terça-feira, outubro 21, 2014

Barroso e a UE

Durão Barroso terminou o seu mandato de cerca de dez anos como presidente da Comissão europeia. O tempo será, presumo, para alguns balanços.
 
Desde logo, um balanço português. Recordo que, quando Barroso foi escolhido pelos seus pares para presidente da Comissão europeia, tinha acabado de titular uma "luta" de algumas semanas para a colocação nesse lugar de António Vitorino. Nunca levei esse "esforço" muito a sério, até porque seria perfeitamente incongruente, mesmo tendo em conta o incontestável prestígio de Vitorino, que uma UE com predominância conservadora aceitasse um presidente da Comissão oriundo de outra área política. Barroso e os que o rodeavam sabiam isto muito bem; e, sobre isto, mais não digo. Na ocasião, a mútua anulação de alguns candidatos, num tempo em que ter sido antigo PM começava a ser um fator de peso, fez com que Barroso surgisse como uma solução de compromisso - com a óbvia vantagem de não ser uma figura forte, sendo já pressentido como maleável à vontade média de quem mandava no Conselho. Quem o escolheu, não se enganou.
 
Em Portugal, levantou-se um escarcéu pelo facto de Barroso ter "fugido" do governo e de Jorge Sampaio ter ajudado a esse passo. Nunca estive de acordo. É extremamente prestigiante para um país, em especial da nossa dimensão, que o chefe do seu executivo seja convidado para um lugar daquela importância, o qual, pelo menos teoricamente, projeta a nossa imagem internacional. Portugal não se pode dar ao luxo de desperdiçar, quando os ensejos ocorrem, possibilidades como esta. Jorge Sampaio procedeu muito bem ao ter "autorizado" a ida de Barroso. Para a nossa história doméstica ficará a eterna discussão sobre se deveria ou não ter aceite a solução endogâmica que o PSD lhe apresentou ou se não seria mais adequado ter promovido eleições antecipadas.
 
Agora, um balanço europeu. Na sua década de mandato, Durão Barroso esteve exatamente à altura daquilo que dele se esperava: quer por parte de quem o indigitou, quer por quem o conhece melhor. Barroso faz parte de uma "linhagem" de presidentes do executivo bruxelense que foram escolhidos depois de Delors, isto é, depois de uma personalidade que, em aliança objetiva conjuntural com o então "eixo" franco-alemão, fez a Europa dar um salto qualitativo em matéria institucional e de projeto. A Europa que se seguiu a esse tempo era já diferente, a ambição era outra e o peso do Conselho de ministros face à Comissão (também por via de compensação do poder crescente e inevitável do Parlamento europeu) estava em crescendo. Não foi por acaso que os governos foram escolhendo, sucessivamente, figuras do cariz de um Santer ou de um Prodi. E, depois, de um Barroso.
 
Durão Barroso adotou, no desenho institucional do seu papel à frente da Comissão europeia, precisamente a mesma "leitura" que dela fizera quando, como chefe do governo, negociou o defunto Tratado Constitucional. E projetou exatamente essa mesma perspetiva no modo como se colocou perante o Tratado de Lisboa, que historicamente foi o maior atentado ao poder da Comissão na história europeia, que teve então a cumplicidade objetiva do governo (socialista) português.
 
Barroso teve uma Comissão difícil de gerir. Pela primeira vez, nela se sentavam 27 comissários à volta de uma mesa, nomeados por governos que, em geral, tinham como agenda pouco escondida enfraquecer o poder dessa mesma instituição. A Comissão, e Barroso com ela, esteve muito mal no início da crise financeira, que inicialmente desvalorizou, antes de se ter assustado com ela. Esquizofrenicamente, impulsionou os Estados a promover doses maciças de despesa pública para, logo de seguida, se colar a uma política totalmente oposta, à subordinação a um modelo de forte austeridade: E ambas as políticas foram defendidas por Barroso, com o mesmo zelo. A Comissão, nesse percurso, "reganhou" algum poder, mas agora de natureza "polícia financeiro" face aos Estados membros.
 
