Vai para meio século, o jornalista Silva Costa escreveu um livro que me alertou para uma realidade que, de tão próxima, eu não tinha visto em perspetiva. O título era "Portugal país macrocéfalo".
Nesse tempo, ainda sob Salazar, não havia muitas obras que refletissem criticamente sobre os desequilíbrios económico-sociais do país. A interessante recolha de Silva Costa, apoiada em dados incontestáveis, revelou-me então o abafante centralismo lisboeta, em todo o seu esplendor.
Veio entretanto o 25 de Abril, o país mudou, o municipalismo reforçou-se, a Europa alterou-nos a paisagem e deu um abanão nas mentalidades. Porém, o essencial da mensagem de Silva Costa permanece hoje válido. E isso continua a ser dramático para Portugal.
Há dois países neste país. Por muito que se disfarce, há duas realidade que não se complementam, mesmo que o discurso político se obstine em criar essa ilusão. Façam uma viagem pelo interior, olhem para as zonas deprimidas, despovoadas, para o Portugal envelhecido que por ali se agrava, dia após dia. Não se deixem iludir pelas rotundas, pelos pavilhões multiusos ou pela rede viária, pelas muitas piscinas sem água, que o "ouro" ocasional de Bruxelas nos trouxe. Atente-se nas estatísticas demográficas, da educação ou da saúde.
Não vou ao ponto de considerar que há uma "conspiração" do litoral contra o interior, mas não tenho a menor dúvida de que, na racionalidade desenvolvimentista dominante, prevalece a perspetiva de que o país deve tender a estruturar uma grande "metrópole" litoral. Assumida ou não, essa ideia acarreta uma filosofia de verdadeira exclusão territorial, que dá por adquirido um destino apenas sofrível para as regiões do interior. E isso nem de longe será invertido pelas escassas majorações voluntaristas, em matéria de incentivos, que o futuro quadro comunitário prevê.
Na ausência de um poder político de expressão regional - por via da regionalização ou de uma descentralização com capacidade operativa -, parece-me evidente que o mais importante foco mobilizador em que o interior se poderá apoiar são hoje as suas instituições de Ensino Superior. Discriminar positivamente essa rede é um passo essencial para o reforço da coesão territorial do país. Haverá real consciência política disto?
Há dias, numa reunião no Nordeste transmontano, alguém agradecia o esforço de quantos se haviam deslocado de Lisboa. Para logo acrescentar: "em Lisboa, acham sempre que é mais curto irmos nós lá". A macrocefalia é também um estado de espírito.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")
7 comentários:
Sr. Embaixador,
Partilho em absoluto da sua análise. Contudo, o problema não é só português.
Muitos quando falam do incrível desenvolvimento económico chinês esquecem-se de referir que ele ainda só chega às cidades a 150/200km da costa.
O meu sonho político para este país equivoco é um dia ver Lisboa proclamar a sua Regionalização à revelia de todos as autoridades nacionais legalmente constituídas;
Com um território das Linhas de Torres até Setúbal, e aprofundando-se um pouco pelo vale do Tejo.
Afirmando a sua aliança à Nação e à República Portuguesas, organizar-se politicamente dotando-se dos poderes que bem entendesse.
E depois dirigir-se à nossa algarvia 1ª figura do Estado, à nossa transmontana 2ª figura do Estado, à nossa coimbrã 3ª figura do Estado e humildemente dizer-lhes: 'Nós estamos aqui, agora vocês constituam-se como entenderem'.
Quem sabe nesse dia parem os queixumes.
Uma boa causa Sr. Embaixador :)
Boa análise, senhor Embaixador. Apenas acrescento um pequeno pontinho num i. Acerca dos pavilhões multiusos, rede viária, piscinas sem água e das famigeradas rotundas. Faltou talvez acrescentar as bibliotecas e centros culturais sem clientes. Tudo uma imensa rotunda, que qualquer cidadão mais ilustrado, de direita ou de esquerda, apresenta como símbolo universal da infâmia do desperdício de dinheiros públicos da CEE, em oposição, suponho, a escolas e centros de saúde, para aprender português e matemática, com saudinha. Ora, eu queria apenas chamar a atenção para o singelo facto de aquelas rotundas excrecências,tão estranhas à boa tradição do interior, serem agora um factor de fixação das suas gentes, vá lá saber-se porquê, e até de atracção de gente de fora. Basta que outros factores também contribuam, como o emprego, que é o que falta. Tenha-se no entanto atenção que, tendo o cidadão emprego, mas, como diversão, apenas as missas semanais e o dominó diário, o mais certo é emigrar, se puder. Por este caminho, em breve também não precisamos de gastar aí dinheiro em escolas ou centros de saúde. Poupa-se um dinheirão.
Ainda bem que qualquer cidadão de Lisboa, ou de uma faixa de trinta quilómetros do litoral, sabe, de forma intuitiva, que não consegue viver apenas do básico, como a educação e a saúde, mas também de cultura, desporto e, até de rede viária. Deve dar uma grande tranquilidade existencial.
António
caro anonimo das 11h22
é caso para dizer ...valha-nos a china!
Como não puderam levar o Casa do Douro para Porto ou para Lisboa, destruiram-na. Naquele tempo a descentralização era um facto, não era a conversa fiada com a qual todos, agora, tentam ganhar os eleições e depois, nos tachos, viram o bico ao prego e chamam-lhe erro colossal. Sim, vão todos descentralizar até outubro!
um grande e terrivel problema, esse da desertificação do interior. e medidas eficazes para atrair gente para o interior e industrias, etc, não se veem.
talvez as universidades sejam o unico polo de atracção, mas apenas temporário, depois vão-se os que as frequentaram, não se fixam por ali
Enviar um comentário