segunda-feira, abril 29, 2019

Conversa


Ela, nos sessenta e muitos, tinha uma cabeleira dourada standard e um ar bastante “bem”. Devia ter sido bem gira. Era ainda Nevogilde, no seu melhor. Nele, a cara dizia-me qualquer coisa, mas, confesso, que já tive melhores dias no reconhecimento facial de pessoas. Tinha uma boa década e meia a mais do que ela. 

Foi num bom restaurante do Porto, há umas horas. 

Eu jantava sozinho. Eles, um com o outro, na mesa ao lado. Cada um olhava o respetivo telefone. “Já viste o resultado em Espanha?”, perguntou ela. “Os vermelhos ficam!”. Sorri (interiormente), interrogando-me sobre se o fantasma da Pasionaria estaria mesmo a rejubilar com a recondução do “Ken da Barbie” na Moncloa.

Ele, grave, continuava a ponderar. A certo ponto, reagiu, meio displicente: “Deram cabo de tudo. Agora ainda há essa coisa do Vox!“. Deixou passar um instante e revelou: “Nunca acreditei no Fraga, sabes? Traiu o Franco”. 

A conversa começava a compor-se. Eu fingia que lia o editorial do Economist sobre a Hauwei. Mas estava curioso. De onde é que, afinal, eu conhecia aquela cara?

Mandei vir mais um Jameson, porque ando numa fase de trocar o “whisky” pelo “whiskey”, talvez como consequência colateral do “backstop” do Brexit! E foi então que ouvi, na boca dele, a frase definitiva: “Gostava era dos dias em que a Falange tinha sempre unanimidade nas Cortes. Belos tempos!”. E gargalhou, finalmente. Ela (pronto, era isso, era segundo casamento!) inquiriu: “Ias lá muito, nesse tempo, não ias?”. Não esperou a resposta, óbvia, e, olhando para o lado (que isto agora nunca se sabe quem é que anda por aí), baixando a voz, que era cava, como o estatuto social requeria, clarificou: “Para além do ano de 1975, claro! Passaste lá muito tempo, então”. Ele só fez um esgar, blasé e cúmplice, confirmatório, qualquer coisa entre o ELP e o MDLP. E o nome dele, caramba!, finalmente, emergiu, para derrota provisória do meu futuro Alzheimer. Mas não esperem que o diga!

Enquanto me levantava da mesa, tive o impulso (felizmente contido) de perguntar, para o lado: “Ia muito ao Pasapoga, nessa altura, não ia?” Mas travei-me. No Porto, por estes dias, ainda por cima depois do resultado de hoje na “pedreira” de Braga, ainda tenho de ter algum cuidado...

15 comentários:

Luís Lavoura disse...

Não se deve ler os editoriais do Economist. As notícias, sim. Os editoriais, são todos a mesma merda: muito West e muita "porrada neles".

J J R disse...

Adorei!

Anónimo disse...

Recentemente, nas redes socias, apareceu a seguinte questão: no processo revolucionário em curso, do 25 de Abril, estiveste na célebre assembleia do MFA? E por quem votaste? Pelo fusilamento dos fascistas, já?

Interessante questão porque consta que foi apenas por ação de uma pessoa: o gen. Costa Gomes (valha-nos Deus!) que a proposta não foi aceite

Hoje, 45 anos depois, achar que foi tudo cravos nas espingardas parece uma anedota e julgar que só os nossos tem direito a excessos é risível. Mais vinte anos e teremos então o julgamento histórico,
João Vieira

Francisco Seixas da Costa disse...

João Viera devia ler isto para se elucidar: https://duas-ou-tres.blogspot.com/2019/04/memoria-de-uma-noite.html

aamgvieira disse...

Tudo tão "preocupado" com o VOX e em Portugal o Governo manda a "Pide' para Ordem dos Enfermeiros.......

Anónimo disse...

Mais uma vez, os Catalães deram uma bofetada de todo o tamanho no Estado espanhol.
Primeira vitória nas legislativas desde que há eleições!!!

E anda toda a gente "preocupada" com a transferência de votos do PP para o Vox. A manipulação é assim que se faz.

Luís Lavoura disse...

aamgvieira
Não há PIDE nenhuma. As Ordens são entidades de direito público que têm certas atribuições - podem fazer umas coisas, outras não. Se se põem a fazer coisas que não estão autorizadas a fazer, então devem ser punidas pelo Estado.

