A televisão trouxe, há pouco, a imagem sorridente de um "trader" da City londrina que terá provocado um imenso buraco financeiro ao banco suíço UBS. Ainda recordo uma história, que ficou famosa, de um idêntico especialista que, creio que em Singapura, fez, há alguns anos, uma falcatrua de grande dimensão.
Devo dizer que o que me espanta mesmo é como estas coisas não acontecem mais vezes, com estes "jongleurs" do dinheiro alheio, que passam o tempo a olhar para monitores e a dar ordens de compra e venda, jogando diariamente com fortunas que vão muito para além daquilo que qualquer mortal pode ambicionar ganhar numa vida.
Há uns anos, em Londres, um amigo levou-me a ver uma dessas salas atulhadas de ecrans, que existem por toda a City. Espantou-me a baixa idade dos operadores desse mercado virtual, cuja lógica de funcionamento, confesso, apenas percebi "pela rama". Mas ficou-me a ideia de que a exigência física e psíquica desse tipo de ambientes provoca um elevado desgaste, o que justifica que só jovens se possam ocupar dessas tarefas. Pelas noites dos "pubs" londrinos, via-se depois essa gente que se divertia, que iria dormir as escassas horas que a sua idade permitia, antes de regressar, de novo, ao seu intenso e exigente quotidiano.
Há uns meses, aqui em Paris, estive presente num encontro fechado entre entidades do setor oficial português e um grupo de umas dezenas de "traders" parisienses. Eram eles, na versão francesa, os famosos "mercados", contra os quais todos somos tentados a protestar, mas cuja filosofia de funcionamento é hoje a incontornável base económica das nossas sociedades.
Há uns meses, aqui em Paris, estive presente num encontro fechado entre entidades do setor oficial português e um grupo de umas dezenas de "traders" parisienses. Eram eles, na versão francesa, os famosos "mercados", contra os quais todos somos tentados a protestar, mas cuja filosofia de funcionamento é hoje a incontornável base económica das nossas sociedades.
Olhei bem para eles (e elas): era jovens entre os 25 a 35 anos, modernos, vestidos "business casual", que ouviam, com displicente atenção, algumas explicações que, tudo o indicava, lhes entravam por um ouvido e lhes saíam pelo outro. É que eles estavam-se claramente "nas tintas" para os pequenos esforços de melhorias na nossa economia que lhe eram anunciados, para as ligeiras reversões de tendência negativa que procurávamos potenciar, para as expetativas de futuro cuja importância tentávamos destacar. Nós éramos um país sob elevada desconfiança, com muito escasso crescimento, com indicadores que só um impensável ato de fé ou de improvável boa vontade lhes poderia sugerir como favorável.
Eles, os "mercados", que mal sabem onde é Portugal, que desconhecem olimpicamente que o chá que bebem chegou à Europa pelas rotas dos descobrimentos, que de portugueses só conhecem as "concierges", algum colega tresmalhado ou o Cristiano Ronaldo, por ali estavam num visível "frete" que os bancos e as entidades financeiras de que dependiam lhes haviam imposto. Regressados aos descasacados locais onde trabalham, confirmariam, com toda a naturalidade, por operações maciças de venda, o alargamento dos "spreads" dos nossos "bonds" face aos congéneres teutónicos, como a lógica dos interesses que representavam exigia.
Estes "traders" - os mercados - têm como único e compreensível objetivo potenciar o lucro de quem lhes coloca os bens nas suas mãos, procurando ganhar margens e especular com os desastres alheios. Não é justo que se lhes peça qualquer laivo de ética, ou melhor, é de esperar que tenham a ética do lucro como único referente da sua vida profissional e pessoal. Com toda a sinceridade, acho que não os podemos condenar por isso: eles são apenas o produto, aliás tecnicamente bem eficaz, da prevalência do modelo liberal nas sociedades contemporâneas.
A nossa angústia, que não tem solução, é que se, no passado, eram apenas as empresas que estavam sujeitas a este "casino", agora chegou a vez dos Estados. Mas não deixa de ser ridículo que nos queixemos dos "croupiers". Mesmo que estes, uma vez por outra, metam "algum" ao bolso, como agora aconteceu. Com os diabos!: alguma vez há-de ser a vez deles...
Eles, os "mercados", que mal sabem onde é Portugal, que desconhecem olimpicamente que o chá que bebem chegou à Europa pelas rotas dos descobrimentos, que de portugueses só conhecem as "concierges", algum colega tresmalhado ou o Cristiano Ronaldo, por ali estavam num visível "frete" que os bancos e as entidades financeiras de que dependiam lhes haviam imposto. Regressados aos descasacados locais onde trabalham, confirmariam, com toda a naturalidade, por operações maciças de venda, o alargamento dos "spreads" dos nossos "bonds" face aos congéneres teutónicos, como a lógica dos interesses que representavam exigia.
