Há pouco mais de dois anos, publiquei por aqui, num post, uma história verdadeira. Hoje, apetece-me repeti-la:
Um dia, na segunda década* dos anos 70, a Embaixada de Portugal em Londres recebeu a visita de um militar de Abril, membro do Conselho da Revolução, homem muito estimável, que deixou uma rara imagem de educação, elegância e bom-senso na sociedade política de então.
Como se impunha, o embaixador ofereceu-lhe uma refeição. O repasto correu de forma simpática, na magnífica sala de jantar ornada de pinturas, daquela que é, sem sombra de dúvidas, uma das mais belas residências que Portugal tem pelo mundo.
Num determinado momento da conversa, o nosso militar deixou cair uma confissão: "Vou contar-lhe um segredo, senhor embaixador: um dos meus maiores sonhos foi sempre poder vir a ser, um dia, embaixador de Portugal em Londres". Os tempos políticos, à época, não eram já muito propícios a poder garantir, de mão beijada, sinecuras a quem não possuía experiência e qualificações profissionais adequadas à função. Mas nunca fiando...
E, por essa razão, e perante o silêncio protocolar do embaixador, o militar não ficou sem resposta. Um jovem diplomata presente, homem do mundo, cuja inteligência e arte voltariam, no futuro, a colocar Londres no seu destino, não resistiu e retorquiu: "Tem graça, senhor major. No meu caso, é precisamente o contrário: sempre tive como ambição de vida ser comandante da Região Militar Norte"...
O major, inteligente e perspicaz, entendeu o recado. E mudou de conversa.
* Ver os comentários
Como se impunha, o embaixador ofereceu-lhe uma refeição. O repasto correu de forma simpática, na magnífica sala de jantar ornada de pinturas, daquela que é, sem sombra de dúvidas, uma das mais belas residências que Portugal tem pelo mundo.
Num determinado momento da conversa, o nosso militar deixou cair uma confissão: "Vou contar-lhe um segredo, senhor embaixador: um dos meus maiores sonhos foi sempre poder vir a ser, um dia, embaixador de Portugal em Londres". Os tempos políticos, à época, não eram já muito propícios a poder garantir, de mão beijada, sinecuras a quem não possuía experiência e qualificações profissionais adequadas à função. Mas nunca fiando...
E, por essa razão, e perante o silêncio protocolar do embaixador, o militar não ficou sem resposta. Um jovem diplomata presente, homem do mundo, cuja inteligência e arte voltariam, no futuro, a colocar Londres no seu destino, não resistiu e retorquiu: "Tem graça, senhor major. No meu caso, é precisamente o contrário: sempre tive como ambição de vida ser comandante da Região Militar Norte"...
O major, inteligente e perspicaz, entendeu o recado. E mudou de conversa.
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11 comentários:
Fez-me lembrar um excerto do conceito de Florence Nightingale transversal a qualquer profissão...
"É a mais bela das artes e como tal requer tão dedicado aprendizado"(...)
Como habitual uma excelente história.
Mas fiquei sem perceber qual a segunda década dos anos 70...
JMC
segunda década dos anos setenta?
Caros comentadores: quando escrevi esta historieta, cometi um lapso. Deveria ter escrito "segunda metade" e não "segunda década". Depois, pensando melhor, achei que não devia corrigir: os anos 70 foram tão intensos que quase equivalem a duas décadas...
Conheço o SEIXAS DA COSTA há muitos anos. Gosto dele. E sei que, como se costuma dizer,"não dá ponto sem nó". Se foi buscar esta historia não deve ter sido por acaso. Porque terá sido?
CSC
entao, sr embaixador, elipsou a minha historieta sobre o dr salazar?
bem sei que nao tenho os seus dotes de escrita, mas ha que treinar...
bem haja
Caro Anónimo das 13.54: Este blogue não tem como vocação acolher temáticas do género das que evocou.
Snr. Embaixador:
Talvez tivesse sido útil explicar ao petulante jovem diplomata de então, que a sua "pretensão" era bem mais extraordinária que a do militar de Abril protagonista desta estória: é que se há múltiplos casos de militares que foram diplomatas, ou melhor, que desempenharam funções diplomáticas, já o movimento contrário é muitíssimo mais raro...
