O homem estava um pouco atarantado. Não era caso para menos. Do outro lado da linha tinha a voz, dificilmente confundível, do "presidente do Conselho", de Oliveira Salazar.
Era uma manhã de domingo, nesses anos quarenta, durante a segunda guerra mundial. Salazar tinha acumulado a chefia do governo com o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros. A "casa" era gerida pelo secretário-geral, embaixador Teixeira de Sampaio, mas o chefe do executivo mantinha um controlo próximo da máquina diplomática, assente em algumas representações diplomáticas, que eram os olhos e os ouvidos de Portugal pelo mundo. As comunicações entre essas missões e Lisboa eram escassas e a sua consulta constitui hoje um rico manancial para estudo. A chegada de um "telegrama", assinado por uma das grandes figuras que titulavam esses postos, era sempre um momento que concitava a atenção do chefe do governo.
Nessa manhã, Salazar pretendia uma informação sobre um determinado telegrama que sabia que chegara de Washington. O diplomata que o atendeu, no "serviço de cifra" das Necessidades, por precipitação ou por incompetência ou por ambas, regressou, minutos depois, ao telefone e informou Salazar que não conseguia encontrar o texto, entre toda a papelada que tinha à sua volta. "Vossa Excelência compreende, estou aqui sozinho..."
Salazar insistiu: "Veja lá outra vez, faça favor". E o homem lá foi, de novo, angustiado pela dificuldade insuperável. Com a alma nas mãos, regressou ao telefone, outros tantos minutos volvidos. "Peço imensa desculpa, mas não encontro nada!". Do outro lado da linha, Salazar retorquiu: "Não está aí nenhuma dactilógrafa?". O diplomata explicou que não, era domingo... "E também não tem nenhum contínuo?". Também não havia nenhum contínuo. Antes de desligar, seco, Salazar comentou: "É pena. Qualquer dactilógrafa ou contínuo teria descoberto o telegrama. Passe bem!".
Salazar insistiu: "Veja lá outra vez, faça favor". E o homem lá foi, de novo, angustiado pela dificuldade insuperável. Com a alma nas mãos, regressou ao telefone, outros tantos minutos volvidos. "Peço imensa desculpa, mas não encontro nada!". Do outro lado da linha, Salazar retorquiu: "Não está aí nenhuma dactilógrafa?". O diplomata explicou que não, era domingo... "E também não tem nenhum contínuo?". Também não havia nenhum contínuo. Antes de desligar, seco, Salazar comentou: "É pena. Qualquer dactilógrafa ou contínuo teria descoberto o telegrama. Passe bem!".
Não há registos da carreira subsequente desse diplomata que teve o azar de estar na "cifra" nessa fatídica manhã de domingo.
4 comentários:
Que calafrio, Senhor Embaixador!
Estive por duas ocasiões com o Dr. Oliveira Salazar.
Uma foi por causa do problema das transferências de Angola que, à época, era um problema muito sério. Dessa vez, em que muito jovem tive a ousadia de discordar da sua opinião, olhou para mim, não me disse uma palavra. Deixou-me suspensa uns cinco minutos, que me pareceram horas. E depois disse-me " a senhora doutora devia ter cursado direito". Com esta mandou-me embora, depois de dar o "concordo" ao meu parecer!
nao sabera o sr embaixador o ano em que decorreu o episodio?
bh
Senhor Embaixador: para mim,simples cidadão que nunca teve qualquer contacto com Salazar,mas que tem memória do que foi o regime do qual ele foi o principal protagonista,é relativamente facil imaginar o que sucedeu a carreira da pessoa em causa.
Seguramente terminou nesse momento.
Seria,porventura,desnecessário acrescentar que não tenho qualquer saudade nem do referido protagonista,nem do dito regime.
E não me comovem as tentativas de branqueamento de ambos,que para meu gosto,ocorrem com demasiada frequencia.
Não ha ditadores "bons" nem "maus".
Há simplemente ditadores!
E Salazar foi um ditador,ponto final!
o meu comentario tem que ver com uma profunda mudanca dos sistemas de cifra que se deu durante a segunda guerra, em portugal.
nao e, portanto, dificil imaginar um diplomata menos agil ver-se perdido no meio de tanta alteracao.
bh
Enviar um comentário