Pode parecer, mas estão longe de ser transparentes os vidros daquele “palácio”, na primeira avenida de Nova Iorque, onde se alojam as Nações Unidas. Aliás, “transparência” é uma palavra que não liga muito bem com aquela que é a mais opaca instituição de toda a constelação das organizações multilaterais.
A complexidade do processo decisório e o rendilhado do seu rebuscado tecido de compromissos marcam a natureza de uma organização onde sobrevivem sólidos tabus, onde regras não escritas emergem de inesperadas solidariedades entre poderes que se combatem. Poderes que, conjunturalmente, se aliam em sentido construtivo mas que, infelizmente, as mais das vezes, condenam a ONU à inércia.
Que modelo de secretário-geral servirá melhor os equilíbrios do mundo em que hoje vivemos? Terá António Guterres o perfil para os tempos que aí vêm?
Olhando para os vários nomes que se sugerem, e sem o menor viés patrioteiro, quero dizer que o anterior Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados é, a grande distância, a personalidade mais bem preparada para o cargo. Alia cultura e visão políticas, experiência executiva no terreno e uma testada capacidade interlocução operativa. “Defeitos”? Não é mulher e esse fator hoje pode contar. Não é da Europa central ou de Leste e, no plano dos princípios, seria interessante que essa região finalmente pudesse indicar alguém para o lugar.
Mas as Nações Unidas, infelizmente, não vão escolher alguém exclusivamente pelo seu perfil curricular. Isso irá contar, com certeza, mas o passado ensina-nos que a seleção do nome passa por outros crivos, perfeitamente naturais numa estrutura de gestão coletiva de decisões.
A minha convicção mais profunda na matéria é simples. O próximo secretário-geral será alguém que a Rússia veja como não lhe podendo vir a causar a menor das surpresas, nomeadamente como possível factotum dos poderes ocidentais, nos próximos cinco anos, durante os quais procurará reganhar, sem cedências estratégicas de maior, a “respeitabilidade” entre as nações. Simultaneamente, terá também de ser alguém em quem Washington possa confiar como respeitador dos princípios essenciais da Carta, eventualmente tolerando algum voluntarismo, mas sempre muito realista e não demasiado ambicioso, alguém dotado de uma evidente capacidade para gerar consensos, ainda que diplomaticamente equívocos, desde que salvaguardem os equilíbrios de poder que os EUA têm por essenciais. Será secretário-geral quem conseguir esta “quadratura do círculo”. Os restantes 191 países, China incluída, acomodar-se-ão a esta equação bipolar, podem crer.