Ontem à noite, na embaixada de França em Lisboa, na despedida do embaixador Pascal Teixeira da Silva e da sua mulher, no termo de três anos da sua bem sucedida missão em Portugal, lembrei-me, de súbito, do meu pai.
O embaixador Teixeira da Silva, na sua orgulhosa ascendência portuguesa, representa bem o êxito da integração da diáspora nacional em França. Tal como o meu amigo Ruben Alves, que também encontrei por lá e a quem ficamos a dever esse magnífico filme testemunho que dá pelo nome de "Gaiola Dourada". Ambos, e muitos e muitos mais, contribuem hoje para o laço que eternamente nos une à França.
Por que razão me lembrei do meu pai, para além das óbvias razões pessoais que me levam a nunca o esquecer? Não que ele alguma vez tenha entrado no belo palácio de Santos, mas porque, à sua modesta medida, fez o que pôde para promover entre nós a língua francesa. Durante mais de vinte anos, a filhos de familiares e amigos, sem nunca cobrar um cêntimo, o meu pai deu aulas de francês, apenas e só porque era um devoto da língua de Voltaire e entendia, tal como eu acho e Thomas Jefferson disse um dia: "Tout homme a deux patries: la sienne et la France".
21 comentários:
Ainda bem que aqui vim.
A Pátria é como uma mãe. Ter duas pátrias é como ter duas mães mas, neste caso, eu penso sempre que uma delas é a madastra. No meu caso, e faz no inicio deste próximo ano 50 anos que sou acariciado pela França, de certo terei de deixar de lhe chamar "madrasta"...
José Barros
Caro José Barros: é, naturalmente, uma metáfora. A minha "pátria" francesa é a da Bastilha, das "lumières", da República, do exílio português, da nossa comunidade, da música, da cultura, do Maio 68 e por aí adiante. É o sentir-me por aí mais em casa do que em qualquer outro país estrangeiro onde tenha vivido (Brasil incluído).
sera o seu lado eça sr embaixador?
quanto a mim tenho as minhas duvidas que um alemao possa pensar de tal forma...
mas creio compreender o que diz, resta saber se a frança ainda é o pais de luzes que um dia tera sido
bem haja
Desde o início que me lembro de ter sido incutido, durante muito tempo e sistematicamente, dos valores pátrios.
Sobre uma pergunta na imprensa: quando se sente europeu? Assoma-me sempre a questão, antes dessa: como me sinto Português? O que, noutros tempos, era um assunto inquestionável!
Admito que serei dos poucos porque é um sentimento bem estranho…
wikipédia:
Em Portugal, como em outros países católicos no paríodo, a esmagadora maioria da população era ainda analfabeta, o "Index Librorum Prohibitorum" encontrava-se em vigor, o ensino era controlado pelas Ordens Religiosas, e as Universidades ainda ensinavam matérias da escolástica da Idade Média.
Os principais aparelhos repressivos eram o Santo Ofício, visando os inimigos de Roma, e a polícia política, que combatia as ideias da Revolução Francesa. Os judeus continuavam a ser perseguidos, bem como os maçons, que atacavam a Igreja com o anti-clericalismo e com a filosofia do naturalismo, negando a existência do sobrenatural.
Nesse contexto, de um país que permanecia em estagnação perante o norte da Europa, onde despontava a Revolução Industrial, os "estrangeirados" constituíam uma elite que permanecia marginal à sociedade portuguesa, católica, conservadora, autocrática, que ainda menosprezava as idéias da Europa protestante.
Em alguns casos foram alvo de perseguição política e religiosa, uma vez que difundiam conceitos como os da liberdade de pensamento, o método científico, o secularismo, a participação política popular e o capitalismo.
A França, um país católico e como tal com uma cultura mais semelhante à portuguesa, de língua latina e menos distante do que outras nações desenvolvidas, foi o principal ponto de referência para esta geração de pensadores portugueses."
A França não é Hollande nem só Maio de 68 ! ou Sciences Pro !!!!!
Parados no tempo, séc XIX/XX!!!!!!
Alexandre
grande país, grande a sua história, carlos magno, etc, grande lingua o francês, mas há outros na europa igualmente grandes, por vezes é dificil, inglaterra ou frança, paris ou londres? e berlim? e roma? e a espanha, madrid e barcelona? sem duvida que a ligação de portugal à frança é forte, o francês era a 1ra lingua aqui, houve a emigração portuguesa, mas tambem houve as invasões francesas, etc
Passo apenas um testemunho.Meu Pai foi a salto para Paris, com 60 anos, onde trabalhou 5 como carpinteiro dando conforto aos ricos.Dos 70 aos 107 anos ele e minha Mãe(que nunca saíu de Portugal) (70-87) receberam uma pequena pensão, religiosamente até à data da sua morte.(300€ + 180€). Em 2008 - meu Pai tinha 102a Sócrates tira na pensão de cá adquirida tb aos 70a de 220€ a quantia de 49€.Cá, meu Pai trabalhou nas construções de barragens (Castelo Bode, etc.)
Meu Pai sempre ficou grato à França que cumpriu.
