morais se tem aproveitado do palco que os nossos solicitos lhe proporcionam.
Não exageremos na zona de conforto _ Na Alemanha e Grecia os submarinos deram condenações.
No Ges/Bes ainda estão dirigentes nitidamente responsaveis em funções, que com o que se sabe já deviam ter sido afastados.
Concordo que não é na praça publica que se deve pormenorizar estes assuntos ,mas que as diversas corporações e amizades tambem levam anos a ver se o assunto arrefece/esquece, tambem não ajuda nada a haver mais maneiras.
Os dois últimos parágrafos são tão demagógicos como a denúncia na praça pública dos actos de corrupção. Se a classe política tivesse intenções de fazer qualquer coisa já o teria feito. Nas duas últimas eleições os partidos foram convenientemente avisados com os resultados alcançados por Rui Moreira e Marinho e Pinto e no entanto não dão mostras de querem mudar. No fundo, não viram porque não querem ver.
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