sábado, novembro 19, 2011

Pascal Lamy

Na passada sexta-feira à noite, estive presente numa palestra-debate com Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), a convite da associação "Notre Europe", criada por Jacques Delors, a que agora preside António Vitorino.

Lamy é um homem brilhante. Foi chefe de gabinete de Delors e, anos mais tarde, comissário europeu com a pasta do comércio exterior. Com ele tive então algumas "accrochages", quando se discutia a fixação do mandato europeu para a reunião ministerial da OMC, a ter lugar em Seattle, em fins de 1999. Nada que fosse muito diferente dos problemas que já tivera com o seu antecessor, o britânico Leon Brittan, na preparação das duas anteriores reuniões ministeriais da OMC, cuja delegação nacional me competiu chefiar - em Singapura (1997) e Genebra (1998).

Portugal atinha-se então fortemente à defesa de alguns produtos "sensíveis" para a nossa indústria, pelo que tentava salvaguardar certas "posições pautais", nomeadamente relativas a produções têxteis, dado que o nosso país se recusava ter de pagar, através da total abertura do mercado europeu a produtos idênticos oriundos de países terceiros, certas vantagens que outros nossos parceiros mais avançados pretendiam obter nesses mercados.

Recordo longas e penosas horas de negociação passadas nas salas de Bruxelas, com Portugal a terminar o processo praticamente isolado, comigo a fazer "bluff" com a ameaça de abandono da sala e, simultaneamente, pressões a serem feitas pelo telefone junto de Lisboa, queixando-se da minha intransigência.

Um dia, contarei aqui como não pude evitar o sentimento de algum gozo ao testemunhar, semanas depois, nas manifestações nas ruas e no caos das salas de trabalho da reunião de Seattle, o ruir fragoroso dessa negociação. Ia pagando caro, em termos europeus, uma declaração que então fiz à SIC, dizendo "não poder deixar de ter uma certa simpatia nostálgica pelos manifestantes, que haviam criado um ambiente anos 60, que recordava Berkeley e o Maio 68". Recordo que essa foi, talvez, a primeira grande movimentação de massas anti-globalização.

A reunião de sexta-feira parecia de "amigos de Alex", gente de um outro tempo europeu. Por lá encontrei Niels Ersbøll, antigo secretário-geral do Conselho das Comunidades Europeias, Philippe de Schoutheete, representante permanente belga, e Elisabeth Guigou, antiga ministra francesa - todos membros do "grupo de reflexão" no seio do qual, em 1995, havíamos discutido e preparado a revisão do tratado de Maastricht. Mas, igualmente, os portugueses Maria João Rodrigues e Vitor Martins, duas figuras a quem a política europeia portuguesa muito ficou a dever. E, também, os meus amigos espanhóis Enrique Barón Crespo, antigo presidente do Parlamento Europeu, e Eneko Landaburu, que agora chefia a representação da UE em Rabat, uma figura que foi sempre de uma grande correção para conosco, como diretor-geral da Comissão encarregado dos fundos estruturais.

A charla e o debate processavam-se de acordo com a consagrada "Chatham House rule", o que significa que o conteúdo do que foi dito não deve ser passado cá para fora (embora eu visse dois jornalistas conhecidos a tomar afanosamente as suas notas...). Por isso, apenas aqui anoto a ironia de Pascal Lamy quando afirmou que os países do antigo G8 parece não terem ainda decidido muito bem como deverão tratar os chamados "emergentes" (que muitos consideram já "emergidos"): ou como países ricos com muitos pobres ou como países pobres com muito ricos.

Porturegale-se

Aqui.

sexta-feira, novembro 18, 2011

As contas da Europa

No meio de toda a turbulência que afeta a generalidade da União Europeia, por via da crise que está instalada em torno do euro (que, curiosamente, continua a revelar-se uma muito sólida moeda, no contexto mundial...), há uma discussão séria que se aproxima: a das "perspetivas financeiras", isto é, o quadro orçamental plurianual que será fixado para vigorar de 2014 até 2020.

