domingo, outubro 09, 2011

De ouvido

Aqui fica uma historieta bem antiga da "casa".

Era a segunda ou terceira vez que o secretário-geral do MNE levava, ao despacho com o ministro, a proposta de atribuir a um determinado funcionário a chefia de uma embaixada. Por uma qualquer razão, que nunca ficava evidente, o político fazia-se deliberadamente desentendido, considerando o assunto não prioritário, pelo que transitava para a agenda da reunião seguinte. 

O secretário-geral, cuja qualidade de chefe da carreira o obrigava a ter de respeitar equilíbrios mínimos de justiça entre os funcionários, em função da sua antiguidade, experiência passada e avaliação de qualidade profissional, começava já a mostrar-se um pouco desagradado com a relutância do ministro, tanto mais que ela não era apoiada em qualquer argumento, mas apenas naquela misteriosa e persistente determinação em não tomar qualquer decisão.

Um dia, numa nova ocasião de despacho, o secretário-geral decidiu ser um pouco mais insistente:

- O senhor ministro vai-me desculpar, mas já não sei o que hei-de dizer ao homem. Ele aceita um posto modesto, está já muito atrasado em relação a colegas do seu tempo e, com toda a franqueza, parece-me que conseguiria gerir uma missão com a necessária dignidade. O senhor ministro conhece-o bem?

O político olhou o chefe da carreira e respondeu:

- Tenho uma ideia dele. Não é um que é surdo de um ouvido? 

O secretário-geral anuiu, animado com o reconhecimento feito pelo ministro: era esse mesmo.

- Pois é, só é pena que não entenda nada do outro.

E o homem acabou por nunca ser embaixador.

3 comentários:

Portugalredecouvertes disse...

teve menos sorte do que a justiça

que essa dizem que é cega, surda e muda!

atentamente

Isabel Seixas disse...

Reconheçamos que a aprendizagem de ouvido, é fundamental... Principalmente no contexto.

Helena Sacadura Cabral disse...

Senhor Embaixador
Bela história! Realmente saber ouvir, mesmo que de um só ouvido, parece-me vital para o exercício da função, embora orelhas moucas tenham entre nós bastante saída...

Os caminhos da justiça

Em 2019, numa publicação no Twitter, publiquei um comentário crítico sobre uma atitude de um treinador de futebol que tinha acabado de obser...