Não me refiro ao consabido hábito latino-americano de nomear, a título retributivo (ou preventivo...) generais, e mesmo coronéis, para postos diplomáticos de maior ou menor relevância, em capitais mais ou menos distantes. Nem recorro a épocas históricas em que funções diplomáticas alternavam, na carreira dos aristocratas, com altos comandos em campanha (por exemplo, o general Junot, de má memória, foi embaixador em Lisboa, onde substituiu o futuro marechal Lannes. Ainda na mesma turbulenta época, o general marquês de Caulaincourt foi embaixador francês em São Petersburgo, sendo substituído pelo general conde de Lauriston, ambos, diga-se, com assinalável inêxito, não tendo podido evitar a guerra de 1812. Os arquiduque Carlos e príncipe de Schwarzenberg, alternaram amiúde comandos em campanha com a titularidade de embaixadas).
E não se diga que se trata de exemplos de tempos que já lá vão ou de hábitos terceiro-mundistas: já na nossa época histórica, os liberais e democráticos Estados Unidos recorreram, com frequência, à nomeação de generais e almirantes para cargos diplomáticos de primeira ordem: o general Bedell-Smith, chefe de estado-maior de Eisenhower durante o Dia D e até ao fim da guerra, foi embaixador em Moscovo, de 1945 a 1947 (regressando para ser nomeado director da... CIA); o general Maxwell Taylor, célebre comandante de uma das divisões pára-quedistas que protagonizaram o Desembarque na Normandia, foi embaixador em Saigão, na década de 60 (tendo desaconselhado categoricamente o presidente Johnson de envolver os EUA na guerra do Vietname); o almirante Anderson, Chefe de estado-maior conjunto, caído nas más graças de Kennedy, que o demitiu e despachou para Lisboa, justamente quando as relações com o Portugal de Salazar se azedavam (mas sem exageros...), por motivo da política ultramarina portuguesa. Ainda recentemente, chefiava a missão diplomática americana em Cabul o general Eikelberry, o que parece não ter melhorado muito a situação, como acontecimentos recentes parecem provar.
Em Portugal, a nomeação de militares para cargos diplomáticos não é habitual, mas também não é inédita. Só no século XX, e num rápido bosquejo, regista-se o caso do major de artilharia Sidónio Pais, que foi ministro (era assim que se chamava na altura, embaixadores só havia em Londres e Madrid) em Berlim, de 1912 a 1916, regressando para, apoiado por tudo o que havia de talassas, ultramontanos, germanófilos, protagonizar um golpe de força contra a República. Acrescente-se ainda o exemplo do general Venâncio Deslandes, embaixador em Madrid de 1950 a 1952, posteriormente comandante-chefe em Angola, logo a seguir aos acontecimentos de Março de 1961 e Chefe do Estado-maior-general, a partir de 1968, se a memória não me falha.
Não me ocorrem exemplos de diplomatas investidos em altas funções militares...
Por tudo isto, verifica-se que o desejo do militar em questão, certamente formulado num tempo em que os militares "de Abril" já estavam "na prateleira", pecava mais por inoportunidade do que por despropósito, como parecia pensar o tal jovem diplomata...
Como não é hábito Vª Exª repetir estórias neste seu blogue, deduzo que algo parecido está para acontecer... Não me diga que querem nomear um general embaixador...!? E será, desta vez, para Paris...?!
Cumprimentos,
A. Costa Santos
Mais outra curiosa história. O diplomata de serviço à Pátria, deve ter sido recompensado pela oportunidade da resposta!
O comentário de A. Costa Santos é interessante e pertinente.
Onde se encontra, hoje, o dito Petulante diplomata? Ministro Plenipotenciário, ou Chefe de Missão algures? Não me admirava nada!
Todo o Petulante tem, sempre, os seus entusiásticos seguidores e apoiantes.
Rilvas
Caro A. Costa Santos e caro Rilvas: não se tirem conclusões apressadas. O que o jovem (e brilhante) diplomata quis dizer - e disse bem! - foi o equivalente ao dito popular "cada macaco no seu galho".
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