Esta não vai ser - nunca foi... -  uma discussão fácil, particularmente num contexto de restrições orçamentais como aquele que todos os Estados membros da UE atravessam. A Comissão Europeia já apresentou algumas linhas de reflexão. Algumas movimentações no terreno deixam claros interesses que pretendem ser preservados no futuro, nomeadamente com vista a fazer escapar algumas políticas comunitárias ao esforço global de contenção que terá de ser feito. Nada de surpreendente.

Pela nossa parte, com a serenidade de um país que, em todas as negociações de anteriores quadros financeiros revelou sempre uma atitude de firmeza responsável, e em particular porque estamos num contexto em que consideramos que não há condições para um reforço do orçamento, Portugal defende que todas - mas todas! - as políticas da União devem contribuir para o necessário esforço de contenção. 

quinta-feira, novembro 17, 2011

Viva o Estado!

"Nisto não se mexe, isto é do Estado!". Tenho esta frase no ouvido desde a minha infância. Eu devia ter 7 ou 8 anos e o meu pai, chefe de um serviço público numa cidade de província, havia-me levado, uma tarde, a assistir à abertura de uns caixotes de madeira que, uma vez por ano, chegavam, "de Lisboa", com o material de papelaria, para ser utilizado pelos funcionários, nos 12 meses seguintes. Eram resmas e blocos de papel, lápis, cartolina, borrachas, elásticos e tinta para canetas. Para quem, como eu, vive, desde que se conhece como gente, fascinado pela "stationery", a visão desse material deve ter-me criado imensa água na boca. Mas o meu pai, nas coisas do Estado, era inflexível: nunca tive, pela sua mão, um lápis ou uma borracha "do Estado" e, recordo-me muito bem que, quando passei a poder usar uma velha máquina de escrever da família, o meu pai trazia para casa fitas já usadas, consideradas demasiado gastas para o serviço.

Foi assim que, em minha casa, aprendi, para vida, o que era o Estado. Dessa forma me foi ensinado o que era ser servidor público, como o meu avô já o fora, este mostrando-me, pelo exemplo constante de vida, que servir o Estado era sinónimo de servir o país. Com ele aprendi a recusar uma dualidade pessoal com o Estado, porque, como sempre lhe ouvi, "o Estado somos todos nós".  

Faz hoje, precisamente, 40 anos, dia por dia, em que "entrei para o Estado". Passei, num concurso com muitas centenas, a ser funcionário público, uma designação que os meus amigos estranham que eu sempre escreva e diga, em lugar de "diplomata", quando tenho de declarar a minha profissão. Faço-o porque tenho uma imensa honra em ser servidor público, em ser funcionário do Estado, porque continuo a pensar que essa é a mais nobre forma de servir Portugal.

Os tempos que correm - eu sei! - não vão fáceis para o Estado e para quantos o defendem. Diabolizado por muitos, o Estado passou a ser o bode expiatório de todos os males e de todos os défices, com alguns a apelar por "menos Estado e melhor Estado", quase sem esconderem o desejo de colocar ao seu serviço o que dele sobrar. Os professores, as forças de segurança, os servidores da Justiça, os militares, os funcionários da saúde pública, os técnicos e administrativos de imensas áreas e, por maioria de razão, essa casta irritantemente snobe que são os diplomatas - tudo isso não passa, no discurso dos turiferários das virtudes angelicais da "sociedade civil", de um bando de inúteis gastadores, de preguiçosos absentistas, de mangas-de-alpaca que pilham o erário e o que foi criado pelo suor de quem "produz a riqueza". 

É claro que sei que vou contra "l'air du temps", que vou correr o risco de eriçar alguns sobrolhos e de excitar alguns blogues ou colunistas desses novos "libertadores", mas deixem-me que aqui diga hoje, quatro décadas depois de ter começado a servi-lo, sem uma ponta de arrependimento, com um imenso orgulho e com a liberdade a que o 25 de abril me deu direito: viva o Estado!