Anónimo disse...

Embaixador, o meu comentário nada tem que ver com este seu tema. Mas sim, com a questão dos Gatos, num páis troglodita e incivilizado chamado Austrália.Como é possivel o Mundo não reagir contra esse povo descendente de criminosos e vagabundos trazidos da Inglaterra? como é possivel aqueles governantes apoiarem este tipo de barbarie? até prova em contrário, considerarei este pai´s como o pior e mais incivilizado do Mundo. Não tem dignidade para continuarem a ser chmados de país, deveriam regressar á condição de colónia para serem civilizados. Quando ao porco que aparece com um gatinho que matou pelo rabo, deveriam fazer o mesmo com ele e com todos os que pensam como ele. O Gato é o expoente máximo daquilo que a natureza produziu. Porcos australianos.

aamgvieira disse...

Sr.Lavoura,o seu texto na sua "inocência",corresponde à resposta que um patrão manda dizer ao empregado para responder ao cliente.

Não preciso de "resposta" escrita, sei bem do assunto....

mais uma lavourada !

Anónimo disse...

A célebre assembleia do MFA respondeu ao golpe do 11 de Março. Como: radicalizando à esquerda e tomando decisões que a revolução do 25 de Abril não supunha, bem longe disso. Só a acção de Zenha, Mário Soares e as mocas de Rio Maior pararam a deriva (não foi o MES nem Jorge Sampaio, por muito que talvez lhes custe, nem, muito menos, os que hoje dizem com enorme candura que quem não comete excessos na juventude, não é homem nem é nada. É por isso significativo perguntar: onde estava no pós onze de Março? Com a revolução ou com a reacção de Zenha, Soares e Mocas de Rio Maior, sem esquecer a indispensável tropa que não aderiu à deriva?

João Vieira

aamgvieira disse...

Excelente pergunta de João Vieira !

Anónimo disse...

caro João Vieira pergunte ao ze manel fernandes, ao barroso etc e tal, o que pensam da juventude, a nata da nata da direita neo liberal!...

a ver o que acontece aos berloques daqui a uns anos....


Anónimo disse...

Anónimo: Não tenho nada contra "os disparates de juventude" que todos fizemos. Tenho muito contra os que se "vangloriam" dos disparates e que não confessam humildemente "eu era um parvo". Não suporto, como já vi num jornal, uma óptima actriz, e suponho que boa pessoa, dizer qualquer coisa como isto: "só fizemos disparates, com consequências, mas não trocava nada da minha juventude" acrescento eu mesmo sabendo como prejudiquei terceiros.
Os MRPPS que cita, arrependeram-se e, que eu saiba, o MRPP nunca valeu de nada, tirando umas arruaças e pancadarias de rua. Nunca vi um desses que se arrependeram vangloriarem-se de "dar cabo da embaixada de Espanha". Se o fizeram, escondem-no bem escondido, arrependidos que devem estar. Conheço um bem direitista por sinal, e sempre o foi, que ajudou a pôr no fogo um óptimo tapete da embaixada. Com justifica ele ? porque era estúpido que nem uma porta, diz.
Também não tenho nada contra os que mudam de partidos, desde que isso não seja apenas uma viragem ao vento de feição que é aliás, o que mais se vê
João Vieira

Anónimo disse...

caro João Vieira

o meu ponto era sobre a inconstância das coisas, e que como decisões relevantes podem ser tomadas por quem daqui a muitos possa estar ou não de acordo com elas.

E essa alteração ou não do modo de ver as coisas depende de tudo e de nada, é fruto de acasos etc.

Poderia(?) haver um estranho presente onde fossemos governados pelo MRPP de durao etc.


Portanto n sei se questionar posição de cada qual no pos 11 de março serve p alguma coisa.

Os caminhos da história são estranhos e misteriosos, apesar de tudo.





Anónimo disse...

Caro anónimo
Abusando da paciência do dono do blog diria que concordo totalmente com o seu ponto, desde que quem muda, e todos mudamos, não venha gabar-se dos disparates que fez, tão grandes que muda... E no 11 de Março os disparates foram enormes e com consequências tramadas, um mínimo de arrependimento é exigível para agora classificarem-se de democratas

João Vieira

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