Numa conversa, há dias, uma figura do mundo económico francês comentava, com agrado, o facto de Portugal ser um país francófilo e francófono, elogiando a circunstância dos nossos diplomatas e outras figuras portuguesas com quem se cruzava falarem, quase sempre, "um ótimo francês".
Retorqui-lhe que a realidade não será tão rósea quanto ele julga. Com efeito, se é normal que aos diplomatas seja exigido um conhecimento razoável da língua francesa, já esse atributo começa a rarear muito no resto da sociedade portuguesa, fruto da avassaladora presença do inglês. E lembrei-me de uma pequena história.
Um dia, nas funções executivas que ocupei, convidei um contraparte francês para se deslocar a Portugal. Num almoço de trabalho que organizei no palácio das Necessidades, reuni alguns colegas e altos funcionários. Um dos responsáveis políticos, um jovem secretário de Estado, dez anos mais novo do que eu, brilhante e promissora figura desse governo, logo após ser apresentado ao convidado francês, perguntou-me se ele falava inglês.
Tomei a pergunta como uma mera curiosidade, sabida que é a escassa propensão de muitos políticos franceses para línguas estrangeiras. E respondi que, de facto, já tinha ouvido o nosso convidado falar inglês. Acrescentei, curioso: "porque é que você pergunta isso?". A resposta foi cristalina: "Porque eu não falo 'uma palavra' de francês..."
Nesse preciso instante, dei-me melhor conta da realidade de haver hoje uma nova geração (também) de políticos, em Portugal, que foi educada tendo o inglês como língua central da sua formação e que estão hoje já muito distantes dessa grande língua de cultura que é o francês, infelizmente, e de facto, em forte regressão entre nós. No meu caso, não tenho dúvidas: muito do que sou o fiquei a dever à língua francesa e ao mundo que ela me abriu.
22 comentários:
Pois é meu caro Amigo. Tem-se procurado nivelar por baixo, o que leva a que mesmo em carreiras ou profissões onde o domínio de duas ou três línguas estrangeiras deveria ser obrigatório deixou de ser critério de selecção, chegámos a este estado de incapacidade de entendimento. Não é que seja necessário exibir erudição, o essencial é marcar posição perante o interlocutor, compreendendo o que nos querem dizer. Como diriam os franceses de antigamente, falando menos bem a língua dos estrangeiros, mas percebendo o que nos queriam dizer...
José Honorato Ferreira
Os cerca de um milhão de portugueses que estão em França também devem muito do que são à lingua francesa e, ainda que só contassemos esse milhão, já é uma boa percentagem de portugueses a falar o francês!
José Barros
É Sr. Embaixador... a linguagem dos globalistas é o inglês....a marca do império do séc XXI.
É ver os institutos de inglês espalhados pelo País, enquanto que Alliance Française, temos apenas uma miserável dezena em Portugal.
A História que têm os franceses, especialmente a História de Arte...
Reconfortante post.
Fiz o meu curso superior estudando em livros francófonos.
Lembro-me de num congresso internacional de Psicologia em Paris ter traduzido, durante uma intervenção, o francês para colegas de Espanha...
Respeitosos cumprimentos e saudações.
Guilherme
Era quase só em francês que líamos, no tempo do fascismo, os livros "subversivos". Lembra-se, Senhor Embaixador?
Um dia, na crise académica de 1962, a PIDE assaltou-me o quarto, em Coimbra. Ia à procura de comunicados que sabia irmos distribuir no dia seguinte. Por acaso não estavam lá, mas levou-me tudo o que era escrito em francês. Nem os livritos mais inócuos escaparam.
V
A revelação sobre o jovem e promissor secretário de estado é, no mínimo, surpreendente. Embora não seja inédita. Nos anos 80 houve um ministro da indústria, que ocupara um cargo ministerial antes do 25 de abril, que recebeu uma delegação francesa e discursou em inglês. Recordo-me disso ter sido muito comentado na altura.
Também dou graças ao facto de ter estudado francês, e fi-lo apenas na escola pública. Na altura começava-se aos 10 anos. Ainda bem.
creio que hoje depois do inglês vem o espanhol como lingua mais falada nos contactos ou relações internacionais de negócios, politicas, culturais ou simplesmente de turismo ou como lingua pratica e de lazer.
espanhol mais que francês.
Nos eua a grande maioria do cidadão, e não só o de origem latina, sabe falar espanhol que aprendeu na escola como
2a lingua.
O francês até aos anos 70 rei em portugal perdeu de facto terreno, como se diz no blog.
mas nisto tudo, o que me dá pena não é o francês perder, é o português não ser mais ensinado e divulgado, é ver portugal desistir de espalhar pelo mundo a sua lingua, não investir nela, não ter uma politica de expansão e ensino da sua lingua.
Ich verstehe nichts!
a) Troika
Faz-me lembrar aquela do meu "avec", ou melhor pronunciado, o meu "abec".
Catinga
13:44
Se eu fosse do MNE francês, mandava já este "post" para a Guiné Bissau e Cabo Verde, com a ordem de "divulgue-se abundantemente".
Depois de ir a um programa de televisão brasileiro justificar a ausência da (excelente) música portuguesa (que não é o Sérgio Godinho e seus pares) com a "grande qualidade" da música brasileira e "questões de pronúncia" (escuso-me a adjetivar a qualidade deste "argumento", por uma questão de necessária cordialidade), agora vem aqui carpir mágoas pela pouca importância dada ao Francês em Portugal.