Sobre as águas

Em tempos complexos, vogam por aí novas "Velas e navios sobre as águas". 

Os dias não vão para luxos, mas, c'os diabos!, ainda podemos gozar um certo Fausto.

François Bayrou

François Bayrou é um dos mais experientes políticos franceses. Antigo ministro e presidente do partido centrista MoDem, obteve mais de 19% dos votos nas eleições presidenciais de 2007. Em 2012, irá de novo a votos. Entretanto, vai publicando, pelo seu punho, alguns livros que são tão polémicos como admiravelmente bem escritos.

Ontem, Bayrou almoçou com os embaixadores da União Europeia e, num tom solto e bem humorado, disse-nos o que pensa da situação política interna francesa, explicando também a sua visão sobre as mais importantes temáticas europeias. Fê-lo num tom franco e "sem papas na língua", o que me levou a dizer-lhe, em jeito de elogio, numa questão que lhe coloquei, que, ouvindo-o, ninguém diria que a expressão "langue de bois" era francesa...

Aproveitei este encontro com François Bayrou para pôr com ele algumas contas em dia.

Alguns se lembrarão que, em 2000, no início da presidência portuguesa da União Europeia, ocorreu o chamado "caso austríaco". 14 dos 15 países da então União, descontentes com o facto de estar iminente a entrada no governo austríaco de um partido tido como de extrema direita, resolveram impor algumas "sanções" às autoridades de Viena.  Tratava-se de medidas de natureza bilateral, que não afetavam os direitos austríacos como país membro da União, mas que significavam o descontentamento dos parceiros europeus da Áustria pelo facto do paradigma governamental do país poder conflituar com a ordem de valores pelo qual a Europa comunitária se deveria pautar. Mal sabíamos nós, à época, o que o futuro nos traria noutras paragens do continente...

O tema era muito polémico, por toda a Europa. Como polémica foi a necessidade de Portugal ter sido colocado, pela generalidade dos seus parceiros europeus, no centro do problema, como "coordenador" da posição dos 14. O Parlamento Europeu também não escapou a ele e, numa tarde de fevereiro, em Bruxelas, com o areópago a abarrotar, a presidência portuguesa, que tivera de assumir as "dores" dos 14, esteve no centro de um longo debate. Coube-me assegurar as nossas "cores" e defrontar um ambiente muito tenso, com centenas de deputados a vaiar a posição que nos competia defender, lado a lado com outros que hostilizavam a opção austríaca.

A base de argumentário de que eu dispunha para o debate era muito escassa: um mero comunicado de alguns parágrafos, laboriosamente acordado entre os 14, com aquela linguagem ambígua que esse tipo de textos fortemente negociados sempre tem. Era muito pouco, para cerca de duas horas de debate, mas era essa a minha margem, pelo que tive de improvisar em torno do texto comum, cuidando em o interpretar criativamente, correndo o risco de alguém me poder dizer que estava a ir longe demais. 

Acresce que a Comissão europeia, na bancada em frente, escudada na prudência, havia decidido tomar um caminho de retração opinativa num tema em torno dos valores, aguardando talvez que o vento soprasse de forma clara num qualquer sentido. Pela voz do presidente Romano Prodi, assumiu uma posição equívoca, a qual, a partir de certo momento, me deixou numa situação algo embaraçosa. Nem uma intervenção mais "assertive" do comissário Neil Kinnock em nosso apoio, a quem eu fizera entretanto chegar uma nota do desagrado por essa tibieza inicial, foi suficiente para reverter o ambiente de isolamento em que a presidência portuguesa se encontrava.

No plenário, o "ping-pong" entre a esquerda e a direita foi-se processando, com a presidência a ser considerada, ora tímida e complacente, ora demasiado agressiva com Viena, sendo raros os que se reviam na "craftly worded" linguagem do comunicado dos 14. 

