Parece evidente que Portugal vive hoje sem uma estratégia nacional clara, contentando-se a vogar ao sabor da conjuntura e de agendas externas que não domina. Por essa razão, o país limita-se a reagir na base de um casuísmo que, frequentemente, torna inglórios esforços sectoriais, por mais meritórios que estes sejam. A sensação que Portugal projeta, no plano externo, é a de um país que está de tal forma condicionado pela urgência financeira que colocou todas as suas restantes opções numa espécie de "pousio", à espera de melhores dias. Um país assim é uma presa fácil para o oportunismo externo.
Com a ausência de um pensamento orientador para o país e a aparente falta de vontade de o promover, a crispação e a clivagem criadas face aos sectores políticos alternativos, bem como às forças económicas e sociais, veio agravar esta imagem de desorientação, de mera "navegação à vista", que é a forma mais lamentável de se exercer a responsabilidade de Estado.
O que se passou com a "discussão" dos fundos do novo QREN foi bem revelador: em escassas semanas, pretendeu-se substituir, através de um modelo de "pareceres" e "consultas", um trabalho que deveria ter partido do cruzamento das novas disponibilidades com uma estratégia de Estado, previamente consensualizada, projetada no médio e longo prazos do novo quadro financeiro comunitário, que será o essencial do investimento público disponível para os próximos anos.
A responsabilidade essencial desta falta de orientação pertence, como é óbvio, ao governo. Mas não só. Desde logo, parece insólito que o presidente da República, em face de uma grave situação de crise, não tivesse tido, durante os últimos anos, a iniciativa de promover uma reflexão nacional sobre as grandes opções para o futuro do país, para ela convocando as forças políticas, económicas e sociais. Nada disto tem a ver com o patético Conselho de Estado para discutir o "pós-troika" ou com a bizarra semana de conversas entre a maioria e o PS, numa espécie de recado de "entendam-se!"
Num tempo tão turbulento, marcado pelo imediatismo da conjuntura, uma realização deste género - eventualmente apoiada no "conceito estratégico nacional" que uma comissão preparou para o governo em 2012 - poderia ter sido um valioso contributo para tentar consensualizar uma orientação para o país, válida para além dos ciclos políticos. E não se diga que o chefe do Estado não pode "meter-se" neste tipo de iniciativas: pelo contrário, a sua legitimidade política própria exige que exerça o seu papel para além da "espuma dos dias". Caso contrário, ficará condenado a que seja questionada a necessidade do presidente ser eleito pelo voto popular, bastando-lhe ser uma simples emanação da maioria parlamentar.
Termino com um reflexo externo desta evidente falta de estratégia. Na Europa, "ouve-se" há três anos o silêncio de Portugal, nota-se o olhar oficial angustiado para Berlim, a preocupação em furtar-se a qualquer política de alianças que possa ser menos bem vista pelos detentores da "safety net" que o governo acredita que os alemães nos estenderão, se alguma coisa "correr mal". No mundo, retraímos o dispositivo e a ação diplomática e hoje apenas "vendemos o país", limitados a uma imagem de "Oliveira da Figueira". É pouco e é triste. Portugal merecia melhor.
Artigo que hoje publico no "Diário Económico"
11 comentários:
Não está a ser justo comigo! Eu fazia bem melhor… Olhe como eu engrolei os criados do emir, a contar-lhes histórias de cortar o coração, para o Tintin conseguir entrar às escondidas no palácio! Se fossem estes senhores, entregavam logo o Tintin ao emir e ainda o Milou de bónus e só pediam de recompensa uma palmadinha nas costas e um olhar terno… Injusto, Senhor Embaixador, injusto com este seu admirador do seio da diáspora lusitana
a) Oliveira da Figueira, agora sócio de Feliciano da Mata num negócio de "visas gold"
Pois bem, Embaixador, hoje gostei do que escreveu. Por vezes tenho a sensação que se deixa enredar em floreados muito politicamente correctos e os tempos não estão para chás e tiradas de fino recorte.
Fale, Embaixador, fale e, se necessário for, dê um par de murros na mesa ou faça-se eco da opinião do que os 'outros' pensam da servil passiva posição de Portugal.
Desejo-lhe uma boa noite ou um bom dia, consoante a hora!
O vosso Tintin da diplomacia económica é muito menos eficaz (e muito menos giro) do que o meu amigo desde os tempos do Ceptro de Ottokar.
a) Bianca Castafiore
Só agora acordou, Senhor Embaixador? Mais vale tarde do que nunca. Terão sido os recentes elogios a Barroso que o levaram a saír da zona de conforto?
Não deixe de ler:
" De Afonso a Afonso em apenas 40 anos", no Blog "Estado Sentido"
Alexandre
Bullseye!!!
Houve algum governo que tenha verdadeiramente «discutido» publicamente os critérios da distribuição de fundos do QREN?
Depois diz-se por aí que os estudantes pintam as unhas nas salas de aula e/ou respondem a mensagens de telemóveis,
quando os adultos por grande parte da Europa passam imagens de desorientação, será difícil obter interesse e respeito
gostei...
Excelente análise. Um Presidente da República que se limita a lamentar a situação e a repercutir os pontos de vista do governo é perfeitamente dispensável.
Loureiro dos Santos
Senhor Francisco. Tomara que suas palavras tenham exito e eco. Com carinho Mônica BH
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