Era a segunda ou terceira vez que o secretário-geral do MNE levava, ao despacho com o ministro, a proposta de atribuir a um determinado funcionário a chefia de uma embaixada. Por uma qualquer razão, que nunca ficava evidente, o político fazia-se deliberadamente desentendido, considerando o assunto não prioritário, pelo que transitava para a agenda da reunião seguinte.
O secretário-geral, cuja qualidade de chefe da carreira o obrigava a ter de respeitar equilíbrios mínimos de justiça entre os funcionários, em função da sua antiguidade, experiência passada e avaliação de qualidade profissional, começava já a mostrar-se um pouco desagradado com a relutância do ministro, tanto mais que ela não era apoiada em qualquer argumento, mas apenas naquela misteriosa e persistente determinação em não tomar qualquer decisão.
Um dia, numa nova ocasião de despacho, o secretário-geral decidiu ser um pouco mais insistente:
- O senhor ministro vai-me desculpar, mas já não sei o que hei-de dizer ao homem. Ele aceita um posto modesto, está já muito atrasado em relação a colegas do seu tempo e, com toda a franqueza, parece-me que conseguiria gerir uma missão com a necessária dignidade. O senhor ministro conhece-o bem?
O político olhou o chefe da carreira e respondeu:
- Tenho uma ideia dele. Não é um que é surdo de um ouvido?
O secretário-geral anuiu, animado com o reconhecimento feito pelo ministro: era esse mesmo.
- Pois é, só é pena que não entenda nada do outro.
E o homem acabou por nunca ser embaixador.
3 comentários:
teve menos sorte do que a justiça
que essa dizem que é cega, surda e muda!
atentamente
Reconheçamos que a aprendizagem de ouvido, é fundamental... Principalmente no contexto.
Senhor Embaixador
Bela história! Realmente saber ouvir, mesmo que de um só ouvido, parece-me vital para o exercício da função, embora orelhas moucas tenham entre nós bastante saída...
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