Por razões que só a "petite histoire" acolherá um dia, a maioria dos deputados portugueses dispensou-se de intervir em defesa a posição da "sua" presidência, pelo que, sozinho, tive de fazer as "despesas da conversa". Nada que fosse impossível, mas era uma posição bastante difícil de ir sustentando sem apoios claros no plenário. Mas estes eram raros. Contra nós, por exemplo, falaram figuras como Jean-Marie Le Pen, que vociferou graves coisas denunciando a atitude que titulávamos - repito, não em nome de Portugal, mas de 14 dos 15 países da União cuja posição e razões nós ali tentávamos sustentar.

Foi então que uma voz do centro do espetro político europeu se ergueu, com grande vigor e determinação, apoiando as razões assumidas pela presidência portuguesa, destacando que ela estava a representar os princípios de ética democrática da União e uma linha justa de abordagem do problema: essa voz era a de François Bayrou. Com as suas reconhecidas qualidades de tribuno, colou-se às nossas posições e foi uma preciosa ajuda para equilibrar o ambiente.

Ontem, tendo com ele coincidido numa das mesas do almoço organizado pelo meu colega polaco, tive o ensejo de lhe relembrar a ocasião e o seu gesto. Ainda que com mais de uma década de atraso, foi-me grato poder expressar esse agradecimento que estava a dever a François Bayrou.

terça-feira, novembro 15, 2011

Hotéis

A grande hotelaria é hoje uma das nossas imagens de marca como país, no mercado exterior. Por ela passa a utilização do turismo como um dos instrumentos para a superação dos problemas da nossa economia.

Ontem, aqui em Paris, tive o prazer de poder testemunhar a consagração de um projeto como o Porto 41, um hotel situado nas margens do Douro, a escassas dezenas de quilómetros do Porto, cuja ousada e criativa arquitetura recebeu um prémio internacional, numa competição onde figuravam alguns dos maiores projetos do mundo no setor.

Da seleção final, noutra categoria, figurava o Altis Belém Hotel, também uma magnífica unidade hoteleira de Lisboa.

segunda-feira, novembro 14, 2011

Cultura portuguesa

Na passada semana, homenageei na Embaixada, em ocasiões diferentes, duas figuras cuja importância para a promoção da cultura portuguesa em França pude testemunhar, durante a minha estada em Paris.

Reuni jornalistas, livreiros e editores franceses para saudar Michel Chandeigne e os 20 anos das "Éditions Chandeigne", que têm levado a cabo uma importante tarefa de divulgação da língua e da cultura de Portugal e dos países que, pelo mundo, se exprimem em português. Na pessoa de Michel Chandeigne e dos seus colaboradores, lembrei igualmente o magnífico trabalho desenvolvido pela sua livraria que, desde há um quarto de século, torna acessíveis obras de diversas origens, servindo todas as culturas que se exprimem em português.

Noutra ocasião, juntei dezenas de amigos e figuras próximas de João Pedro Garcia, o qual, durante sete anos, dirigiu o Centro cultural da Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris. A Gulbenkian, como eu costumo dizer, é uma outra "Embaixada" portuguesa nesta cidade e, graças ao entusiasmo, dinamismo e competência do seu diretor, transformou-se num espaço insubstituível, pela organização de grandes eventos culturais, que muito dignificam a imagem de Portugal. Agora que João Pedro Garcia regressa a Lisboa, para retomar em pleno o seu lugar de diretor internacional da Fundação, quis deixar-lhe uma nota de grande apreço, em especial pela inexcedível colaboração com que dele sempre pude contar.

A cultura portuguesa tem, infelizmente, um elevado défice (outro...) de afirmação no exterior. Figuras como Michel Chandeigne e João Pedro Garcia dão uma grande ajuda para reduzi-lo.

domingo, novembro 13, 2011

Verde Eusébio

"Não gosto do Sporting. No meu bairro, era o clube da elite, da polícia e dos racistas". "Eu nem do Sporting de lá gosto, quanto mais do de cá", diz Eusébio no 'Expresso' ".

