Assumindo, em pleno, o meu estatuto de turista acidental em Lisboa, uma espécie de "náufrago do autocarro" da nuvem islandesa, decidi ontem ir ao fados, coisa que não fazia há muito. Porque optei por um modelo tradicional, vi-me transportado para um ambiente do Bairro Alto que tinha um cenário idêntico àquele que aí se vivia há quatro décadas. Até alguns cantadores e cantadeiras eram desse tempo. A única coisa que foi atualizada foram os preços. Deve ser da idade, mas achei muita graça à experiência.
À saída, um imenso contraste: uma Lisboa jovem, solta, moderna, muito africana, lojas abertas a desoras, copos na rua, até polícias com ar quase "punk".
Sou de outro Bairro Alto. De início, quando por lá trabalhava, fui da "Primavera", do "Pucherus", do "Farta-Brutos", da "Antiga Casa 1º de Maio", passando pelo "Cocote", o bar do Olívio, onde meia Vila Real desaguava em whisky marado, nos anos 70, a saudade da esquina da Gomes (só os vila-realenses perceberão isto, desculpem lá!). O bairro era, já então, orgulhosa sede da "Bola", do "Record" e dos vespertinos da época, para além dos magníficos alfarrabistas. As ruelas, com a pobreza a fazer de típico, haviam começado a crescer na moda gastronómica lisboeta, de início com o "Alfaia", a "Tasca do Manel", o "Baralto", o "Fidalgo", o "Bota Alta" e coisas afins. Mais tarde, post-modernizou as noites, por muitos e bons anos, no "Frágil", com a Margarida Martins a gerir o "funil" de entradas, dedicada a gente de preto, com olheiras graves, muito pó-de-arroz e outros pós menos saudáveis. Na restauração, houve, entretanto, afloramentos já mais distintos - no "Pap'Açorda", no "Casanostra", no "Porta Branca". Com as noites a ficarem "rough" demais para o meu gosto, deixei de ser cliente ao tempo da explosão das lojas, do Manuel Reis às várias modas, agora com a vertente étnica a rimar já com a Lisboa da imigração. Desde esse tempo, perdi o bairro como hábito.
Sou de outro Bairro Alto. De início, quando por lá trabalhava, fui da "Primavera", do "Pucherus", do "Farta-Brutos", da "Antiga Casa 1º de Maio", passando pelo "Cocote", o bar do Olívio, onde meia Vila Real desaguava em whisky marado, nos anos 70, a saudade da esquina da Gomes (só os vila-realenses perceberão isto, desculpem lá!). O bairro era, já então, orgulhosa sede da "Bola", do "Record" e dos vespertinos da época, para além dos magníficos alfarrabistas. As ruelas, com a pobreza a fazer de típico, haviam começado a crescer na moda gastronómica lisboeta, de início com o "Alfaia", a "Tasca do Manel", o "Baralto", o "Fidalgo", o "Bota Alta" e coisas afins. Mais tarde, post-modernizou as noites, por muitos e bons anos, no "Frágil", com a Margarida Martins a gerir o "funil" de entradas, dedicada a gente de preto, com olheiras graves, muito pó-de-arroz e outros pós menos saudáveis. Na restauração, houve, entretanto, afloramentos já mais distintos - no "Pap'Açorda", no "Casanostra", no "Porta Branca". Com as noites a ficarem "rough" demais para o meu gosto, deixei de ser cliente ao tempo da explosão das lojas, do Manuel Reis às várias modas, agora com a vertente étnica a rimar já com a Lisboa da imigração. Desde esse tempo, perdi o bairro como hábito.
Hoje, quando por cá passo, verifico que há muitas Lisboas em Lisboa. Aos diplomatas portugueses, nos seus estágios de atualização, deveria ser proporcionado um curso sobre o país real. A começar no Bairro Alto. Para evitar que andem a representar, pelo mundo, um Portugal já meramente virtual.
13 comentários:
Diga lá onde é que foi, Embaixador, que eu quero lá ir.
Coimbrinhas dos anos 60, estou exilado em Lisboa há quase 40 anos, e agora só conheço o que ela tem de horrível.
Sexagenário (avançado)
Caro Sexagenário (palavra que começa bem mas acaba mal...): Fui ao Faia! Ao ouvir a Anita Guerreiro e a Lenita Gentil, olhei para as mesas do lado, não fosse ainda haver pides à volta... Qual "máquina do tempo", qual nada: vá aos fados e fique à espera de ver entrar o César Moreira Baptista ou o Rapazote. A sala tem ar de terem "tido garrafa" por lá. Mais a sério: ambiente agradável e (surpress das surpresas, para a minha memória das casas de fado) excelente comida.
Belo retrato do Bairro Alto, Senhor Embaixador. Não o sabia das noites. O Senhor é um poço de surpresas.
CSC
Concordo : o diplomata deve conhecer a vida nocturna da sua capital e conhecer os lugares frequentados pela juventude do seu país ... Ingente tarefa! Pesado trabalho! Mas nós nunca hesitamos em sacrificar-nos pela Pátria!
(Fado, prefiro o "Clube do Fado", em Alfama, tem gente mais jovem...)
Caro Alcipe: tivesse eu a sua idade e tudo seria diferente. Lembra-se dos "lombinhos à indiana", servidos pela Isabelinha, no Alfaia? Não lembra, claro. Nessa altura ainda você andava de calções...
Bem me lembro nesses anos do caril de peixe do Velha Goa, do vindalho do Gigante e do balchão de camarão do Monte Carlo ... Era a predestinação!
Caro Embaixador
Obrigado pela sua resposta, pelo seu humor e pelo gosto pelas coisas boas da vida que nos transmite.
Pode ficar seguro que mais dia menos dia volto ao Faia. E vou beber um copo por si.
E sabe que mais? Certamente - mera conjectura! - nunca mais lá fui porque talvez me fizesse recordar os pides, os Rapazotes, os Moreiras Baptistas e quejandos. Patetice minha!
Sexagenário
Sexagenário (palavra que começa bem mas acaba mal...)
Será?!!!
Vou remeter-me ao recato(Só enquanto faço a pesquisa da génese)
Isabel Seixas
Senhor embaixador, lei-o quase sempre com imenso gosto e grande interesse. Mas devo dizer que este seu post me surpreendeu muitíssimo. Então ficou admirado de encontrar um bairro alto cosmopolita, moderno e multicultural? Lisboa é assim e é assim há muitos anos. Estou certo que muitos diplomatas (talvez os mais novos) nem precisam de curso de actualização sobre PT século XXI. Sabem-no bem. Às vezes o exílio francês tem coisas estranhas: será a residência de V. Exa. ao nº 202 dos Champs Elysées?
Caro Anonimo : leu mal, As varias Lisboas nao estao so no Bairro Alto, este foi apenas um pretexto de oportunidade E a atualizacao nao e para os mais novos, (pensei que era) claro.
Havia um sítio onde, por volta de 1982/84, costumava ir no regresso das aulas no Britânico. Tinha por nome "O SOLAR DO MARÃO". Não sei se era propriedade de transmontanos. Compunham o ramalhete umas tabernas de ambiente duvidoso e música popular aos gritos. Outro sítio notável era o "ESTÁDIO", já um pouco fora do bairro e um pouco lumpen.
Bem podemos dizer que cada geração tem o seu BAIRRO ALTO
Não seriam polícias com um ar quase «skin»? No Bairro Alto há desses com fartura, e nem disfarçam...
Ai Alcipe, ainda hoje não recompuz da perda do Monte Carlo!
Felizmente que o bife do Império se mantém.
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