Uma pessoa afecta ao regime de então comentaria: vejam que não é o dinheiro que traz a felicidade! Uma menina tão pobrezinha mas com um sorriso tão bem-disposto!
Claro que é Paris, esta é a célebre fotografia da criança em Champigny. Há não muito tempo, ocorreu o encontro entre o fotógrafo e a agora senhora, que vive em Coimbra. Mas esse é também um Portugal do 24 de abril.
Trinta anos , mais ou menos, antes desta foto ter sido feita, um senhor muito bem vestido, Presidente do Conselho da época, veio à minha terra pronunciar um discurso , junto ao castelo onde 8OO anos antes tinha nascido Portugal.
Ele disse : " Portugal pode ser se nos quisermos uma grande e próspera Nação". Eu tinha 7 anos e , nos ombros do meu Pai, vi e ouvi a onda de aplausos que pontuou esta afirmação.
Finalmente, anos mais tarde, ele mandou a PIDE procurar o meu Pai, por razoes fáceis de adivinhar.
Membro da Comissão de apoio à candidatura do general Norton de Matos, crendo na promessa de eleições livres, meu Pai , depois da traição de Salazar, foi obrigado a fugir para França. Não para Champigny mas para o sul.
Portugal, não foi, não é, uma grande e próspera Nação. Por culpa de quem ? Do meu Pai, dos Portugueses ?
A grande manipulação começada junto à muralha do Castelo de Guimarães, foi fundada nos mitos .
O mito da palingenèse, do retorno da "renascença portuguesa", da "regeneração" operada pelo Estado Novo, interrompendo a "decadência" nacional provocada por cem anos de liberalismo. O mito central da essência do regime, do novo nacionalismo. O Estado Novo surgiu como a institucionalização do destino nacional, a materialização política duma essência histórica portuguesa, que não se discute mas se deve realizar. O mito imperial, duma vocação histórica e providencial, a colonizar e evangelizar. O mito da ruralidade, uma ruralidade tradicional, virtude especifica onde se exprimiam as verdadeiras qualidades da raça e onde se fortificava o ser nacional. O mito da "pobreza honesta", o" viver habitualmente" a "vocação de pobreza". O mito da ordem corporativista como expressão da ordem natural das coisas. Quem se recorda do ministro Carneiro Pacheco : " Um lugar para cada um, cada um no seu lugar". Este mito designa uma vocação de ordem, de hierarquia e de autoridade natural. O mito da essência católica da identidade nacional ( a religião católica é um elemento constitutivo do ser português, como atributo marcante da sua própria nacionalidade e da sua história).
Estes mitos do Estado Novo podem ser lidos nos princípios de Joseph Goebbels , que presidiram à manipulação do povo alemão :
Adoptar uma única ideia: o Grande Reich Alemão. Um único símbolo: O arianismo, a raça pura. Individualizar o adversário : o bolchevismo em Portugal, o judaísmo no Reich. Toda propaganda deve ser popular, adaptando o seu nível ao menos inteligente dos cidadãos, a quem é dirigida. António Ferro sabia fazê-lo : Aprendeu com Goebbels ! Quanto maior for a mentira, mais é aceite. Quanto maior for a massa a convencer, menor deve ser o esforço mental a realizar. Porque a capacidade receptiva das massas é limitada, e a sua compreensão escassa, e esquecem facilmente. Repetir sempre as mentiras: Se se repete suficientemente, acaba por se converter em verdade. " A Índia é nossa" ! "As colónias são territórios do ultramar. E milhares de Portugueses vão morrer por elas, ingloriamente!
A propaganda opera sempre a partir dum substrato preexistente, ou seja uma mitologia nacional ou um complexo de ódios e preconceitos. Como os Sudetas e os países de leste europeu eram a extensão natural do Grande Reich. E conseguir convencer muita gente de que pensa "como todo o mundo", criando uma falsa impressão de unanimidade: " Tudo pela Nação, nada contra a Nação"!
Foi assim que milhares de Portugueses acabaram nos bairros de lata de Champigny! Nesta foto, vê-se a falsa grandeza duma Nação reduzida à sua mais simples expressão.
Abril de 1974 deu aos Portugueses razão para esperar , porque trouxe a liberdade, e quando se é livre todas as opções ficam abertas.
Ao anónimo das 14:21: Compreendo a subtileza do "argumento ! Mas pode crer que para o Governo português, nesses anos da emigração maciça para França , e não só, as "remessas" dos emigrantes eram substanciais e permitiram de alimentar as necessidades de câmbio e de importação de produtos do estrangeiro. Além disso, as viagens dos emigrantes a Portugal eram bem-vindas pelo comércio local do norte ao sul do pais.
Mas a frase sobre a suposta indiferença dos democratas franceses em relação à situação habitacional em Champigny, e não só, é falsa. Muito se escreveu e muito se disse e agiu sobre a situação dos emigrantes não somente Portugueses mas de outras nacionalidades também. A crise do alojamento ainda continua hoje.
