Laurent Fabius deixou a chefia da diplomacia francesa, passando a assumir a presidência do Conselho Constitucional, um órgão que, no ordenamento constitucional francês, não tem a relevância de um tribunal, mas onde, por exemplo, têm assento os ex-presidentes da República. É um fim de linha política "honorable" para uma das figuras mais proeminentes da família socialista francesa, que, a meu ver, fez um excelente lugar como ministro dos Negócios estrangeiros, consagrado com um papel decisivo na cimeira do clima e, embora num grau menos determinante, no acordo nuclear com o Irão. Num tempo em que a imagem internacional da França é de algum declínio, Fabius contribuiu para o disfarçar.
Fabius é aquilo que a direita costuma qualificar de "esquerda caviar". Oriundo de uma abastada família judaica, ligada ao negócio de antiguidades, emergiu, ainda jovem, pela mão de François Mitterrand, que o levou até ao cargo de primeiro-ministro. Atingido pelo escândalo da aquisição do sangue contaminado, que faria outras vítimas políticas noutros países, incluindo Portugal, fez uma travessia do deserto, durante a qual ficou famosa a sua oposição ao defunto "tratado constitucional" europeu, em cuja rejeição pela França teve um papel decisivo, o que os europeístas nunca lhe perdoaram.
Fabius terá sido dos últimos a acreditar em François Hollande como possível presidente socialista. É famosa a sua frase quando, num colóquio, foi perguntado sobre as hipóteses do atual presidente: "Hollande? On rêve!". No entanto, com a vitória de Hollande nas "primárias" socialistas, este viria a chamá-lo para o seu círculo próximo. Conheci-o pessoalmente, nesse período pré-eleitoral. Falámos mais do que uma vez, nesse tempo em que os diplomatas em posto em Paris procuravam sondar sobre o que seriam as intenções e orientações de um possível executivo socialista. Na minha perspetiva, cedo se revelou como uma das figuras de grande qualidade no círculo político do futuro presidente. A sua passagem à chefia do Quai d'Orsay só foi uma surpresa para quem estava desatento.
Diz-se que razões de saúde poderão ter determinado esta sua saída de cena. Era um "peso pesado" importante no governo, embora nunca fosse um "bem amado" no seu seio, bem como junto dos diplomatas. Alguma arrogância e sobranceria marcaram sempre o estilo de Fabius. Mas, repito, olhando do exterior, acho que foi um nome que dignificou internacionalmente a voz da França e, pelo menos aparentemente, foi leal a Hollande até ao fim.