Durão Barroso foi um presidente débil da Comissão europeia, muito pouco respeitado pelos grandes Estados e que, porque assim era pressentido pelos restantes, não soube ou não quis ganhar algum espaço junto destes últimos. Se a fragilidade dos homens ainda poderia justificar que, no primeiro mandato, tivesse de "jogar" para garantir a sua reeleição, já nada justificava que, no segundo mandato, não tivesse, a certa altura, "partido a loiça" e defendido com garra o papel central da Comissão. Um chefe do executivo europeu que, mesmo contra a Alemanha, tivesse a coragem de afirmar a necessidade de ser respeitado o método comunitário e soubesse "federar", numa aliança tática com o Parlamento europeu, as angústias de muitos Estados de pequena e média dimensão, da "outra Europa" mais frágil e necessitada de solidariedade, poderia ter perdido a partida, poderia mesmo ter sido forçado à demissão, mas teria provocado um choque institucional muito salutar, que poderia ter salvo a Europa. E ter ficado na sua história. Foi o que Durão Barroso não fez e que, no dia de hoje, o obriga a sair por uma pequena porta do Berlaymont.   

Em tempo: leia-se este balanço de Jean Quatremer

8 comentários:

Anónimo disse...

Mas o Senhor Embaixador esperava algo diferente? Seguramente que não.

Mais um que chegou onde chegou com o alto patrocinio da familia ES. Um homem de mão. O doutoramento nos "States" nunca o terminou mas agora foi recebendo uns honoris.

Só gostava que neste País algo fosse bem investigado. Começando no seu papel nos submarinos às sociedades que tem em 50% com o Arnaut e que servem para pagar "serviços" enquanto andou precisamente pela comissão. Faça-se o trabalho!

Jose Martins disse...

Senhor Embaixador,
Depois de tantas coisas hajam passado na minha, já longa, vida, graças a mim José Durão Barroso subiu, em flexa, na vida... Mas poderia lá ter sido, eu (na altura) um assalariado manga de alpaca, do MNE, ter guindado ao topo um político que dele pouco se conhecia obra...
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Lá pelos anos de 1988 e de quando marido da dr.ª Leonor Beleza, eng. Diogo Mendonça Tavares, vice-presidente do ICEP, passava por Banguecoque e vindo do Japão,onde procurava investidores japoneses para investir em Portugal, era eu (por recomendação do falecido embaixador Melo Gouveia) que cuidava dele nas suas voltas pela “Cidade dos Anjos.”

Um senhor, fim do ano de 1989, telefonou-me do hotel Oriental, desejar encontrar-se comigo, que era mais nem menos que o José Beleza e irmão da Dr.ª Leonor Beleza, Ministra da Saúde do PM Cavaco Silva.
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José Beleza, apresentou-se como empresário, com negócios na África do Sul, Alemanha e Brasil em Porto Seguro.
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José Beleza pretende instalar-se com escritório em Banguecoque e canalizar investidores tailandeses e de países vizinhos para Portugal. Fiquei encarregado de lhe tratar da parte logística e o arrendamento de um escritório. Assim fiz, com despezas. Pagas, da minha algibeira. Reembolsou-me depois. José Beleza iniciaria a sua actividade em Junho de 1990 em Banguecoque.
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Entretanto depois de me convidar para trabalhar com ele disse-lhe que não, mas que lhe indicaria um amigo, empresário de Macau, que além de falar inglês se expremia em tailandês.
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Fiquei estupefacto de quando surgiu na imprensa o escândalo, em que o envolvia a ele, a irmã Leonor Beleza, Costa Freire e mais outros. Fiquei preocupado porque já tinha pago pela renda do escritório 2 mil dólares.
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Junto ao dia 22 de Junho de 1990 telefonou-me (já fugido às autoridades portuguesas) não sei de onde a perguntar-me se eu já sabia do seu caso... Sim já sei mas não me acredito em tudo que a imprensa noticia. Posso ir para aí? A Tailândia é muito grande, respondi-lhe.
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José Beleza esteve na Tailândia durante dois anos, nunca escondido, movimentou-se por onde desejou. Claro que a secção consular da embaixada de Portugal passou-lhe dois passaportes (o Beleza nunca esteve na lista dos contumazes que chegava, nessa altura, por Mala Diplomática.
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O caso dos passaportes e a presença do Beleza em Banguecoque saltou para os tabloides da imprensa em julho de 1992 e de quando o João Deus Pinheiro terminou como ministro dos Estrangeiros, o primeiro semestre de 1992 e a primeira presidência de Portugal da União Europeia.
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Deus Pinheiro, empenachado e já a sonhar com o Palácio de Belém de quando o lamiré, a imprensa o coloca n a praça pública e entrevistado disse: “é inadmissível, e a secção consular da missão diplomática de Banguecoque tenha passado dois passaportes, ao José Beleza.
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Deus Pinheiro, imprevidente, não entendeu que a irmã de José Beleza era Leonor Beleza e uma amizade de Cavaco Silva. Deus Pinheiro foi destituído de MNE e no seu lugar, o seu assistente, José Durão Barroso, que dele, ainda nada se sabia.
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Deus Pinheiro, foi para comissário da UE, jogou golfe e frequentou a Praia dos Tomates no Algarve.
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Durão Barroso, para Ministro dos Negócios Estrangeiros, mais tarde para Primeiro Ministro e “cavou” para a União Europeia. De facto nunca parou de subir...Obra nunca se lhe conheceu. Apenas termina o seu termo com boa aparência e melhores carnes.
Seu admirador
José Martins

Unknown disse...

