terça-feira, fevereiro 14, 2012

Café Filho

Há uns dias, falei por aqui de Café Filho. Um colaborador da embaixada, antes de ir googlar as suas dúvidas, perguntou-me quem era.

Café Filho foi um presidente inesperado do Brasil. Sucedeu a Getúlio Vargas, depois do suicídio deste, em 1954. Foi presidente por menos de um ano e meio, tendo-se afastado do cargo por formais razões de saúde (morreu em 1970, com 71 anos). Nem por isso o Estado Novo português deixou de o convidar para uma deslocação a Lisboa, que ficou nos anais das grandes visitas de Estado realizadas a Portugal.

O objetivo de Lisboa era garantir o apoio do Brasil à sua política colonial, atitude que este país só viria a modificar depois da instauração da ditadura militar. Espera-se que que alguém tenha tido o cuidado de explicar a Café Filho que o banho de multidão que teve pelas ruas de Lisboa era menos a expressão da sua popularidade pessoal do que a mostra da imensa simpatia que Portugal tinha pelo país que representava.

Deve ser interessante procurar, nos arquivos do MNE o argumentário que terá estado subjacente ao convite para uma visita de Estado de tão efémero e transitório personagem. Mas a presciência na decisão deve ter sido, pelo menos, idêntica àquela que nos levou, anos mais tarde, a iniciar a construção do monumental palácio de S. Clemente, no Rio de Janeiro, para futura embaixada de Portugal, quando já estava praticamente tomada a decisão de mudar a capital do país para Brasília...

Voltando a Café Filho, foi-me muito interessante verificar, durante os anos que vivi no Brasil, que raramente alguém o identificava como um chefe de Estado da história do país. E que todos ficavam altamente surpreendidos quando eu lhes revelava que essa figura política havia atravessado em glória a rua Augusta, em Lisboa, em carro aberto, sob aplausos e chuva de papelinhos, como o mostram os jornais da época.

Um dia, ao visitar oficialmente a cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, pedi para incluírem uma visita ao "Museu Café Filho". Todos os interlocutores locais ficaram surpreendidos, porque, sem exceção, desconheciam a existência desse museu e, alguns deles, do próprio Café Filho, que não identificavam como potiguar (designação dos naturais do Rio Grande do Norte). Teimosamente, lá consegui colocar a visita na agenda. O museu, afinal, era uma desilusão. Como detetei pelo livro de registo, os seus visitantes eram muito escassos. Recordo-me que havia algumas salas com móveis, estantes com livros e muito pouca documentação. Nesta faltavam fotografias da sua "apoteótica" visita a Portugal, que tanto havia marcado a minha memória de infância. 

11 comentários:

Anónimo disse...

Se bem me lembro, o Salazar até o mandou doutorar "honoris causa" em Coimbra.
V

Mário Machado disse...

Entre o "homem que deixou a vida para entrar para História" e o que pretendia desenvolver 50 em 5. Café Filho virou café pequeno e foi esquecido.

Anónimo disse...

Senhor Embaixadaor,'

Em relacao ao asssunto em epigrafe...o que mais me ficou na memoria foi uma aedota que se contava nos meus tempos de liceu. Nao recordo precisamente todas as palavras mas a mulher do nosso Presidente chamava a atencao do marido: 'Olha o Cafe Filho'ao que ele repondia: 'Acabei de beber'. A altura andava eu pelo Liceu Nacional da Guarda e nao sei se a memoria me falha em detalhes. Algum assiduo leitor/leitora que queira ajudar?

Cumprimnetos de Londres.

F. Crabtree

Anónimo disse...

Senhor Embaixador,

Em aditamento ao meu anterior comentario cumpre-me informar que acaba de ser "revelado" a minha fraca memoria o seguinte:

Durante o mandato do referido Presidente da Republica tambem ocorreu a visita da Rainha Isabel II ao nossos pais, visita essa largamente divulgada por V. Exa. neste seu excelente blogg.

Cumprimentos

(ou parafraseando)

Beijos e abracos

F. Crabtree

Anónimo disse...

"que que" :(

LUIS MIGUEL CORREIA disse...

Esta visita serviu de retribuição pela visita do Presidente português António José de Almeida em 1922, o que possibilitou depois nova visita do nosso Chefe do Estado...

Patrick disse...

De fato, Café Filho não é motivo de grande orgulho para o meu Rio Grande do Norte, pois esteve do lado dos conspiradores que queriam derrubar Getúlio Vargas e, depois que assumiu a presidência, quase se envolveu num golpe para melar as próximas eleições presidenciais. Digo quase porque o então General Henrique Lott liderou um contragolpe para evitar um golpe de estado que iria impedir a posse de Juscelino Kubitschek e nomear o perdedor, Juarez Távora (em quem, curiosamente, Lott havia votado - há de se admirar sua fé na democracia).

gherkin disse...

Caríssimo,
Bom e excelente apontamento! Mais, por favor!
Um abraço,
Gilberto Ferraz

Isabel Seixas disse...

De facto!!!O que se aprende através da revelação das memórias ...

Paulo Roberto de Almeida disse...

Apenas uma retificacao quanto a data do suicidio do Geulio Vargas: foi em 1954, nao em 1955, ano de todas as conspiracoes, em que tivemos tres presidentes e um quarto eleito, que foi contestado e quase nao tomou posse, que foi JK.
O abraco do
Paulo Roberto de Almeida (em Paris)

Astor disse...

Senhor Embaixador,

Dos (poucos) telegramas que me passaram pela mão, creio que Café Filho foi convidado no lugar de Getúlio Vargas (a diplomacia portuguesa há muito que o queria trazer a Portugal).

O convite foi feito por Paulo Cunha na sua visita ao Brasil (prevista para Agosto, adiada devido ao problema dos enclaves).

Curiosidade: a publicação da aceitação do convite foi feita (por indicação «expressa» de Café Filho) nas vésperas da visita de Menon ao Brasil.

Cumprimentos desde Lisboa

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