Pois é, Eusébio! Mas nós, quer você queira quer não (e já se percebeu que quer...), gostamos de si, mesmo sendo do Benfica. Aqui deixo uma foto de quando você era de um Sporting...

Vemo-nos na Tia Matilde!

sábado, novembro 12, 2011

O fim do MES

Éramos quase 300. Algumas caras diziam-me muito, outras alguma coisa e outras, francamente, nunca as devo ter visto. Foi o almoço com que saudámos os 30 anos passados desde que, em 1981, um jantar consagrou o termo de um partido cuja existência efetiva já era então algo duvidosa. Foi um almoço sem muitas nostalgias, sem discursos, que seriam inapropriados em gente de uma geração que seguiu percursos nem sempre comuns, mas que, de comum, terá para sempre a bela memória de um tempo magnífico. E que, em geral, não renega as suas heranças.

Alguns faltaram, por razões muito diversas, em certos casos, imperativas e definitivas. Em nome e simbolizando os que partiram, deixo a imagem de alguém que nos fez e faz muita falta: o Agostinho Roseta.

Uma jovem jornalista perguntou-me, antes do almoço, se ao país sente falta, nos dias de hoje, de um partido como o MES. Ri-me e disse-lhe, claro, que não. Embora os portugueses hoje cada vez mais se preocupem com o fim do mes...

Em tempo: aqui deixo um forte abraço de agradecimento ao núcleo organizador do almoço, que foi responsável pela sua impecável realização.

Vale a pena ver aqui um filme sobre o MES publicado no blogue dedicado a este almoço.

quinta-feira, novembro 10, 2011

"Le Monde" não é o mundo

Numa destas operações de limpeza de papeladas que os fins de semana propiciam, encontrei há dias um recorte de um número do "Le Monde", já com uns meses, onde se defendia, em editorial, que "é preciso chamar ditador a um ditador, sempre e bem alto".  Arriscando-me a suscitar a cólera dos puristas, quero dizer que, se a frase é bonita em termos de jornalismo, ela é impraticável em termos políticos.

Vamos então aos factos, no que, por exemplo, respeita a Portugal.

Como é sabido, o nosso país mantém relações diplomáticas e económicas com diversos Estados onde vigoram regimes mais ou menos sinistros, alguns travestidos de "democracias", outros com modelos abertamente autoritários ou populistas, onde têm lugar regulares atentados, uns mais graves que outros, a direitos de cidadania que, no nosso mundo, consideramos fundamentais. Convém, aliás, ter presente, para quem o não saiba ou possa ter esquecido, que, na maioria dos países do mundo, a democracia não se pratica, pelo menos no conceito que dela temos no ocidente.

Em alguns desses Estados, vivem, contudo, cidadãos portugueses, por vezes em número bem significativo. Empresas do nosso tecido empresarial mantêm, com entidades públicas ou privadas desses países, regulares negócios, do sucesso dos quais dependem muitos postos de trabalho em Portugal. Não raramente, capitais oriundos desses tais países com regimes muito pouco recomendáveis ajudam a engrossar o investimento direto estrangeiro que o nosso país procura, a todo o custo, estimular. E turistas, chegados desses Estados menos democráticos, desembarcam em Portugal e gastam os seus dinheiros nos hotéis, restaurantes e lojas portuguesas.

Imaginemos, assim, por um instante, que Portugal era tentado a seguir a política de "murro na mesa" (como a recomendada pelo "Le Monde") e que, num acesso de "honestidade" e de insana franqueza na afirmação de princípios, os responsáveis políticos portugueses decidiam declarar publicamente que, no país X, os direitos políticos dos cidadãos são frequentemente desrespeitados pelo autoritarismo populista aí reinante, que a liberdade de imprensa não vigora em plenitude no Estado Y e que existe uma clique corrupta que rouba o Estado Z.

