A enquadrar aquele museu num certo país europeu, situado fora da área urbana, havia um magnífico espaço verde. Sobre ele, espalhavam-se vários objetos artísticos, da mais diversa natureza. O museu, por essa altura, albergava, para além da sua coleção permanente, uma muito rara exposição de um conhecido pintor clássico.
Eu e um outro colega havíamos convencido uma personalidade com quem viajávamos da importância de não perdermos a oportunidade de ver reunido o essencial da obra desse grande artista da segunda metade do século XIX. Louvando embora a ideia do "détour" que fazíamos, de carro, para visitar a exposição, a figura em causa tinha-nos explicado, ao longo do trejeto, que era muito mais dada à apreciação da arte contemporânea, aos novos modelos criativos, das instalações aos trabalhos em vídeo. Às nossas dúvidas e à confissão da dificuldade de, por vezes, sermos sensíveis a algumas dessas ousadas expressões artísticas, essa pessoa contrapunha o seu pensamento cheio de contemporaneidade, com um intenso e esmagante "name-dropping" de criadores. Ao ouvi-la, verificámos que estávamos perante assinalável especialista.
E caminhavamos já para o museu, idos do parque de estacionamento, comentando à distância uma óbvia escultura de Moore, quando eu fiz notar:
- Conhecem os trabalhos de Rooney Kindley? É uma canadiano que está a ter imenso sucesso. É pouco conhecido na Europa, embora já tenha coisas no MoMa. Aquela peça, ali adiante, parece-me dele, disse eu apontando para um modelo de contentor pintado num forte azul, pousado sobre uma plataforma.
- Nunca tinha ouvido falar nele, disse a nossa personalidade. Nas vanguardas alemãs, que conheço melhor, há muito quem se dedique à criação deste género de objetos, como reproduções criativas de elementos extraídos do quotidiano, trabalhando-os na cor e nas vertentes de espaço. Este, aliás, parece-me bastante interessante, pela ligação do equilíbrio volumétrico e dos tons impositivos, que, no seu conjunto, provocam um contraste curioso com a paisagem. Por isso, necessitam, como aqui se consegue, de ter um cenário bastante aberto para a obra poder "respirar", permitindo distâncias para múltiplos ângulos de visualização. Como é que você disse que se chama o artista?
- Nunca tinha ouvido falar nele, disse a nossa personalidade. Nas vanguardas alemãs, que conheço melhor, há muito quem se dedique à criação deste género de objetos, como reproduções criativas de elementos extraídos do quotidiano, trabalhando-os na cor e nas vertentes de espaço. Este, aliás, parece-me bastante interessante, pela ligação do equilíbrio volumétrico e dos tons impositivos, que, no seu conjunto, provocam um contraste curioso com a paisagem. Por isso, necessitam, como aqui se consegue, de ter um cenário bastante aberto para a obra poder "respirar", permitindo distâncias para múltiplos ângulos de visualização. Como é que você disse que se chama o artista?
Fiz um sorriso irónico e esclareci:
- Esqueça! É apenas um contentor. Inventei o resto...
19 comentários:
Que maldade...
Eu também tenho dificuldades com a arte contemporânea, como se constata aqui: http://imagenscomtexto.blogspot.com/2008/03/sol-lewitt.html
sr embaixador
se tivesse posto uma imagem de um contentor logo no inicio do texto eu ter-me-ia sido muito mais dificil adivinhar o desenlace do dito.
mas esta perdoado! aqui a parte do auditorio que me corresponde, ja clama por mais
bem haja
ps: mais textos! e nao fotos de contentores azuis!
Genial!!!
Ninguém tem obrigação de saber tudo sobre arte. Nem artista, professor, critico e muito menos especialista. Mas sobre a vida... seria imperdoavel.
Abraço
espero que não seja o ministro da cultura de algum país...
Sergio Luis
Moral da história, quem era quem o pintor...
Quem se revelou
Artista...
Bem falta me fez essa ideia franca quando numa exposição o pintor perante um quadro negro e uma pinta branca numa teimosia alucinada insistia que pintou uma sardinha...
Mauzinho o Sr. Embaixador, brilhante mas mauzinho.
muitos objectos ou utensilios de uso diário, domestico, na rua, etc, mas com um desenho inovador (lembro-me da cafeteira alessi dos anos 1970 que está está no moma de ny)passaram a ser peças de museu.