BH
Sim, a França, após 55 anos de "vida comum", faz parte do nosso ser, o que não impede de partilhar "nos pensées" com a velha Pátria que nos viu nascer.
A França é mais que uma língua maravilhosa e uma cultura impar. Sim, Sr. Embaixador, é a Bastille, a Republica, Maio 68, as valiosas conquistas da Revolução gravadas no frontispício das nossas "mairies" até às comunas mais humildes.
A França é também um modo de vida, os mercados, as padarias, (prefiro quase "boulangeries ), la baguette , as horas passadas à mesa e a gastronomia. E o pais ele mesmo é magnífico - as mulheres, as florestas, as montanhas, as grandes planícies ricas de la Beauce , as vinhas , todas elas, as praias, les vieux villages ...
Quando estou em França, sinto-me "chez moi" ! apesar de certas pequenas diferenças culturais e de mal-entendidos eventuais.
A França é a minha Pátria espiritual. Portugal é a Pátria dos meus antepassados e uma bela Historia. Quando viajava por esse mundo fora, no meu trabalho, faltava-me sempre um não sei quê, que encontro aqui. Não sei o quê mas que é um elemento essencial da minha vida.
A sua "pátria" francesa é também a do Sr. François Hollande, ávido por atacar a Síria?
Ainda a propósito da nossa presença em França e da influência que este pais tem no nosso subconsciente em relação à nossa Pátria de origem, é interessante de notar que durante séculos foram as elites portuguesas que receberam lufadas de ar fresco da França des Lumières.
Interessante de notar que os Franceses se encontraram em quase todas as passagens importantes da Historia portuguesa. E que,
o que as relações comerciais, políticas ou militares produziram de mais belo e mais duradoiro , foi sempre o intercâmbio de pessoas, idéias, modos de vida, enfim o contacto das culturas.
Carlos Magno era já presente na literatura popular galaïco- portuguesa. No XII século , (sendo de Guimarães devo notà-lo !) o nosso primeiro rei, D.Afonso Henriques , filho dum fidalgo da Borgonha, tinha jà um fundo de cultura nascido dois séculos antes : a de Cluny e a de Cîteaux, , que abriu a primeira escola publica em Alcobaça (1269) .
O "Organon" de Aristote foi ensinado em Coimbra graças às traduções latinas vindas de França.
Desde 1499 os Portugueses, graças a bolsas do rei D. Manuel 1° estudavam em Monpellier, Paris e Toulouse.
Em 1645, a versão francesa da "Peregrinação de Fernao Mendes Pinto" , com palavras amàveis do Cardeal de Richelieu, saiu da prensa
As "Lettres Portugaises" de Maria Alcoforado, interessou mesmo Rousseau, esta historia de amor entre um nobre francês e a uma religiosa.
Influência em sentido contrário : Em 1665, em Lyon, sai "O Auto do Fidalgo Aprendiz" de D. Francisco de Melo, que, parece, teria influenciado Molière no " Bourgeois Gentihomme" !
E o nosso famoso poeta Barbosa do Bocage, que traduziu "Paul et Virginie" de Bernardin Saint Pierre, em 1797 !
Diz-se bem que Eça, Antero, Guerra Junqueiro, Almeida Garret, Camilo e outros foram influenciados pelos franceses!
Quanto a Eça e ao seu "Crime do Padre Amaro" ( que me inculcou algum anti-clericalismo na minha juventude), foi Zola que o teria influenciado com o seu " La Faute de l'Abbé Mouret".
Que coisa maravilhosa quando as ideias circulam e as culturas de encontram!
As raízes para mim não contam. A minha pátria será sempre aquela em que eu escolher viver. Só assim se poderá ser um homem do mundo.
E ontem, quando os embaixadores e o realizador se encontraram (todos portugueses mais ou menos), falaram em que língua?
Caro Francisco. Eu, que aprendi a ler, a escrever, a pensar, e quase a falar em francês ( e que também, durante muitos anos, sonhei em francês) sei apesar disso que a minha Pátria é Portugal mas não sei, com toda a franqueza, se tomaria partido em caso de guerra entre os dois países. Se calhar, fugiria para o meu terceiro país - o Brasil. Outros o fizeram antes e "ogres" franceses, apesar de demónios cada vez mais perigosos, pouco medo meterão aos portugueses. É tudo muito complicado mas logo se verá se fôr preciso. Um abraço, chegado agora...de Paris. JPGarcia
Pour faire court, estas duas frases resumem a minha vida: a de Thomas Jefferson, "Tout homme a deux patries: la sienne et la France" e a de Joaquim de Freitas: "Que coisa maravilhosa quando as ideias circulam e as culturas de encontram!"
Bien à vous, mon cher ambassadeur!
Ao Sr. anonimo das 20:20:
Eu, como 70% dos cidadãos deste pais, oponho-me à acção de François Hollande contra a Síria. Como estive do lado de Chirac quando este se recusou a dar o seu acordo à invasão do Iraque. E, como Portugueses, podemos ser orgulhosos de uma espécie de integração neste pais, que é um pouco, o nosso; e em todo o caso o meu. A França é eterna e estes homens políticos passam. Que eles sejam da direita ou da esquerda. E não podemos julgar todo um pais pela política estrangeira do Presidente, que no caso presente se encontra em minoria em relação ao seu povo.