Comecei a trabalhar em 1991, na então DGCE, Direção Geral das Comunidades Europeias. Preparava-se a primeira Presidência Europeia. A vontade e a necessidade (no pun) de fazer bem levaram o Mne a contratar 70 tecnicos, vindos da Universidade. Quase 25 anos depois, andamos por aí, alguns ainda ligados ao Tema, outros menos, como eu. O entusiasmo no projeto europeu era total. Um mês depois de entrar no Mne, estava em Genebra, em pleno Uruguay Round, no qual o Francisco,Sr. Embaixador e meu SEAE, também participou. Na altura, o entusiasmo do Vítor Martins, Teresa Moura e Pedro Álvares, entre outros,contagiava quem trabalhava em prol da integração europeia, como então se dizia. Portugal era capaz. Portugal foi capaz. Mais tarde, em 91, o debate do widening vs deepening. Mas sempre a lição e orientação de quem mandava: a Comissão é a nossa aliada. Protetora dos fracos.Uma espécie de Robin de Locksley. O alargamento a 27, coloca a primeira tensão séria no sistema, a maior desde a adesão do Reino Unido.Os Balcãs, prova não superada com a traição alemã, evidenciaram a falha do sistema.Com o Tratado de Lisboa-verdadeira vitória de Pirro- enterra-se o poder arbitral da Comissão, substituido por um poder, tutelado, de supervisão. Do governo de todos,ao governo por alguns. Quem se lembra de utilizar o argumento da força da Comissão para defender o deepening? Eu não, e muito texto em contrario escrevi ex officio. Hoje, meio afastado, considero a saida do Euro como uma hipótese de sobrevivência. No meio disto, Barroso é uma entrada na Wikipedia. Onde estão O Delors e o Kohl? É preciso outra Guerra?

Joaquim de Freitas disse...

Longe de constituir um prestígio para Portugal, a nomeação do "barman" dos Açores correspondeu à intenção de pôr num posto chave da Comissão de Bruxelas alguém de flexível às ordens das potências que o nomearam.

Imagem do perfeito oportunista, Durão Barroso , capaz de fazer uma coisa e pensar outra, que, como dizia Martin Schultz , quando fala aos socialistas, é socialista, quando fala aos liberais, é liberal. Na realidade diz às pessoas o que eles gostam de ouvir."

Medo de desagradar aos poderosos, recusa de se opor aos Estados afim de preservar a sua própria situação, nenhuma coragem política, mas alinhamento permanente sobre o mundo anglo-saxão. Um escriba e longe de ser a caixa a ideias como Delors, para fazer avançar a construção europeia.
Se quisermos ser honestos, Barroso é o campeão dos referendos perdidos e uma abstenção tal que retira a base democrática à UE.

Outrora fiel depositário da mensagem albanesa e maoísta. Hoje, fiel lacaio de Frau Merkel, depois de ter sido favorável à invasão do Iraque, quando servia Bush, Blair e Azenar nas Lages.

Como primeiro ministro, conservará a nódoa da autorização dos 48 voos da CIA , utilizando o espaço aéreo Português, que levaram 700 prisioneiros para o centro americano de tortura de Guantanamo. Aliás, creio que não foi o único PM português que os autorizou.

Durão Barroso , era melhor que não fosse Português.

Anónimo disse...

Caro Francisco

Mas - perdoe-me a ignorância do macaco - quem é Barroso: o Durão ou o cherne?

Abç

patricio branco disse...

É extremamente prestigiante para um país, em especial da nossa dimensão, que o chefe do seu executivo seja convidado para um lugar daquela importância, o qual, pelo menos teoricamente, projeta a nossa imagem internacional." concordo totalmente, portugal e barroso deixarem fugir essa oportunidade rara, em nome dum principio do tipo o capitão não deve abandonar o navio, seria um disparate, um erro

Portugalredecouvertes disse...



Sr. Embaixador o seu post tem super poderes, já se escreve história!

Unknown disse...

A historia vai falar, mas o que Barroso disse a Cameron já devia ter sido dito há anos: e não por Barroso mas pela França ou Alemanha.
A feira de vaidades ainda vai prejudicar muito a UE.

Livro