Ontem, ficou claro que entre Marine Le Pen, líder do Front National, o partido de extrema-direita francesa, e o seu pai, o "histórico" fundador daquela formação política, está instalada uma guerra aberta. De há muito que se sabia que a chefe do partido discordava dos "infamous" comentários do seu pai sobre as atrocidades nazis. O facto de Jean-Marie Le Pen continuar a insistir nesses e outros comentários públicos de raiz xenófoba e racista terá feito transbordar o copo.
Hoje vou recordar uma história que já aqui referi, mas que vem a propósito da polémica aberta em França.
Aquele meu conhecido, um homem encantador que vive numa "péniche" atracada a um cais do Sena, estava claramente hesitante quando me abordou. Queria ter-nos como convidados para um jantar no seu barco, onde vive rodeado de antiguidades, mas não sabia se eu aceitaria que na ocasião também estivesse o seu "ami Jean-Marie". À primeira não percebi, à segunda lá entendi que se tratava de Jean-Marie Le Pen, o líder da extrema-direita, antigo candidato à presidência da República francesa, à época ainda presidente do Front National. Tratava-se de uma personalidade que, pelos seus propósitos negacionistas e outras tomadas de posição conexas, faz claramente parte das figuras "non fréquentables" para um grande número de franceses.
Le Pen é assim, a grande distância, dentre as personalidades do espetro político francês, a mais polémica. Confesso que tinha alguma curiosidade em conhecer, ao vivo, essa figura, com a qual, como já aqui um dia recordei, eu próprio tivera uma "accrochage" no Parlamento Europeu, em 2000. E, ultrapassando algumas hesitações íntimas, decidi aceitar o convite para jantar.
Há figuras que são exatamente aquilo que é a sua caricatura. Le Pen é uma delas. As suas reações em privado, a sua forma de estar e de interagir, reproduziam precisamente a imagem que eu tinha dele, recolhida das muitas aparições que lhe vira na televisão.
Foi cordial para com o embaixador de um país que conhece bem e sobre cujos nacionais, sem ser entusiático, disse as coisas óbvias do "politicamente correto" francês. Contou-me das suas viagens ao Porto, como velejador, onde conheceu o "Duque" da Ribeira, de quem se teria tornado amigo. Elogiou as qualidades gastronómicas de um restaurante português da periferia de Paris, que ainda hoje é uma espécie de cantina informal do "Front National", por se situar ao lado da respetiva sede. Não me disse, mas isso eu sabia, que há uma presença de portugueses e luso-descendentes nos apoiantes do partido.
Foi cordial para com o embaixador de um país que conhece bem e sobre cujos nacionais, sem ser entusiático, disse as coisas óbvias do "politicamente correto" francês. Contou-me das suas viagens ao Porto, como velejador, onde conheceu o "Duque" da Ribeira, de quem se teria tornado amigo. Elogiou as qualidades gastronómicas de um restaurante português da periferia de Paris, que ainda hoje é uma espécie de cantina informal do "Front National", por se situar ao lado da respetiva sede. Não me disse, mas isso eu sabia, que há uma presença de portugueses e luso-descendentes nos apoiantes do partido.
À mesa, fiquei à sua direita (tem alguma graça, ficar "à direita" de Le Pen). Dominou a conversa, com um discurso bastante crítico do então presidente Sarkozy, muito centrado na necessidade de reforço das políticas securitárias e no combate ao que considerou ser a "permissividade" na gestão dos fluxos migratórios. Os circunstantes, gente claramente conservadora, mostravam-se simpáticos perante o que ouviam. Um, dentre eles, chegou mesmo a afirmar que, pela primeira vez, encarava votar "Front National" nas próximas eleições. O ambiente estava longe de ser desfavorável a Le Pen.
Durante muito tempo, mantive-me bastante discreto na conversa, interessado que estava em olhar a personagem. "Entre la poire et le fromage", como se diz na linguagem social francesa, decidi intervir. Disse que o fazia como observador estrangeiro, não comprometido com a vida política francesa. Mas que não resistia a expressar uma curiosidade. Como ele bem constatara, algumas das suas propostas políticas até eram relativamente aceites, porque, aparentemente, iam ao encontro das preocupações, em matéria de segurança, que uma certa França alimentava. Por essa razão - perguntei eu a Le Pen - por que razão persistia em manter, no seu discurso político, uma outra dimensão, assente em pressupostos como a desvalorização da barbárie nazi nos campos de concentração, temática com óbvias conotações antijudaicas que acabava por radicalizar a postura do "Front Nationale" e dele afastar potenciais simpatizantes?
Le Pen olhou-me, talvez surpreendido pela frontalidade da questão. Mas reagiu bem. Sem hesitações, perguntou-me: "Está a referir-se ao 'detalhe'? ". Estava. Como disse, ficou famosa a frase em que Le Pen, a propósito da quantificação do número de assassinatos nazis nos campos de concentração, disse que isso não passava de um "detalhe" no contexto das mortes do segundo conflito mundial. E voltou a repetir isto. E acrescentou, por exemplo, que era muito estranho que nunca se falasse no facto das linhas de caminhos de ferro que levavam a esses campos alemães nunca tivessem sido bombardeadas pela aviação aliada (confesso que nunca ouvira isto!).
Tudo isto deu, por completo, e em escassos minutos, a volta ao ambiente. As mostras de simpatia pelas políticas securitárias ou de controlo da imigração preconizadas por Le Pen dissolveram-se no ar, que se tornou pesado. O jantar terminou de forma um tanto apressada. À saída, o convidado que havia dado mostras de poder vir a votar "Front National" aproximou-se de nós e, em voz baixa, pediu desculpa por termos sido testemunhas de "algumas tomadas de posição que envergonham a França".
(Reedição de historietas da diplomacia por aqui já publicadas)
(Reedição de historietas da diplomacia por aqui já publicadas)
1 comentário:
Marine le Pen segue nas pisadas do seu pai na maioria dos sujeitos: ela é tão racista e xenófoba que o seu papa... Ela continuará a frequentar o baile dos nazis de Viena, e o "detalhe", no fundo ,ela pensa a mesma coisa que o pai. Assim como muitos outros no FN. Mas, "sendo politicamente incorrecto" ela combate-o. Mas na sua versão "newlook", o FN versão Marine sabe também utilizar uma certa demagogia em direcção do mundo do trabalho.
Longe duma qualquer mudança ideológica profunda, o partido da família le Pen procura apagar os aspectos mais polémicos duma extrema direita francesa nostálgica do Império colonial e obcecada por Vichy para se reposicionar em variante do poder possível face à direita ou em associação com os sectores da direita tradicional no caso de agravação da crise, sempre com o objectivo de vir a ser a muralha atrás da qual uma burguesia amedrontada poderia vir abrigar-se.
Marine adapta-se em permanência. Em economia, por exemplo, quando o pai reivindicava Reagan e Thatcher , Marine apoia agora o intervencionismo do Estado.
A demagogia FN rejuvenesceu, feminizou-se, modernizou-se mas não perdeu nada do seu veneno. O FN resta o aliado das classes dominantes e o inimigo das classes populares, que são levadas no rolo.
Marine le Pen é um homem como os outros! Quem disse : " « Nous sommes tous les héritiers politiques de Jean-Marie Le Pen. (…). Il est là, on y tient. C’est notre colonne vertébrale. Et par conséquent, on en profite ».
Madeira da mesma arvore, ou farpa do meu mesmo pau!
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