As memórias presidenciais de Aníbal Cavaco Silva (já lidas de fio a pavio, porque faço parte dos estóicos de biblioteca) é uma espécie de livro de atas de um notário meticuloso (quase picuínhas) da política.
Do texto, que em escrita é basicamente escorreito mas onde o que sai do oficioso resvala para um discurso literariamente menos glorioso, ressalta um tropismo, em crescendo, para a adjetivação ácida, aqui ou ali algo vingativa, "to say the least".
É um livro auto-elogioso à náusea, de quem tudo viu, tudo previu, numa omnisciência que só foi pena não ter tido afinal consequências de maior para bem do país que insistiu em colocá-lo em Belém por um longo decénio.
Cavaco Silva sabe que, ao ter elegido José Sócrates como "bombo da festa", garantiu um "pós-eleitorado" seguro para dar um pouco mais de credibilidade à narrativa eufórica que faz sobre si mesmo. Muito pouco elegantes são as palavras que dedica a Mário Soares. Nada que surpreenda, contudo, conhecido o autor.
Uma nota inevitável para a ligeireza com que se refere a algumas trapalhadas próprias, a menor das quais não será a das escutas.
Enfim, um livro de quem tem pressa em tentar que o país dele fixe de si uma imagem à altura da elevada conta que guarda de si mesmo.
22 comentários:
O "escritor" de onde é natural? Boliqueime! Não te bolicasses!. Senhor Embaixador. Então o senhor já despachou o erudito calhamaço. Pelo tamanho, respetivo conteúdo e pela sua teimosa e pachorra, merece os parabéns. Não me diga que também foi ao lançamento?
Boliqueime é uma Freguesia do Concelho de Loulé. Pois bem, nos cafés algarvios é vulgar ouvir-se : "Em Boliqueime só na Freguesia de São Clemente é que é suposto haver gente inteligente".
O Senhor Tenente Miliciano Cavaco, da especialidade Contabilidade e Pagadoria, não quis deixar os seus créditos por mãos alheias.
Acho que antes do Tomo 2, devia existir um Tomo 0 (zero) desta magnífica obra dedicada ao IMI e ao BPN.
David Caldeira
Já li metade e posso concordar com a afirmação de o livro ser muito auto elogioso. Lembrou-me uma afirmação do ex ministro Gonçalves Pereira que tendo a entrevistadora televisiva anotado que o dito se estava a gabar demais disse: oh minha senhora não devemos dizer mal de nós próprios porque para isso estão os outros! E os portugueses são especialistas nisso, acrescento eu.
Para mim não há nenhum problema na gabarolice desde que esta corresponda a factos e, tanto quanto li até agora, é precisamente essa a minha impressão, nomedamente em todos os remoques contra Mário Soares que são factos públicos mas esquecidos por conveniência, julgo.
João Vieira
Diria que ter lido o tijolo de fio a pavio não será motivo de elogio ou de admiração. Tirando o incontrolável apelo ao vómito, não custa muito ler um livro de Cavaco. Aquilo não é propriamente James Joyce. A sintaxe é sujeito verbo complemento directo, complemento indirecto. Usa e abusa do Eu majestático. Metáforas não há. As ideias são as já conhecidas e desenvolvidas pela figura: que não é político, que Sócrates é um bandido, que Mário Soares é um canalha, que bem avisou (embora a história e a verdade o contrariem). Não há novidade, nem complexidade.
O meu voto não teve, o meu dinheiro também não leva - tirando o que dos meus impostos lhe foi a mais por culpa de coisas como a permuta da Coelha.
Gabo-lhe a pachorrra!
Acho que é "diplomacia" a mais...
A conterrânea de Cavaco Silva, Lídia Jorge, podia ensinar-lhe algo sobre a escrita e sobre a adjectivação imprópria. A leitura de Manuel Teixeira Gomes poder-lhe-ia ser útil.
Os brasileiros dizem que o melhor negócio do mundo é comprar um argentino pelo preço que vale e vendê-lo pelo preço que ele pensa que vale.
Mutatis mutandis...
Não tenho especial simpatia por Cavaco Silva. Mas não entendo porque é que ele não há-de partilhar com o público as suas opiniões sobre Mário Soares? Mário Soares que em vida disse de Cavaco Silva o que Maomé não disse do toucinho e, as mais das vezes, sem elegância nenhuma. Menos hipocrisia... Mário Soares faleceu; é um facto. Mas isso não transforma em delito de opinião qualquer discordância sobre o sucesso das políticas que implementou e das ideias que defendeu.
"...é uma espécie de livro de atas de um notário meticuloso (quase picuínhas)". Assisti a uma escritura feita num desses notários do antigamente, barrigudo, sentado na sua cadeira, ao ouvir a descrição da casa, disse para o ajudante: falta a casa de banho...