O que sucederia? Com toda a certeza, na sequência do ressoar mediático dessas declarações, os nossos cidadãos residentes nesses Estados iriam sofrer retaliações nos respetivos interesses, empresas portuguesas iriam ver os seus negócios prejudicados, alguns capitais migrariam de Portugal para outras paragens e, atento o poder de controlo que os governos desses países têm sobre os seus cidadãos, eles deixariam de nos procurar como destino turístico. Além disso, e por muito tempo, a capacidade de interlocução política de Portugal, para a defesa dos seus interesses e dos seus cidadãos residentes nesses países, baixaria para zero. 

Porém, outros Estados que não houvessem seguido o angélico conselho do "Le Monde" fariam, de imediato, todas as diligências necessárias para recuperarem, para as suas empresas, os negócios que as suas congéneres portuguesas haviam perdido ou para recuperarem os capitais que Portugal tivesse alienado. E, podem crer, nesses Estados que se movimentariam para nos substituir estariam vários parceiros nossos da União Europeia.

Mas não será que a "valentia" retórica portuguesa poderia acabar por ter um efeito para a melhoria dos aspetos denunciados? Só por ingenuidade ou desconhecimento alguém pode pensar dessa forma. Alguém, com um mínimo de sensatez, acha que um país estrangeiro iria mudar a sua política só porque a diplomacia das Necessidades decidia congelar relações ou manifestar bilateralmente uma oposição à orientação da sua política? O único efeito de tais gestos iriam ter seria o pontual acalmar das consciências de quantos pensam como o "Le Monde", o que seria um saldo bem curto. Só que esses puristas - que andam por aí a blogar ou a comentar, com foto tipo passe, nas colunas onde escrevinham pagos à linha - não têm, e sabem que nunca terão enquanto emitirem tais juízos, quaisquer responsabilidades políticas na proteção dos interesses dos nossos compatriotas que vivem no estrangeiro, nem ninguém lhe iria pedir que defendam os postos de trabalho das nossas empresas ou da nossa indústria turística. "Mandar bitaites" sobre política externa é muito diferente de ter de a executar.

Mas, então, a opção é estarmos calados? Então Portugal não tem uma "diplomacia ética", respeitadora dos direitos humanos, promotora da defesa das liberdades? Claro que tem e, para tal, há locais próprios para atuar. Salvo para Estados com grande poder à escala global, que dispõem de meios de pressão, económica ou outra, que podem, em certas circunstâncias, garantir a produção de alguns efeitos no plano bilateral, a luta pelo respeito pelas liberdades e pelos direitos fundamentais, bem como a promoção de fórmulas de boa governação, tem hoje outros patamares de tratamento. Apenas o quadro multilateral ou de coordenação regional permite um espaço de intervenção minimamente eficaz,  muitas vezes com a utilização do mecanismo de condicionamento de ajudas ou pela imposição de sanções, por forma a exercer alguma pressão que force a mudança.

Mas, mesmo essas pressões, não nos iludamos, terão sempre uma eficácia que varia na razão inversa da dimensão económica e da importância estratégica do país sobre o qual elas se objetivam. A "coragem" da União Europeia, por exemplo, é tanto maior quanto o país que é objeto das suas medidas "punitivas" é irrelevante para os negócios dos seus principais Estados membros. Basta ver, aliás, como a voz europeia "engrossa" na manhã seguinte ao dia em que os ditadores (até então parceiros) caem, por via da necessidade de colocar esses interesses europeus em consonância com os novos ventos que passam a soprar localmente. Não preciso de dar exemplos, pois não?

O mundo não é o "Le Monde". É uma pena, mas não é.

Poderes

Comentário irónico de um colega europeu (não revelo o país, claro), à margem de uma reunião de trabalho, na tarde de hoje: "Não deixa de ser estranho verificar que o poder de pressão dos poderes fáticos europeus, forçando à mudança de governos, só funcione perante democracias. Gostava de os ver tão eficazes em Damasco e Teerão...".

Nem imaginam a cara de alguns dos presentes.

A bicicleta europeia

Jacques Delors dizia que a Europa era como um bicicleta: no momento em que parasse de avançar cairia para o lado.

