Eu presidia, nesse ano de 2001, à 2ª comissão (questões económicas e financeiras) da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque. A certo passo de uma das sessões, dei-me conta que estava inscrito para falar o meu colega e amigo, o embaixador brasileiro Gelson Fonseca.
Provavelmente em inglês, dei-lhe a palavra. Qual não foi o meu espanto quando verifiquei que o diplomata brasileiro começou a falar... em espanhol!
As línguas oficiais da ONU são seis: o árabe, o chinês, o espanhol, o francês, o inglês e o russo. Os países de língua portuguesa têm como ambição colocar o português entre essas línguas oficiais, pelo que muitos de nós - mas esta é um regra não escrita, não formalizada, nem obrigatória para ninguém - optamos por não nos exprimir em espanhol, uma língua cuja similitude e aproximação com o português pode, de certo modo, enfraquecer aquele nosso objetivo.
As línguas oficiais da ONU são seis: o árabe, o chinês, o espanhol, o francês, o inglês e o russo. Os países de língua portuguesa têm como ambição colocar o português entre essas línguas oficiais, pelo que muitos de nós - mas esta é um regra não escrita, não formalizada, nem obrigatória para ninguém - optamos por não nos exprimir em espanhol, uma língua cuja similitude e aproximação com o português pode, de certo modo, enfraquecer aquele nosso objetivo.
Acabada a fala de Gelson Fonseca, saiu-me, no meu melhor espanhol: "Agradeço ao distinto delegado do Uruguai a sua intervenção e passo a palavra ao orador seguinte, ...". O Gelson saltou na cadeira e esclareceu, em inglês, para o microfone: "Perdão, senhor presidente, eu sou o representante do Brasil!". Ao que eu retorqui, também em inglês: "Sou eu quem peço perdão, mas a forma tão correta como o distinto delegado do Brasil se exprime em castelhano levou-me a confundi-lo com um falante de uma das antigas colónias espanholas". A parte do auditório que percebeu a graça deu umas discretas risadas.
O Gelson Fonseca "não se ficou", deu a volta à sala, subiu discretamente à tribuna e disse-me, com um ar divertido, esta coisa deliciosa: "Ó Francisco, você não percebeu! Na realidade, eu não falei espanhol, falei um "portuñol" com tantas expressões portuguesas "espanholizadas" que, no fundo, acabei quase por consagrar uma subliminar entrada do português como língua das Nações Unidas". O Gelson era e é um grande embaixador brasileiro.
Registe-se que, por essa época, o Brasil não tinha, em relação à promoção da língua portuguesa à escala global, o empenhamento que hoje demonstra e, segundo julgo saber, os seus diplomatas eram mesmo estimulados a usar o espanhol. Nós não.
13 comentários:
Senhor Embaixador: que delicioso duelo de ironias!
E,francamente, face ao nível atingido,não sei quem foi o vencedor.
O empate parece-me um resultado justo.
EGR
Uma história delíciosa que me fez sorrir.
a promocao do portugues como lingua internacional ser uma das razoes do nosso amigo (pelo menos conhecido...) acordo ortografico.
agora, acordos a parte, é
'optamos por não nos exprimirmos'
ou
'optamos por não nos exprimir'?
bem haja
Tem toda a razão o anónimo das 2:11. Este é o preço de uma escrita rápida, sem grande reflexão ou revisão. Felizmente há "olheiros" atentos...
possivelmente, entre as várias linguas à escolha, o embaixador do brasil preferiu a que estava mais proxima do português, uma lingua irmã, alem de que o brasil está rodeado de paises de lingua espanhola, com os quais mostrou assim afinidade.
Nas circunstancias, ao usar o espanhol pôs foi o inglês em 2º ou 3º lugar.
ps. o indeciso uso do plural dos verbos em certas circunstancias decorrentes da construção da frase, como no caso levantado por anónimo, é algo normal e explicavel. O "nos" pode acabar por contagiar psicologicamente o exprimir, que passaria a concordancia para o plural. Na verdade, creio que "optamos por não nos exprimir" está correcto, pois o verdadeiro verbo (predicado) da frase que tem de concordar com o sujeito é optar, enquanto que exprimir não passa ali do objecto ou complemento.
Este tipo de ambiguidades não são erros (não é erro), mas desvios aceitáveis, tanto para um lado como para o outro. Apenas minha opinião, claro.
Todos os lusófonos sofrem de um complexo de inferioridade. Aqui na Europa, na América do Sul ou em África. É uma das marcas da nossa identidade comum.
Ainda me lembro de estar na Expo 98 e de o responsável do pavilhão da Guiné Bissau estar a "negociar" com o maralhal a língua em que a visita seria feita. "Castelhano, Castelhano" gritavam umas espanholas histéricas ao meu lado...
Todas as generalizações são falsas-incluindo esta.
E, também, a do anónimo das 12:30: eu, lusófono,não sofro de qualquer complexo de inferioridade.
Episódio bem descontraido e pedagógico para os ingleses coitados, com a globalização da sua lingua qualquer dia perdem a musicalidade da diversidade linguistica ficando consequentemente com ouvido duro...
Isabel Seixas
Perdoem-me. Mas de acordo com o Acordo qual seria a expressão usada?!
:))
Cara Dra, Helena Sacadura Cabral: como bem sabe, o Acordo "não se mete" com a construção das frases...
há que acabar com o espirito de aljubarrota e 1640 (embora não seja disso que no blogue se fala, mas da promoção da lingua portuguesa).
A integração e interdependencia entre portugal e espanha é cada vez maior e não podemos viver sem elas.
Quanto ao português e espanhol, começam finalmente a fazer parte dos curricula escolares dos 2 paises.
O Portunhol é uma arma secreta que nos falta explorar.
Teriamos todo o interesse em manter o Português e os Espanhol mais classico, com menos diferenças, pois os caminhos da cultura são também os caminhos dos negócios.
VER http://ppplusofonia.blogspot.com/2008/03/portugus-e-espanhol-entre-os-idiomas.html
Caro Embaixador
Até que comecemos a dizer cadê o português de Portugal?!
Por enquanto, é só ortográfico. Mas esperemos para ver se fica só por aqui. Quando se dá a mão, às vezes leva-se com a família. Pois não?
Mázinha...
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