Senhor Embaixador,
O livro é um berro da decadência do narciso.
Saudações de Bangkok
Vou usar uma expressão que o embaixador não apoia: não li e não gostei. Cavaco Silva não tem, infelizmente, essa capacidade de surpreender. E isso a par de uma quase absoluta indigência académica, ler estas escritas notariais de fio a pavio é obra! E não das pequenas!
Admiro o Professor Cavaco Silva. É um Patriota.
Numa passagem do seu livro afirma que não conhece nenhum país que com um governo integrado pela extrema-esquerda tenha sido um sucesso. Eu também não conheço. Vocês conhecem?
Serrano, Cavaco é um patriota principalmente a fazer permutas na Coelha e a tratar acções no BPN com os amigos banqueiros, um grupo que também há-de ter estado na patriótica evasão dos milhões off-shores agora relatada.
Cavaco falará disso no próximo rolo de papel que publicar cheio de ideias boas. A primeira edição já foi, mas os jornais já se calaram com o conteúdo. Para a semana talvez só José António Saraiva, um par nas letras, fala da coisa.
Não se pode deixar de sublinhar a extraordinária arrogância da afirmação definitiva sobre a "absoluta indigência académica" acompanhada da afirmação de "que não li e não gostei". Quem será este sábio julgador? Não lê e tem o desplante de opinar!! Que currículo apresentará para poder afirmar ignorâncias especificamente académicas? E porque será que "a capacidade de surpreender" é uma virtude política ou económica? Pensei que fossem só os "apaixonados" que gostassem de ser "surpreendidos".
João Vieira
Não fui eu quem escreveu o que João Vieira critica, mas alguém tem dúvidas de que Cavaco é academicamente indigente? Publicou o quê? Quando? Que trabalhos dele na sua área científica se conhecem? Quantos são? Quem os citou? Quantas vezes? Quer João Vieira explicar-nos?
Depois, mas é preciso ler Cavaco para saber que não se gosta? Não está sempre a figurinha a debitar moral e a evidenciar o carácter que tem em todas as oportunidades? Não basta para todos o conheçamos de gingeira? Era preciso ter muitas dificuldades cognitivas para não perceber o que o tijolo de tal mestre nos reserva sem o ler.
Alguém me saberá explicar o porquê de o Prof. Manuel Braga da Cruz ter dito o que disse no lançamento do livreco do Cavaco?
Será que Manuel Braga da Cruz acredita mesmo naquilo que disse? Não quero acreditar que sim, mas tudo é possível !!!
JM
João Vieira, João Vieira... Cavaco Silva não é propriamente um académico de referência como, por exemplo, Francisco Louçã ou Varoufakis. Todavia, reconheço que há, no meu comentário, um não sei quê de arrogância. É, no fundo, navegar pelas mesmas águas de Cavaco, o tal que nunca se engana e raramente tem dúvidas.
Um abraço.
José Ricardo, JoséRicardo, José Ricardo...a política não é propriamente um concurso académico ( como Relvas, Vara e Sócrates exuberantemente comprovam) nem um concurso sobre as qualidades pessoais das pessoas! O fim da política é a acção concreta e o que conta é o resultado do que se faz: por isso é muito interessante saber as versões dos intervenientes, as razões das atitudes. Tenho dezenas de livros de memórias de políticos e sempre penso que não é tempo perdido lê-las, antes pelo contrário é do mais instrutivo que há sobretudo para as pessoas que não estão de acordo com o autor: é útil saber o que os outros pensam
João Vieira
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PS os insultos e a desclassificação das pessoas são, a meu ver, auto-atestados públicos de má-criação
Serrano,
eu conheço esse país, chama-se: Portugal - 2017!
Abraço!
Diz João Vieira que "os insultos e a desclassificação das pessoas são, a meu ver, auto-atestados públicos de má-criação".
Exacto. É o que se reprova em Cavaco. O pisotear um Mário Soares morto, um Sócrates caído em desgraça, do povo contribuinte que não tem como fugir As permutas nem como aforrar em acções de retorno certo, com os quase 20 por cento de concidadãos a que rejeita representação e cidadania efectiva.
Depois, a exigência de que se justificassem as críticas negativas às qualidades académicas da figura foram feitas por João Vieira, comentador que entretanto resolveu considerar essa dimensão desnecessária, em detrimento de uma dimensão política.
Tramado. Transformou o auto-alegado académico e isento tecnocrata no político que aquele sempre disse não ser.
Proponho que o título seja alterado:
Em lugar de "o livro", seja "A Náusea", sem plágio a Sartre mas com o mesmo sentido
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