Na época em que esta foto foi feita, 25 anos apenas se tinham passado depois do fim da guerra, e a reconstrução da França ainda não tinha acabado. Muito houve para reconstruir. E curiosamente, foi esta necessidade de reconstrução dum pais devastado pela guerra que criou oportunidades de trabalho para os Portugueses! Pergunto a mim mesmo qual teria sido a situação dos Portugueses se este pais não tivesse tido tanta necessidade de mão de obra. Sempre era mais fácil emigrar para França, por todos os meios, que para o Brasil ou para ...África !
Enfim, a exploração da emigração. A França resta um pais regido por um sistema capitalista, onde a lei da oferta e da procura de mão de obra resta a lei do mercado. Mas certas regras de salários mínimos aplicam-se graças ao carácter democrático do pais. Se for à Califórnia, grande pais "democrático", pode ver todas as manhãs em "down town" S.Francisco, filas de "latinos" à espera que um patrão os venha "contratar: por duas horas, meio dia, um dia ou mais. Ao preço do mercado e do ...dia! Em França isso não existe! Evidentemente, que também cá há patrões exploradores, que se podem utilizar trabalhadores ilegais o fazem sem vergonha. Mas expõem-se a graves penas.
Caro DFreitas, o que devemos é ser claros e não branquear erros do presente apontando os erros do passado e vice-versa, como sistematicamente se faz. Eu não fui subtil. Fui claro a constatar quem explorou quem. E não gosto nada de rodriguinhos: um explorador (do Homem) é-o, seja ditador, ou intitule-se democrata. É muito diferente penar-se por falta de meios ou penar-se por exploração. antónio pa
Permita-me lembrar o nome do fotógrafo: Gérald Bloncourt. O seu excelente trabalho sobre os bidonvilles foi exposto em Fev./Maio 2008 no Museu Berardo/CCB (ao tempo muito bem dirigido pelo Jean-François Chougnet). Editou-se um livro com o título G.B., Por uma vida melhor / Pour une vie meilleure (tb Éditions FAGE, Fr.). Na época a miúda não fora ainda identificada. A capa foi impressa a cores
10 comentários:
Tem piada que este tipo de coisas ainda se via muito nos anos 90...
Uma pessoa afecta ao regime de então comentaria: vejam que não é o dinheiro que traz a felicidade! Uma menina tão pobrezinha mas com um sorriso tão bem-disposto!
Tem piada ??
O que esperava ?
Que estas coisas desaparecessem em 26 de Abril de 1974 ?
Mas a fotografia é em Paris!
Claro que é Paris, esta é a célebre fotografia da criança em Champigny. Há não muito tempo, ocorreu o encontro entre o fotógrafo e a agora senhora, que vive em Coimbra. Mas esse é também um Portugal do 24 de abril.
Resumindo: a ditadura em Portugal explorava os emigrantes portugueses em França, sem os democratas franceses darem conta! Certo? Realmente…
Trinta anos , mais ou menos, antes desta foto ter sido feita, um senhor muito bem vestido, Presidente do Conselho da época, veio à minha terra pronunciar um discurso , junto ao castelo onde 8OO anos antes tinha nascido Portugal.
Ele disse : " Portugal pode ser se nos quisermos uma grande e próspera Nação". Eu tinha 7 anos e , nos ombros do meu Pai, vi e ouvi a onda de aplausos que pontuou esta afirmação.
Finalmente, anos mais tarde, ele mandou a PIDE procurar o meu Pai, por razoes fáceis de adivinhar.
Membro da Comissão de apoio à candidatura do general Norton de Matos, crendo na promessa de eleições livres, meu Pai , depois da traição de Salazar, foi obrigado a fugir para França. Não para Champigny mas para o sul.
Portugal, não foi, não é, uma grande e próspera Nação. Por culpa de quem ? Do meu Pai, dos Portugueses ?
A grande manipulação começada junto à muralha do Castelo de Guimarães, foi fundada nos mitos .
O mito da palingenèse, do retorno da "renascença portuguesa", da "regeneração" operada pelo Estado Novo, interrompendo a "decadência" nacional provocada por cem anos de liberalismo.
O mito central da essência do regime, do novo nacionalismo. O Estado Novo surgiu como a institucionalização do destino nacional, a materialização política duma essência histórica portuguesa, que não se discute mas se deve realizar.
O mito imperial, duma vocação histórica e providencial, a colonizar e evangelizar.
O mito da ruralidade, uma ruralidade tradicional, virtude especifica onde se exprimiam as verdadeiras qualidades da raça e onde se fortificava o ser nacional.
O mito da "pobreza honesta", o" viver habitualmente" a "vocação de pobreza".