A política estrangeira da França em relação à Síria é falseada pelo facto que este pais foi um protectorado francês e que a França estima que tem responsabilidades particulares neste caso.
A Síria foi formatada pela França no século passado, os interesses franceses na Síria e no Líbano são importantes, a situação das etnias não islamistas é delicada, mas nenhum interesse, qualquer que ele seja, deve fazer esquecer que a paz do mundo depende da maneira como a solução para a instabilidade crônica no Médio Oriente for tratada.
A França não tem os mesmos objectivos que os EUA neste imbróglio sírio.
Ao Sr. Patrício Branco : Interessante a alusão do seu comentário às invasões francesas, que deixaram marcas indeléveis do invasor cruel e ladrão nas regiões do norte . Cada vez que passava em Amarante, não esquecia de ler a placa na ponte de S.Gonçalo que marca o alto feito dos Portugueses na resistência às tropas do Marechal Sault.
Interessante também de ver em qual quadro as invasões francesas se inseriam nessa época: uma alternativa ao jugo colonialista inglês, que a França combatia.
Da mesma maneira que combatia o domínio espanhol quando atacava os navios e as colônias portuguesas durante a ocupação espanhola de Portugal.
A França, por vezes ajuda a Espanha contra as coalizões luso-britânicas, outras vezes ajuda os Portugueses contra os Castelhanos ou os Espanhóis. E ajuda a independência de Portugal contra os Espanhóis.
Hoje, a vaga de emigrantes portugueses em França não pode ser justificada somente por razoes econômicas.
Houve sempre um fluxo bilateral de influências. Mas antes motivadas pelo desejo português de importar que pela intenção francesa de influenciar.
Em muitos casos, poderíamos dizer que existe uma influência francesa em Portugal, mesmo ignorada pelo comum dos franceses.
Vivo há trinta anos em França mas, ao contrário de outros que aqui escreveram, não tenho especial devoção por este país. Melhor dizendo, o país até é bonito, o problema são os franceses. Individualmente muitos são simpáticos e agradáveis (tenho muitos amigos franceses), mas no conjunto acho-os abomináveis.
Mas o que me fez escrever (pela primeira vez) neste blog que sigo com interesse foi a afirmação de um comentador que o crime do padre Amaro teria sido influenciado por um livro do Zola. Por um lado os dois livros foram escritos ao mesmo tempo e publicados no mesmo ano e por outro as duas histórias são completamente diferentes. Além disso o Eça, a quem o Zola não chegava aos calcanhares, não precisaria certamente desse tipo de inspiração.
carlos cardoso
Cabo Verde já vai participar nos Jogos da Francofonia. É bom ver que temos em Portugal quem olhe para o futuro... da Língua Francesa
A França é a minha segunda pátria, em paralelo, no amor que lhe dedico, com Moçambique.
Mas concordo com Joaquim de Freitas, quanto à política de Hollande relativamente à Síria. E com o penúltimo parágrafo do comentador Alexandre.
Ao Sr. Carlos Cardoso
Não sou de maneira nenhuma um critico literário, mas sempre li os autores autorizados que notaram nas obras de Eça, particularmente, a influência dos autores franceses. O que não retira nada à qualidade das obras de Eça, que admiro entre todos os nossos autores.
A imagem da França e o papel desempenhado por Paris como centro de difusão de modas adoptadas em Portugal são os temas dominantes nos textos onde Eça reflectiu sobre as consequências que, sobretudo no que concerne a produção literária, provinham desta situação de incontestável supremacia cultural.
Estas reflexões encontram-se num ensaio intitulado " O Francesismo", escrito em 1876, o que prova bem que mesmo Eça tinha notado a influência forte da literatura francesa em Portugal.
Como se vê, Eça não era insensível a esta influência nas suas obras, e reagia fortemente contra esta influência, sem deixar de a suportar.
Interessante a carta que escreveu na época ao seu amigo Oliveira Martins, lamentando esta influência excessiva da França em Portugal, mas também nas outras nações, com o risco de perda da identidade nacional.
Eça avisava: " No futuro, existirá um só tipo de homem em toda a Europa, com o mesmo caràcter moral, as mesmas frases e a mesma barba. E o tipo escolhido será o Francês, que é por excelência o homem médio , tendo uma temperatura temperada e construído por doses iguais" ! Excessivo ? Certamente.
Os temas que Eça reteve nas suas obras conhecemo-los nos autores franceses : os excessos do capitalismo, a supremacia econômica e social da burguesia, as conquistas tecnológicas da sociedade industrial e os mitos do desenvolvimento suscitado por estas conquistas. E é neste contexto que vamos encontrar as reacções psico-sociais bem exploradas por Eça : O suicídio, o aborrecimento, a dissolução do indivíduo no seio duma civilização tentacular que o engole. Eça é tudo isso.
Quanto ao "Crime do Padre Amaro" nunca se estabeleceu claramente se houve ou não plagiato. O anti-clericalismo foi explorado por muitos autores da época.
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