segunda-feira, setembro 19, 2011

O rumor dos claustros

O embaixador errava, por aqueles dias, pelos corredores das Necessidades. Pelo vigor da passada, pelo modo confiante como observava à sua volta, era patente que estava ungido da determinação daqueles a quem, ao virar da esquina do futuro próximo, iriam ser atribuídas novas e importantes responsabilidades. Os contínuos já o olhavam de uma forma mais respeitosa, os jovens adidos com os quais se cruzava baixavam a cabeça, num reverencial temor, ficando a segredar murmúrios em torno do seu nome. Ele era, nesses dias de mudança, o objecto privilegiado do chamado "rumor dos claustros" - uma vetusta forma de boataria diplomática que, em casos limite, chega quase a ser constitutiva de direitos.

Forte das bençãos do destino que inexoravelmente se aproximava, faltando apenas o despiciendo detalhe do convite, mas já com a segurança dos putativos eleitos, prenhe de confiança que contactos recentes só tinham adubado, abriu a porta de um determinado gabinete e, não podendo conter a exploração do sucesso que aí vinha, comentou, para uma funcionária, pessoa tida por bem informada, dado o seu lugar na geografia funcional da casa, ciente de a ir ver ecoar as suas expectativas:

- Então!? Fala-se por aí muito no meu nome, não é?!

A senhora, uma distinta servidora da casa, já vira passar muitos mundos, das glórias aos ocasos, testemunhara a chegada e a partida de várias ambições, olhava já para tudo aquilo com uma relativização construída num sereno bom-senso. Pelo que, arvorando um indefinível sorriso, respondeu ao seu interlocutor:

- Falava, senhor embaixador, falava! Agora, esta semana, já se fala noutros nomes...

19 comentários:

Anónimo disse...

Velhaco ou bailarino?
ex-visinho m

Anónimo disse...

150 cm de bem oleado trabalho de rumores de claustros (ou bastidores), de repente dispensados!
João Necessidades

Aclim disse...

rs...É a vida...

Abraço

cunha ribeiro disse...

Talvez o sr Futuro-Ex fosse apenas a LEBRE...

Helena Sacadura Cabral disse...

Bela história Senhor Embaixador! Como sempre.
Se antes, por causa do meu irmão mais velho, as Necessidades já eram objecto de grande interesse, calcula agora.
Adoro estas suas crónicas de uma carreira onde é notório o prazer com que a desempenha.
Oxalá um dia possamos ter tudo isto num belo livro, para que todos que o não conhecem possam ver o seu lado mais pessoal.
Não aprecio o género Memórias de pessoas vivas, talvez porque estou demasiado próxima delas, ou as conheço demasiado bem (a propósito, parece que vamos ter as do Dr Sampaio...).
Mas estes seus textos são pérolas e é de facto uma pena se não forem editados. Eu sei bem quem lhes deitaria de imediato a mão.
Que tal pensar nisso, depois da reforma e antes que seja chamado a desempenhar outras funções?

patricio branco disse...

bom balde de água fria! Mas fez bem em perguntar à senhora que sem hipocrisias lhe disse como era.
O rumor dos claustros ou, do outro lado da porta, a vox populi.

patricio branco disse...

as memorias de jorge sampaio, que interessante. Num país onde os homens publicos ignoram ou desprezam as memórias e os diarios, aí está a excepção que confirma a regra.
Faziam-nos falta as de mario soares, manuel alegre, ramalho eanes, de varios outros.
Freitas do amaral escreveu as suas.
Memórias interessantes podem tambem ser as de diplomatas, como diz, lançando um bom desafio (que subscrevo) HSC.

Isabel Seixas disse...

O título é demais...
De tal forma que se assemelha a uma espécie de deliberação de justiça divina...
Hum, assim como assim, bem feita.

Anónimo disse...

Memórias nunca, biografias póstumas de preferência.
Anónimo

Alexandre Rosa disse...

Meu caro embaixador e amigo
Assino por baixo o comentários de Helena Sacadura Cabral. Tens histórias de encantar. E muito bem escritas. É, por isso, proibido escondê-las. Bem sei que o blog permite lê-las. Mas não é a mesma coisa.
Abraço

Anónimo disse...

Caro Seixas da Costa: conheço a personagem. Chegará lá? Chi lo sa...

CSC

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Dra. Helena Sacadura Cabral: outras funções?! Está completamente enganada: no dia 29 de janeiro de 2013 recolherei com alegria ao meu Vale de Lobos, que o mesmo é dizer, à minha casa em Lisboa, para ler o muito que nunca li, escrevinhar o pouco que me falta, estar com os amigos e "procopiar" as noites.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Alexandre: vou pensar no livreco, descansa!

Paulo Abreu e Lima disse...

Caro Embaixador,

Ontem o seu amigo Antunes Ferreira fez uma amável visita ao meu recente blogue (tenho que lhe passar a dar cuidados diários, senão morre) e entre outras considerações perguntou-me: «o embaixador Seixas da Costa é um tipo bué da fixe, né?». Ainda não tive o tempo e a cortesia de lhe responder, mas diante este seu preciosíssimo apontamento literário, só posso constatar que tenho muito orgulho em ter sido representado estrangeiro afora por «um tipo bué» de inteligente, competente e atento no que diz respeito ao Mundo e à interpretação das realidades e das relações institucionais e humanas.

Já quanto ao «fixe», desconheço. Mas na aceção brasileira do termo, testemunho a grande solidez e consistência das suas convicções.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Paulo de Abreu e Lima: Muito obrigado pelo seu comentário, que nãso é infirmado pelo post seguinte, creio.

Paulo Abreu e Lima disse...

Olhe que não, Senhor Embaixador, olhe que não. A solidez, como a consistência, só se aprimorizam pelo percurso telúrico e irrequieto das convicções. Grande MES!

Helena Sacadura Cabral disse...

Ó Senhor Embaixador, está ver-se "apenas" em seu Vale de Lobos?! Mesmo com os livros, a escrita e os amigos?
Hum! Hum! Eu que sou mais velha e tinha bem arreigado esse lado poético - ia dizer utópico - precisei do ensino para dar vazão ao que a Vida me proporcionou.
E tudo o que aprendeu, viu, sentiu e ainda pode servir muito o país?!
Se eu, à época, for viva, vou ficar à espreita...

Isabel Seixas disse...

Presumo que há sempre um vale de lobos em duas ou tres coisas, e um duas ou tres coisas sempre em vale de lobos(...)

Anónimo disse...

O que as pessoas não sabem é que isto passou-se mais ou menos assim, uma semana antes da publicação deste post.

25 de novembro