O mito da ordem corporativista como expressão da ordem natural das coisas. Quem se recorda do ministro Carneiro Pacheco : " Um lugar para cada um, cada um no seu lugar". Este mito designa uma vocação de ordem, de hierarquia e de autoridade natural.
O mito da essência católica da identidade nacional ( a religião católica é um elemento constitutivo do ser português, como atributo marcante da sua própria nacionalidade e da sua história).
Estes mitos do Estado Novo podem ser lidos nos princípios de Joseph Goebbels , que presidiram à manipulação do povo alemão :
Adoptar uma única ideia: o Grande Reich Alemão. Um único símbolo: O arianismo, a raça pura. Individualizar o adversário : o bolchevismo em Portugal, o judaísmo no Reich.
Toda propaganda deve ser popular, adaptando o seu nível ao menos inteligente dos cidadãos, a quem é dirigida. António Ferro sabia fazê-lo : Aprendeu com Goebbels ! Quanto maior for a mentira, mais é aceite. Quanto maior for a massa a convencer, menor deve ser o esforço mental a realizar. Porque a capacidade receptiva das massas é limitada, e a sua compreensão escassa, e esquecem facilmente.
Repetir sempre as mentiras: Se se repete suficientemente, acaba por se converter em verdade. " A Índia é nossa" ! "As colónias são territórios do ultramar. E milhares de Portugueses vão morrer por elas, ingloriamente!
A propaganda opera sempre a partir dum substrato preexistente, ou seja uma mitologia nacional ou um complexo de ódios e preconceitos. Como os Sudetas e os países de leste europeu eram a extensão natural do Grande Reich.
E conseguir convencer muita gente de que pensa "como todo o mundo", criando uma falsa impressão de unanimidade: " Tudo pela Nação, nada contra a Nação"!
Foi assim que milhares de Portugueses acabaram nos bairros de lata de Champigny! Nesta foto, vê-se a falsa grandeza duma Nação reduzida à sua mais simples expressão.
Abril de 1974 deu aos Portugueses razão para esperar , porque trouxe a liberdade, e quando se é livre todas as opções ficam abertas.
Ao anónimo das 14:21: Compreendo a subtileza do "argumento ! Mas pode crer que para o Governo português, nesses anos da emigração maciça para França , e não só, as "remessas" dos emigrantes eram substanciais e permitiram de alimentar as necessidades de câmbio e de importação de produtos do estrangeiro. Além disso, as viagens dos emigrantes a Portugal eram bem-vindas pelo comércio local do norte ao sul do pais.
Mas a frase sobre a suposta indiferença dos democratas franceses em relação à situação habitacional em Champigny, e não só, é falsa. Muito se escreveu e muito se disse e agiu sobre a situação dos emigrantes não somente Portugueses mas de outras nacionalidades também. A crise do alojamento ainda continua hoje.
Na época em que esta foto foi feita, 25 anos apenas se tinham passado depois do fim da guerra, e a reconstrução da França ainda não tinha acabado. Muito houve para reconstruir. E curiosamente, foi esta necessidade de reconstrução dum pais devastado pela guerra que criou oportunidades de trabalho para os Portugueses! Pergunto a mim mesmo qual teria sido a situação dos Portugueses se este pais não tivesse tido tanta necessidade de mão de obra. Sempre era mais fácil emigrar para França, por todos os meios, que para o Brasil ou para ...África !
Enfim, a exploração da emigração. A França resta um pais regido por um sistema capitalista, onde a lei da oferta e da procura de mão de obra resta a lei do mercado. Mas certas regras de salários mínimos aplicam-se graças ao carácter democrático do pais.
Se for à Califórnia, grande pais "democrático", pode ver todas as manhãs em "down town" S.Francisco, filas de "latinos" à espera que um patrão os venha "contratar: por duas horas, meio dia, um dia ou mais. Ao preço do mercado e do ...dia! Em França isso não existe!
Evidentemente, que também cá há patrões exploradores, que se podem utilizar trabalhadores ilegais o fazem sem vergonha. Mas expõem-se a graves penas.
Caro DFreitas, o que devemos é ser claros e não branquear erros do presente apontando os erros do passado e vice-versa, como sistematicamente se faz. Eu não fui subtil. Fui claro a constatar quem explorou quem. E não gosto nada de rodriguinhos: um explorador (do Homem) é-o, seja ditador, ou intitule-se democrata. É muito diferente penar-se por falta de meios ou penar-se por exploração.
antónio pa
Permita-me lembrar o nome do fotógrafo: Gérald Bloncourt. O seu excelente trabalho sobre os bidonvilles foi exposto em Fev./Maio 2008 no Museu Berardo/CCB (ao tempo muito bem dirigido pelo Jean-François Chougnet). Editou-se um livro com o título G.B., Por uma vida melhor / Pour une vie meilleure (tb Éditions FAGE, Fr.). Na época a miúda não fora ainda identificada. A capa foi impressa a cores
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