quarta-feira, fevereiro 29, 2012

Lóbi

Ontem, um comentador protestou contra a utilização do termo lóbi, para designar o "hall" de um hotel. Confesso que estava mais à espera de uma reação quanto ao aportuguesamento da palavra "lobby", mas tudo bem. E é a propósito de um lóbi de hotel que me lembrei de uma historieta.

Estávamos na Zâmbia, a meio de uma longa viagem governamental por vários países africanos. Não faço ideia a quem, naquele caso, competia a responsabilidade pelas reservas, mas a verdade é que, chegados bastante cedo ao Hotel Intercontinental de Lusaka, idos de Harare, naquele final dos anos 80, nos demos conta de que faltavam dois quartos para a delegação portuguesa. Arrumados os membros da delegação mais afortunados, eu e o Duarte Ivo Cruz constatámos que, para nós, não havia quartos. Ou melhor: havia uma vaga promessa de poderem "aparecer". Para utilizar uma expressão que o então chefe da delegação portuguesa viria, décadas depois, a tornar popular noutro contexto, nós podíamos dizer que sabíamos que íamos ter um quarto, só não sabíamos é quando e em que condições!

A visita oficial comportava, entretanto, alguns "números", entre os quais uma visita ao presidente Kenneth Kaunda, bem como reuniões e uma multiplicidade de contactos. Intercalando tais eventos, havia passagens pelo hotel onde a delegação se acolhia. A delegação, não! A maioria da delegação! Porque eu e o Duarte continuávamos com as nossas malas recolhidas em quartos alheios e, nesses intervalos, contactávamos, com progressivo desespero, a receção ou a direção do hotel, metíamos "cunhas" através de empresários locais e da nossa embaixada, sempre em diligências cada vez mais ansiosas, porque a noite se ia aproximando. E, perante o olhar descansado (e demasiado sorridente, parecia-nos) dos nossos colegas, que se regalavam com bebidas no bar e conversavam entre si relaxados, nós os dois andávamos, de um lado para o outro, labutando verbalmente por uma cama onde descansar a noite.

O jantar oficial nem nos caiu bem, porque, acabado este, lá voltámos nós, ansiosos, ao lóbi do hotel. E seria já depois das 11 da noite que, numa taquicardia angustiada, finalmente, recebemos as chaves dos nossos quartos, para logo constatarmos, com forte choque, que deles haviam sido literalmente "despejadas" duas famílias africanas, com filhos, que foram dormir sabe-se lá para onde. Mas, àquela hora da noite, o nosso limiar de solidariedade estava já ultrapassado pela lei da sobrevivência.

Foi nessa altura, culminadas que haviam sido as dezenas de diligências feitas, junto de imensos interlocutores, que o Duarte Ivo Cruz, que comigo brindava o mútuo "sucesso" com um merecido whisky, se saiu com uma frase que recordo até hoje: "Só agora percebi, verdadeiramente, por que razão a esta área dos hotéis se chama "lóbi". Foi isso mesmo que andámos o dia inteiro a fazer..."

6 comentários:

Anónimo disse...

Sendo assim, se a origem da palavra fosse portuguesa, chamar-se-ia "passos perdidos"?...

gherkin disse...

Mas que lobiada, ein! E depois desses uísques, dormiu bem?
Vida de diplomata!
Abraço,
Gilberto

Anónimo disse...

E eu que sempre pensei que a actividade "lobí" se chamava assim por se ter expandido precisamente nestes espaços dos hoteis!...

A. Antunes

Anónimo disse...

A visão histórica e culturalmente mais rica que me foi dado ver de um "lobby" de hotel foi em 1999, no Mandarim Oriental, em Macau por ocasião das cerimónias da transição da administração do Território. Até então, aquele espaço parecia exageradamente amplo, para a circunscrição do aterro aonde tinha sido construído. Muitos dos nossos conterrâneos e governantes estrangeiros convidados só devem ter ido ao quarto para tomar um banho. Se a vossa situação tivesse sido semelhante teriam andado entretidos pelo "lobi" alternando as idas aos quartos com os casais e a prole destes. Que "lobiada" não teria agora para contar! E, se as famílias fossem daquelas que não bebem alcool... ainda podiam estar agora a divulgar os nossos bons vinhos!

Helena Sacadura Cabral disse...

Senhor Embaixador, acabei de fazer um rasgado sorriso, porque ia perguntar-lhe, ao abrigo do AO se lóbi não poderia ter dois sentidos...
Mais les bons esprits se rencontrent toujours!

Anónimo disse...

Aparentemente, são bons sítios onde dizer "I lobby you"...

Os amigos maluquinhos da Ucrânia

Chegou-me há dias um documento, assinado por algumas personagens de países do Leste da Europa em que, entre outras coisas, se defende isto: ...