Salvo para alguns artistas prendados - e os tempos não mostram muitos no atual circo europeu -, há outra conclusão que se impõe: se a bicicleta começar a andar para trás, espalhamo-nos todos ao comprido.

Democracia

"A crise da dívida parece empurrar gradualmente a Europa para uma mais estreita integração. Mas a Europa pode pagar um preço pesado se, nesse caminho, tratar cada vez mais a democracia como um luxo fora de moda" - escreve hoje Tony Barber no "Financial Times", num artigo onde se destacam os casos português e irlandês, como exemplo de esforços feitos por governos que estão perante "formidáveis dificuldades, mas das quais não faz parte a defesa da sua legitimidade".

Previsões

É muito bom ler isto: "A Comissão Europeia estima que Portugal irá cumprir as metas de défice público para 2011 e 2012, prevendo mesmo um valor ligeiramente mais otimista que o governo português para este ano, ao antecipar um valor de 5,8 por cento do PIB."

E menos bom ler isto: "A Comissão Europeia prevê que o nível da dívida pública portuguesa chegue a 101,6 por cento do PIB este ano e registe um aumento para 111,6 por cento em 2012. As perspetivas de Bruxelas, presentes nas previsões de outono hoje divulgadas, são mais pessimistas que as do governo português."

Portanto, sigamos o João Pinto.

Baisers volés

Alguém que descubra a solução, porque eu não a consigo encontrar, para evitar ficar preso até às três e tal da manhã, a partir do momento em que um canal de televisão nos mostra, pela enésina vez, o "Baisers volés", de François Truffaut.

Pode ser que alguém tenha a coragem de desligar o suave sorriso, marcado por uma bela e incomparável tristeza, de Delphine Seyrig, fixando, sem mancha de ironia, o eterno embaraço grave de "Antoine Doinel". Pode ser. Mas não contem comigo para isso.

quarta-feira, novembro 09, 2011

Um abraço, Georgios

Não é vulgar repetir um post. Mas vou reproduzir o que aqui publiquei, em 5 de outubro de 2009, porque ele é o melhor retrato que consigo fazer de um amigo que foi, até há uns minutos, o primeiro-ministro da Grécia:

"Georgios Papandreou foi ontem eleito primeiro-ministro da Grécia.

Desde o tempo em que foi secretário de Estado e depois ministro dos Negócios Estrangeiros do seu país, Georgios anima anualmente um clube internacional de discussão, para o qual tive o privilégio de ser por ele convidado algumas vezes - o Symi Symposium. António Guterres e Jaime Gama foram os outros portugueses presentes nessas reuniões, que têm uma composição variável. Por lá passaram já Bill Clinton, Amartya Sen, Joseph Stiglitz, Richard Holbrook, Fernando Henrique Cardoso, Yossi Beilin, Ségolène Royal, etc. São encontros com cerca de 25 pessoas, cada uma de sua nacionalidade, realizados sempre em locais diferentes da Grécia, nos quais, durante uma semana, se pensa livremente o mundo e, muito em especial, a Europa.

Houve um desses debates, creio que em 1999, que nunca mais esquecerei. Estávamos no tempo imediatamente posterior à grande crise do Kosovo e, à mesa, desencadeou-se uma acesa discussão entre uma resistente sérvia, aberta opositora de Milosevic, e um intelectual kosovar, recém-saído de meses de clandestinidade em Pristina. Num certo momento, o kosovar, num óbvio excesso de argumento, volta-se para nossa amiga sérvia e ataca-a da seguinte forma: "tu podes ser pró ou anti-Milosevic, mas o problema que nunca poderás ultrapassar é o facto de seres sérvia!".

Todos ficámos gelados! O ambiente de diálogo e cordialidade que caracteriza, desde há vários anos, aquelas reuniões, que não impede discussões acesas e vivas, nunca terá chegado a um extremo tal de agressividade, muito fruto de um tempo de tensão balcânica cuja conflitualidade inter-étnica ficámos, naquele instante, a perceber bem melhor.