Há dias descobri uma caneta humilde, discreta, toda preta, de linhas classicas sem nada de especial, que tinha uma inscrição gravada na tampa. Era dificil ler, mas mesmo sem lupa e com ajuda lá li: exposta no museu de arte moderna de nova iorque.
Automoveis, alguns modelos bem conseguidos (o automovel quanto mais anos tem, mais interessante se torna como linha, desenho da carroçaria, mesmo modelos baratos, ficamos a olhar encantados para as curvaturas dum morris minor com 50 anos, mais belo que o carocha), etc
Porque não o contentor mostrado na foto? Há algo nele que o torna perfeito alem de util, o tamanho, a geometria, a estriagem, até a cor. É uma peça das ultimas décadas, a sua função é respeitavel. E a autoridade da personalidade que o avaliou, envolvido numa brincadeira que ignorava, aí está para o provar!
Se tivermos espaço, é boa ideia guardar os objectos velhos, já sem uso.
Apetece dizer: bem feito!...
Bravo!
Gsto de contentores e de navios que os transportam um pouco de todo o lado. Ainda ontem de manhã me cruzei na Barra do Tejo com um desses navios, de casco azul e casario creme, da maior companhia de navegação do mundo, a Maersk, da Dinamarca.
O contentor protagonizou uma verdadeira revolução no conceito geral de transporte de mercadorias cujo desenvolvimento a partir da década de 1960 abriu portas à logística da globalização, numa minestação prática e brilhante de arte e engenho humano seguindo a lei nº 1 da natureza, a chamada "lei do menor esforço"...
Luís Miguel Correia
BLOG DOS NAVIOS E DO MAR
Luís Miguel Correia, que giro que o seu blog é. :) Os barcos são, realmente, uma coisa linda (com ou sem contentores).
Há cerca de dois anos, se a memória não me atraiçoa, entrei na nossa FCG para levar o meu filho a um daqueles ateliers bem interessantes de Verão que por lá costumam realizar.
Ao dirigir-me, através do jardim, para o local designado, deparo-me com um amontoado de velhas cadeiras, secretárias e vários outros exemplares de mobiliário de escritório. O volume era bem razoável e ordem não havia nenhuma. À volta, uma daquelas celebres baias para impedir a aproximação das pessoas, o que achei muito bem, porque me pareceu evidente o risco de desmoronamento.
De facto, não ficava nada bem, naquele belo e bem cuidado jardim, tamanha desordem que, para qualquer um, era um transitório estado de mudança ou substituição de mobiliário, enquanto as peças não eram removidas para qualquer ferro velho ou processo de destruição.
Ao aproximar-me verifico que há uma tabuleta que dizia qualquer coisa do tipo: “Arte urbana: composição.”
Ainda hoje estou convencido de que foi uma ideia brilhante de alguém que, momentaneamente, não tinha onde colocar aquele mamarracho.
JR
Delicioso!
Embora afastando-me do tema, conto algo recente que se passou comigo.
Uma senhora atravessou a rua e amorosa desfecha-me:"É a Dra Helena, a mãe do manos Portas, não é?". Antes que ela se explanasse, disse: "não sou não, sou tia". A senhora retorquiu " mas é tão igual...".
Respondi "pois é. Sou uma espécie de "instalação dela".
A senhora ficou a olhar para mim mas, como não me entendeu, silenciou!
Vou adoptar ser tia dos meus filhos.
Pois, Senhor Embaixador, o seu interlocutor só podia ser um grande "artista".
Como não passo de um camponês que o acaso da vida roubou aos campos do Vale do Mondego, tenho dificuldade em entender a arte moderna e, sobretudo, aquilo a que chamam "instalações".
Talvez por isso, ri a bom rir de um episódio que, em tempos, aconteceu no Centro de Artes da Figueira da Foz, e que nunca esqueci.
O artista "criou" uma obra de arte, que consistia num lavatório de cerâmica partido, estando os bocados partidos caidos no chão.
Uma manhã, quando a exposição abriu, os bocados "expostos" no chão tinham desaparecido porque a empregada da limpeza os varrera, apanhara, e colocara no lixo.
Tal como eu, a senhora era insensível perante tão excelsa manifestação artística.
Carlos Fonseca
Caro "eu": não era nenhum ministro da Cultura. Há muito quem conheça a Alemanha.
Caro José Sousa e Silva: ... e continua a atuar por aí.
Car Catinga, d'avance , merci!
Enviar um comentário