terça-feira, abril 07, 2015

Tolentino da Nóbrega

Na Madeira, ao longo das últimas décadas, não houve uma ditadura. Porém, só quem é cego, sectário ou de má fé é que poderá afirmar que o modelo político prevalecente na ilha garantia a plenitude dos direitos democráticos à generalidade dos cidadãos e às forças políticas de oposição. O regime que vigorou naquela região autónoma revestiu-se sempre - repito, sempre - de um registo autoritário que, assuma-se ou não, tinha algo de intimidante para quem o afrontasse. Todos os governos continentais viveram no embaraço de ter de lidar com esse modelo muito "sul-americano", que se instaurou à sombra do bananal madeirense, frequentemente fugindo ao confronto com ele, por pura cobardia, numa espécie de "realpolitik" de trazer por casa. Não integra as mais gloriosas páginas da nossa República a história do comportamento de quase todos os executivos lisboetas face à Quinta Vigia.

Nunca conheci Tolentino da Nóbrega, o correpondente do "Público" na Madeira, que agora faleceu. Mas acho que a liberdade da sua voz, a sua frontal e desempoeirada denúncia dos abusos que o poder regional foi cometendo ao longo destes anos, acabou por ser, muitas vezes, bem mais eficaz do que a pífia oposição política dos adversários do presidente cessante daquela região autónoma. Tenho para mim que, antes de levar a cabo algumas das suas recorrentes arbitrariedades, o poder regional deve ter pensado sempre muito mais naquilo que Tolentino da Nóbrega poderia vir a denunciar nas colunas do "Público" do que na efervescência, sem reais consequências, dos seus paroquiais adversários políticos. E esse é talvez o melhor elogio que é possível fazer na hora do seu desaparecimento.

3 comentários:

Unknown disse...

Sem duvida uma boa homenagem.
Conhecia jornalistas no Funchal que até na rua olhavam para os lados antes de fazerem comentarios.
Quando fui a banca comprar o Expresso os meus amigo de lá aconselharam-me a fazer assinatura mas não o ler na rua que os olheiros informavam (quem)? quem vissem a comprar o Expresso.
Foi o mais próximo do Mexico que me senti até hoje.

Anónimo disse...

Ele foi desde muito jovem uma pessoa independente. Lera bastante. Vira todos os "bons filmes". Era uma pessoa delicada, mas frontal quando nos fazia um relato dos acontecimentos. Pena que tenha partido tão cedo...

Anónimo disse...

Até parece que por cá não precisamos de outros como Tolentino na Nóbrega!
Comece o seu inquérito por Vila Real que diz conhecer bem!
Ou acha que não chegamos à Madeira há muito tempo?

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...