Estes "traders" - os mercados - têm como único e compreensível objetivo potenciar o lucro de quem lhes coloca os bens nas suas mãos, procurando ganhar margens e especular com os desastres alheios. Não é justo que se lhes peça qualquer laivo de ética, ou melhor, é de esperar que tenham a ética do lucro como único referente da sua vida profissional e pessoal. Com toda a sinceridade, acho que não os podemos condenar por isso: eles são apenas o produto, aliás tecnicamente bem eficaz, da prevalência do modelo liberal nas sociedades contemporâneas.
A nossa angústia, que não tem solução, é que se, no passado, eram apenas as empresas que estavam sujeitas a este "casino", agora chegou a vez dos Estados. Mas não deixa de ser ridículo que nos queixemos dos "croupiers". Mesmo que estes, uma vez por outra, metam "algum" ao bolso, como agora aconteceu. Com os diabos!: alguma vez há-de ser a vez deles...
8 comentários:
pode isso tudo ser verdade e certamente o sera
o que mais me incomoda a mim é a falta de qualidade e carisma dos politicos europeus
no meio da desgraca apetece ouvir uma voz inteligente que cative as pessoas
talvez os europeus de hoje sejam demasiado consumistas, demasiadp americanos, no sentido de quem nasceu de costas voltadas para a urss, e acaba por nao haver nada que defina o europeu
e tambem nao aparece ninguem que possa definir um novo europeu
sem um sentimento superior de pertença a europa,
falta um espirito que nos una e nos torne mais forte frente as adversidades
bh
Na City ou na La Défense os objectivos são os mesmos: o numero de zeros à esquerda do bonus. O resto é paisagem.
A "nossa angustia" vai bem e recomenda-se.
Senhor Embaixador,
Curioso este seu post. Antes de me dedicar a outras áreas (entre as quais a referida no post abaixo), fui aquilo que designa de "trader", e depois por "jongleur", durante dez anos em Chicago e na NYSE. No primeiro caso, no mercado dos derivados (actualmente, mal traduzido para derivativos), comprava para todas as industrias extractoras europeias; no segundo caso, para grandes fundos europeus. Se me permite a correcção, ninguém ali "jogava". Para ter uma ideia, o domínio da matemática, da econometria, da física e mecânica quântica estava espelhado em todas as fórmulas utilizadas para medir o risco, por exemplo. Ali tinha-se que fazer em milésimas de segundo muitas contas (hábitos arredados pelos meandros políticos, QED); as equipas eram multinacionais e as avaliações das decisões políticas, que ao minuto chegavam aos monitores, eram feitas à exaustão. A cada decisão política correspondia, por consequência, uma miríade de números bem concretos e reais. Estou a falar de políticas de empresas, de entidades reguladoras e, obviamente, de decisores políticos de estados soberanos. Nunca vi, nestes dez anos, uma única decisão proveniente dos "mercados", mas apenas dos três supra mencionados "players". Políticas orçamentais expansionistas têm consequências bem concretas em acções, em obrigações, em opções de compra e venda. Os tais jovens que viu, subordinados às ordens de compra e venda de outros, porventura menos jovens, não fazem mais do que processar informação online e, por inerência, serão das pessoas mais bem informadas sobre tudo aquilo que fazem! Quer seja a mando, quer por estabelecimento próprio. Já se entre uma "research alert" e uma decisão do FED, surje uma notícia sobre o menisco do Ronaldo, são outras políticas. As da Reuters e da Bloomberg, por exemplo.
Impressionante.
Senhor Embaixador
O que me incomoda mais é que substituimos os velhos do Restelo por jovens que militaram nas juventudes partidárias.
Para quê? Para virem a fazer da política o seu destino.
Os jovens que vê nessas salas são alguns dos outros, que militaram em fazer uma outra carreira baseada no lucro. Por sua conta, ou por conta de outrem.
No primeiro grupo, uns chegam ao comando e os outros que ficam de fora, as bases, são comandadas.
Os das salas não fazem mais que reagir às ordens daqueles que chegaram ao poder. Aí Abreu Lima tem toda a razão.
Acontece que Portugal é pequeno e, por isso, não tem voz activa nem numa Europa decadente nem numa América à procura de si própria!
Impressionante de facto.
Muito impressionante mesmo, sobretudo a tentativa de pôr a culpa nos índios, independentemente das fraudes que um ou outro destes possa cometer por desleixo dos "chefes".
João Vieira
Sr. Embaixador,
Afinal os "mercados" têm rosto,e até bonita aparência!
e já se falou en seres dentro de algumas jaulas a quem de vez em quando se deve atirar alguns bocados para que se acalmem!Ainda bem que não têm nada a ver com isso!
também a sabedoria popular dizia que se "eles" dão uma chouriça,é porque querem o porco. Assim se equipararmos os subsidios, empréstimos, facilidades de créditos, etc... em quantias de biliões e biliões, então o porco, pelas regras da equivalência, só poderia se o próprio país! Mas quem dizia isso eram pessoas que tinham poucos estudos.
Atentamente
Enviar um comentário