Foi então que, com o seu ar sereno, no tom suave que nunca perde, Georgios interveio. E fê-lo para contar uma história, que se tinha passado consigo, já há muitos anos.

Durante a ditadura militar grega, o seu pai, Andreas Papandreou, que mais tarde viria a ser primeiro-ministro, encontrava-se na clandestinidade. Uma noite, o exército invadiu a casa da família de Georgios, que era então adolescente, e levou-o de carro para uma qualquer zona da Grécia. Umas horas mais tarde, ao chegarem a uma moradia isolada, cercada pela tropa, Georgios viu o oficial que o detivera e que comandava o grupo pegar num megafone e dirigir-se à habitação, que logo compreendeu ser o esconderijo onde estava o seu pai. O oficial gritou então para que Andreas Papandreou se rendesse, informando-o de que tinha ali o seu filho, que prenderia se ele não se rendesse, tudo isto acompanhado de outras ameaças violentas. Perante este cobarde ultimatum, o pai Papandreou entregou-se e foi preso.

A história que Georgios nos contou tinha um significado que ele pretendia projectar no ambiente de tensão que se criara no nosso debate. Porque acrescentou: "na passada semana, encontrei casualmente o militar que fez essa chantagem comigo e com o meu pai, utilizando-me como refém. Estendi-lhe a mão e cumprimentei-o. Essa é a nossa superioridade como democratas".

Recordo-me que todos olhámos para os nossos amigos da Sérvia e do Kosovo, para tentar perceber se eram sensíveis à lição. Não estou certo que ela tenha sido eficaz.

Se outras razões não tivesse, fruto da minha já antiga amizade com Georgios Papandreou, este testemunho reforçou-me a admiração pelo perfil humanista do homem que, desde ontem, dirige os destinos da Grécia. E a quem já dei os meus sinceros parabéns."

Feriados

A igreja católica portuguesa acaba de anunciar que "aceita a mudança de data de dois feriados religiosos se o Governo renunciar a outros dois civis".

Devo dizer que nunca esperei assistir, em dias da vida, a uma "marchandage" deste teor. Mas já nada me espanta!

No que me toca, que fique claro: como feriados oficiais ou como dias descontados nas minhas férias, comemorarei sempre, nessa exatas datas, o 25 de abril, o 1 de Maio*, o 10 de junho, o 5 de outubro e o 1 de dezembro. Feitios!

Em tempo: Quase simultaneamente, Otelo Saraiva de Carvalho "ameaça" fazer uma nova Revolução. Perdoai-lhes, senhores, que não sabem o bem que fizeram! 

*Um anónimo lembrou-me - tinha-me esquecido! - o 1 de maio! Era só o que faltava eu não o comemorar...

Manuel da Cruz

Chama-se Manuel da Cruz, tem 45 anos, foi ontem condenado em França a prisão perpétua por um assassinato, antecedido de violação, ocorrido em 2009. Já antes tinha cumprido uma pena de prisão de 11 anos, por outra violação. Manuel nasceu em Portugal, veio para França aos 7 anos, com uma irmã, juntar-se aos pais que, ao que agora se sabe, os sujeitaram a uma adolescência de violência doméstica. É casado há 23 anos com Maria, teve dois dos seus quatro filhos e, não obstante um registo constante de violência e alcoolismo, seria um excelente pai.

Manuel da Cruz, hoje francês, é um compatriota nosso, um homem que por aqui escolheu o lado errado da vida. Nas notícias que referem este caso, a origem portuguesa de Manuel da Cruz aparece sempre como lateral. É que Manuel da Cruz está, não apenas muito distante da imagem que a França conserva da comunidade portuguesa, mas é exatamente o seu oposto. E é também por essa razão que o embaixador de Portugal, com toda a serenidade, aqui refere hoje esta história singular. E triste.

Uma nota para os tristes

Há vários anos que, quando penso (e penso muitas vezes) ir comer ao restaurante "Salsa & Coentros", não longe da Avenida do Br...