O rapaz espreitou pela porta e o chefe de repartição lançou-lhe, do fundo da sala, num tom um tanto impaciente: "Entre! Entre! Ó Torquato!".
Voltando-se para o embaixador português na Mauritânia, sentado no sofá a seu lado, esclareceu: "O Torquato está cá há uns meses, é do último concurso de adidos". E olhou o adido: "O Torquato conhece o senhor embaixador Gameiro, que está em Nouakchott, não conhece?", com o Torquato a rumorar que sim.
Voltando-se para o embaixador português na Mauritânia, sentado no sofá a seu lado, esclareceu: "O Torquato está cá há uns meses, é do último concurso de adidos". E olhou o adido: "O Torquato conhece o senhor embaixador Gameiro, que está em Nouakchott, não conhece?", com o Torquato a rumorar que sim.
O Torquato, embora simpático, era do género displicente e algo descuidado, gravata permanentemente descaída, um ar de quem anda ali por favor, a quem tanto se dá estar na carreira diplomática como viver à custa dos vastos rendimentos da família, cujo "social" lhe espreitava no nome e lhe permitia alguma subliminar cobertura de membros da hierarquia da casa. Entrara para a carreira quase por acaso, num bambúrrio do concurso. Era useiro e vezeiro em chegar tarde e a más horas ao serviço, passava o dia agarrado ao cigarro, a ler o jornal esticado num sofá, sendo de uma lentidão exasperante na execução das escassas tarefas de que era encarregado.
"Ó Torquato, você chegou a falar com o ministério dos Assuntos Sociais, sobre a questão do acordo sobre segurança social com a Mauritânia? Aqui o senhor embaixador Gameiro precisa de saber em que ponto o assunto está."
O adido, com um ar um tanto ausente, explicou que tinha telefonado duas vezes, que não tinha obtido qualquer informação sobre o estado do projeto de acordo, mas que ia ligar de novo.
O adido, com um ar um tanto ausente, explicou que tinha telefonado duas vezes, que não tinha obtido qualquer informação sobre o estado do projeto de acordo, mas que ia ligar de novo.
"E com quem falou você lá?", inquiriu o chefe, já em tom levemente inquisitivo.
O Torquato embrulhou-se numas explicações menos convincentes, tão pouco plausíveis que delas quase se deduzia que, na realidade, não tinha mesmo tratado do assunto.
"Está bem, está bem! Vá lá ver isso já e diga-me alguma coisa à tarde. Sem falta!", com o rapaz a desaparecer, aliviado, pela porta.
O chefe explodiu: "Desculpa lá, pá! Este tipo é um mentiroso! Já não é a primeira vez que o apanho nestas patranhas", comentou, desalentado, o chefe. "Mandaram-mo aqui para a Repartição e agora não me consigo livrar dele."
O embaixador visitante tentou moderar a irritação do amigo: "Ó homem! Deixa lá! Também não tens a certeza se o rapaz mentiu. Até pode ter tentado telefonar..."
"Estás muito enganado! Este tipo é tão mentiroso que nem sequer se pode acreditar no contrário daquilo que ele diz..."
(Reedição de historietas da diplomacia por aqui já publicadas)
(Reedição de historietas da diplomacia por aqui já publicadas)
2 comentários:
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~ ~ «Ao mentiroso nada vale falar verdade»
~ ~ Adapta-se, perfeita e infelizmente, às atuais cúpulas de S. Bento.
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Está-se mesmo a ver que a progressão na carreira, levou o Torquato a ser nomeado para o cargo de Embaixador de Portugal, em Portugal. Um cargo de mentira num país de mentira... mesmo talhado à medida para o diplomata.
Agora... está aqui um incomodativo insecto a atasanar-me ao ouvido: - Pergunta ao Senhor Seixas se lá no "berçário" das Necessidades o Torquato era o único... mentiroso.
;) ;) ;)
- Cala-te inseto... aches que ía colocar uma questão desse tipo ao Senhor? Nem pensar!
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