Curiosamente, o Estado Português até gasta o seu próprio dinheiro para ensinar uma língua concorrente da sua e cuja utilidade é cada vez menor. Isto, perante o total desprezo que merece o nosso idioma, por parte do Estado Francês.
Eu remetia as pessoas para o texto sobre a "nova" Mona Lisa mas julgo que não entenderiam...
Elitismo, provincianismo e, porque não, uma espécie de espírito de "colonizado".
Como aquelas personagens portuguesas (sempre sorridentes como convém ao tolinho do bilhete postal) que em pleno Rossio asseguram ao Michel Vaillant que em Portugal as pessoas falam Francês... Que bom!
Quanto aos postais da Grécia... era mais uma!
Durante a adolescência os meus amigos gostavam de me provocar e perguntavam-me se também sabia tocar piano ?
Ei, Santiago !? Ganhei-te...comecei aos 7 anos : )
O Inglês é prosa, o Francês poesia... : )
a francofilia começou a esvaziar-se na década de 70...e se alguns são fluentes em francês foi porque são filhos de emigrantes
agora nunca vi nenhum português da vossa idade ou mais velho falar um francês que não fosse assim muyto rasca...com guturais e rrrangidos misturados com ditongos típicos pelo meio...
então o pessoal que meteram na suiça...falam pior que um emigrante com 6 meses de residência..
e o mais interessante é que tivemos gente que arranhava mal o francês e sem fluência na língua a não ser num nível básico em instituições francesas...e ainda não havia Power-point que disfarça os déficits...de linguagem claro...que os restantes
até ao XXIIºpelo menos...
mesmo a áfrica francófona está a afastar-se...já na mauritânia o francês deixou de ser a linguagem dos grandes centros urbanos
o dialecto hassanya...está em cima e outras variantes do árabe...os dialectos berberes foram-se reduzindo depois da seca de 85-88
assim como o francês restrito a uma élite pouco numerosa
os portugueses dos 50 aos 102 lêem francês com alguma facilidade
mas abaixo disso é raro
em contrapartida dos 18 aos 48 lêem com fluência o inglês (uns 30%) e falam-no
já o alemão ficou desde 75...relegado para o esquecimento
e o ensino crescente em espanhol não tem servido para grande coisa...
Concordo em absoluto com o comentario de José Honorato Ferreira.
Ha um fosso (enorme) entre a nossa geração que aprendeu, fala e lê o francês e a nova consumidora, quase exclusivemente, de "sinais exteriores de riqueza" denominador comum da sociedade de consumo.
Que querera dizer com o seu comentario o anonimo da 14:04?
Pensei exactamente que "a realidade não será tão rósea quanto ele julga" ao ouvir o MNE francês, há poucos mees, em Lisboa e perante uma audiência de diplomatas, dizer como se sentia orgulhosos por os diplomatas portugueses serem "francophones", pressupondo que eles são, também, "francophiles".
Deixá-los viver nessa doce ilusão.
As coisas já não são como em 1962, na época evocada por V. A polícia já não nos vai a casa, os livros subversivos são doutra natureza e não me parece que sejam muito franceses.
Senhor Embaixador
Pertenço à geração que teve o francês como segunda língua. Felizmente tive um Pai que me encaminhou na cultura francesa, à qual muito devo.
Concordo com Honorato Ferreira quando diz que há profissões que não podem ser exercidas sem que falemos pelo menos duas ou três línguas estrangeiras.
E concordo com Catinga quando ele afirma que o Estado português até gasta o seu próprio dinheiro no ensino do francês, ao arrepio do que faz o Estado francês que pouco se interessa pelo nosso idioma.
Interessante mencionar este assunto! Numa das minhas muitas experiências, mas esta de "empréstimo" ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (Britânico)em que, em relação a altas personalidades Portuguesas por ele convidadas, verificou-se precisaamente isso- a ausência da expressão inglesa. O pior, era aqueles que julgando-se conhecedores da língua, ou provavam pouco saber dela, ou, pior ainda, com uma horrível pronúncia mais se desacreditavam!
Hoje, felizmente, principalmente a maioria dos nossos políticos sâo impecáveis, o que muito nos honra!
O habitual, mas mais apertado abraço depois do encontro e amável convívio desta semana! VOTOS DE BOM SUCESSO, COMO CREIO QUE SERÁ, NA UNESCO!
Gilberto Ferraz
Sabe que mais Catinga: vá à fava. O nosso Embaixador tem uma estranha paciência para provocadores mal educados, como é o seu caso.
CSC
Sr. Embaixador
com respeito pelas devidas proporções posso dizer a mesma coisa.
Mas parece que esta concorrência entre países europeus, a ver aquele que mais "despreza" a lingua do outro, só dá trunfos à língua inglesa que se espalha a olhos (ou ouvidos!) vistos.
Angela
E a verdade é que se perde muito com este desconhecimento actual do francês, língua tão bonita e expressiva.
A minha irmã, seis anos mais nova do que eu, só o aprendeu porque foi matriculada na Alliance Française e fez todo o curso (tal como eu, mas só depois do antigo 6.º ano, quando escolhi como cadeiras de opção Inglês, Alemão e História, o que deixava o francês de fora, e eu queria continuar).
Mesmo assim, reconheço que hoje leio muito mais em inglês do que em francês, como toda a gente.
Entretanto há circunstancias relacionadas com a recetividade e abertura dos mercados de trabalho que obrigam por inerência ao estudo do francês é o caso atual dos nossos licenciados em enfermagem , fisioterapia e técnicos de Rx que vão trabalhar para a frança e suiça.
Enviar um comentário