As más relações entre aquele embaixador e o ministro dos Negócios Estrangeiros eram conhecidas. Um conflito entre os dois desencadeara uma "guerra" surda que se mantinha já há alguns meses, com alguma repercussão pública. O ministro suportava o diplomata porque, por um conjunto variado de razões, era-lhe conjunturalmente impossível "ver-se livre" dele. Mas, sempre que podia, não deixava de atuar de modo a tornar difícil a vida do embaixador. E este, quase sempre, respondia da mesma moeda e, nas suas respostas, roçava frequentemente a insolência. O ministério, deliciado, esperava para ver quem seria o primeiro a "quebrar".
Um dia, o embaixador decidiu protestar por escrito, a propósito de uma qualquer decisão de Lisboa que entendeu errada. Como era seu hábito nesse tempo de confrontação com o ministro, usou um tom agreste na comunicação. A atitude terá desagradado ao chefe da diplomacia, que decidiu responder-lhe de uma forma ríspida, dizendo-lhe que não admitia comunicações formuladas naquele tom. Usou, para tal, um modelo de comunicação muito raro nas tradições da "casa", isto é, assinando ele próprio o "telegrama" ao embaixador, subscrevendo-o como "Ministro". Em regra, todas as comunicações enviadas de Lisboa para os postos aparecem assinadas por "Nestrangeiros", uma designação coletiva que representa o MNE. Dessa vez, o ministro optara pela fórmula de exceção, seguramente para marcar bem a pessoalização do "ralhete", que logo circulou pelos claustros.
O embaixador "dormiu sobre o telegrama", como se diz na linguagem tradicional do MNE. Só no dia seguinte respondeu, enviando um curto telegrama em que fazia uma indireta alusão ao facto de ter sido o próprio ministro a subscrever o texto: "Telegrama de V. Exa. nº "tal" foi lido por mim com a atenção que a sua origem justificava e com a consideração que o seu conteúdo merecia".
Conhecidas as relações entre os dois subscritores, ficava claro o que a "consideração" expressa pelo embaixador significava. Porém, no plano estritamente formal, o texto estava "blindado", isto é, dele não se poderia, necessariamente, inferir qualquer propósito menos respeitoso. De qualquer forma, vários diplomatas mais antigos, conhecedores do rigor dos humores do ministro, ficaram à espera de ver surgir, como reação, o conhecido texto que indicia a retirada do embaixador do local de trabalho: "É Vexa chamado em serviço, sem regresso ao posto".
Porém, nada aconteceu. O embaixador continuou em funções. O ministro não terá tido a coragem ou, o que é mais provável, continuava a não ter a possibilidade de se "ver livre" dele. Tempos depois, viria a acontecer precisamente o contrário: o ministro viria a abandonar o lugar, sem honra nem glória. E foi o embaixador quem se "viu livre" do ministro. É a vida!
8 comentários:
Estas histórias são deliciosas, mas para alguém como eu, que nunca teve nada a ver com os meandros da diplomacia, criam graves problemas: quem serão os "artistas" nelas referidos?!
Pois...
Creio ter servido na mesma Missão em que isto se passou, com Vexa como Chefe dessa mesma Missão. Quanto ao ex-Ministro, vai perorando de quando em quando, por ali e por acolá, entre negócios por aqui e além mar.
Foram tempos divertidos (por essas razões que aqui nos recorda), embora de muito trabalho. Muito, mas redentor.
E depois da "queda" do Ministro, seguiu-se a "doçura" de uma Ministra.
Heitor, o ministro é certamente o pai de uma estudante de medicina que, espero, seja agora uma competente clínica.
Senhor Embaixador Francisco Seixas da Costa,
O Ministro que aqui refere é a prova de que até um diplomata que, tendo ocupado o lugar cimeiro do MNE, saiu em circunstâncias desagradáveis, pode partir da ocidental praia do 3º andar e "por mares nunca antes navegados" forjar uma nova carreira.
Com os melhores cumprimentos,
Henrique Souza de Azevedo
mural da estória: é mais fácil cair um governo que despedir um funcinário público.
Falta mencionar que o dito embaixador tinha a "cobertura" do então PR. Ser-lhe-ia dificil proceder assim, sem "danos" na carreira se tal facto não estivesse em cima da mesa. Atacar um Ministro sem apoios institucionais de qualquer tipo seria um acto muito mais corajoso. Tal como foi, a atitude esteve sempre devidamente "almofadada".
a) F.M. Silva
Pois pode o F.M Silva ter a certeza que o embaixador em causa em nada estava "almofadado" pelo então PR. Se acaso isso fosse verdade - e todo o MNE sabe que assim não foi - teria esse embaixador sido, tempos antes, afastado pelo ministro do posto onde estava colocado? A história que convém nem sempre é a verdadeira. E mais não digo.
Enviar um comentário