quarta-feira, agosto 24, 2011

O jantar

O convite para aquele jantar fora aceite com gosto. O casal brasileiro que recebia, que tinham conhecido num cocktail, revelara-se muito simpático, pelo que os embaixadores da Sildávia, que estavam em Brasília há escassos meses, acharam ser essa uma boa oportunidade para alargar o seu ainda escasso mundo de conhecimentos na sociedade brasiliense. E, assim, ataviado o embaixador com aquele "esporte fino" que, nos homens, dá saída regular aos blazers azul-escuro com botões dourados, lá avançaram para a festa.

Em Brasília, as ruas não têm nomes. A geografia da cidade é feita quase exclusivamente de letras e números. Na zona do Lago Sul, onde se situam as melhores residências, há uma espécie de pequenos bairros numerados, as "quadras", contados a partir da zona do aeroporto. Tais "quadras" são, por sua vez, subdivididas em ruas também numeradas, os "conjuntos", onde se situam as casas, igualmente identificadas por um número. Se se disser que as "quadras" podem ser "internas" ou "do lago" - QI ou QL -, dá ideia de uma grande confusão. Porém, depois de se perceber a lógica, tudo se torna bem mais simples do que em qualquer outra cidade...

O cartão do convite não permitia enganos. Estava escrito o endereço: "QI 5, conjunto 9, casa 23" (endereço fictício, claro). E lá partiram os embaixadores da Sildávia, com o próprio embaixador ao volante, porque o estacionamento costuma ser fácil e estariam mais à vontade sem motorista, para gozar até mais tarde a festa, nesse sábado de clima ameno. Chegados à "quadra", verificaram que o "conjunto" 9 era o último. Restava apenas procurar a casa.

- Olha, é aquela moradia com as lamparinas a marcar a entrada, disse o embaixador. Já lá está o carro do embaixador italiano, junto à porta.

Com o embrulhinho da caixa de chocolates para a anfitriã nas mãos da embaixatriz, entraram na casa. Era uma magnífica residência, com empregados vestidos a rigor, que logo lhes ofereceram uma taça de champanhe à entrada. Os embaixadores italianos acenaram e aproximaram-se, ficando, por instantes, à conversa.

- Onde estão os donos da casa?, indagou a embaixatriz sildava, desejosa de se ver livre da prenda e de saudar os anfitriões.

- Estão ali, junto da piscina, respondeu o diplomata italiano.

Os embaixadores sildavos encaminharam-se então para um pequeno grupo reunido mais adiante, em que detetaram algumas caras que recordavam (ou seria das páginas sociais da Jane Godoy ou do Gilberto Amaral?). Um casal, com ar de quem estava bem à-vontade na casa, aproximou-se, sorridente.

- Sejam bem vindos, retorquiu a senhora.

- Somos os embaixadores da Sildávia, murmurou o diplomata visitante, com um fácies por onde perpassou uma súbita perturbação.

- Ah! Não estávamos à espera, mas são muito bem-vindos, disse aquela que era, de facto, a anfitriã.

Como costumam dizer os brasileiros, nesse instante "caiu a ficha" aos embaixadores da Sildávia. Estavam na casa errada, na festa errada, com os anfitriões errados. O jantar para onde pretendiam ir era, afinal, numa casa exatamente no lado oposto do "conjunto". Com sorrisos e desculpas, no ambiente de amabilidade brasileira que torna tudo mais caloroso e fácil, lá se despediram dos colegas italianos (que, esses sim!, estavam na festa certa) e rumaram ao jantar onde já tardavam.

Um jantar onde, minutos depois, contaram esta sua saga, para imensa diversão de todos nós, que já lá estávamos, e, em especial, da Regina e do Edson, os verdadeiros anfitriões, que já estranhavam o atraso. (Para eles, aproveito para deixar um abraço saudoso).

Quanto aos embaixadores, não eram da Sildávia nem sequer da Bordúria, esses países tão ao gosto de Tim Tim, mas, neste tempo tenso de relações internacionais, sei lá se gostariam de ser identificados... E também não sei se, um dia, não terão acabado por ser convidados pelos anfitriões em casa de quem entraram por engano. Conhecendo a simpatia dos brasileiros e, em especial, dos brasilienses, é bem possível que sim!

14 comentários:

Aclim disse...

Brasíla amarela?...rs

Pois pois, nada como ter passe livre e circular pelos lados dos lagos brasilianos. Bom lugar este que vc visitou, Brasil...rs

Abraço

Adelo disse...

CHAPEAU Mr. Ambassador.

Anónimo disse...

Sr. Embaixador. Sou um relativamente recente leitor do seu blog aonde cheguei já não sei por que "caminho". Recente mas certamente dos seus mais longínquos leitores. Resido e trabalho em Macau onde exerço funções idênticas às do Edson, razão porque o conheci, e à Regina, em reuniões internacionais. A curiosidade com que mergulhei no blog foi-me acicatada pelo casal Regina e Edson que me falaram em termos muito elogiosos do Sr. Embaixador.
Permita-me que o felicite pelo seu excelente blog e que o aproveite para enviar um abraço para a Regina e o Edson desde Portugal onde estou de férias.

patricio branco disse...

Coisas que sucedem. Keep a stiffer upper lipper, mr ambassador of syldavia ou cenas da vida diplomatica brasiliense.

Outros paises inventados conhecidos alem da sildavia e da borduria: ruritania (capital streslau), lilipute, shangrila, utopia, concordia, oceania

Helena Oneto disse...

Esta deliciosa cena lembra-me outra idêntica do genial Buñuel no "Charme discreto da burguesia".

Hoje, vou bem disposta para a cama:)!

Anónimo disse...

caro patricio branco

faltam lhe ainda
sao teodoro,o novo rico e o khemed onde vivia o nosso bom amigo oliveira


cmptq

Anónimo disse...

Pelo Menos este jantar não se afigura calórico, nem uma alusãosinha ao repasto, só entradas...
Isabel Seixas

Anónimo disse...

Pois eu conheci um Senhor que, fardado de gala alugava um automóvel com motorista vestido a preceito, desses que as celebridades usam e, sem qualquer convite, mal o motorista lhe abria a porta dirigia-se para a entrada da Embaixada ou casa e pura e simplesmente dizia com ar altivo a condizer : eu sou o "Fulano". E pronto, lá estava ele na festa.

José Sousa e Silva

patricio branco disse...

caro anónimo: agradeço a lista.
a republica de san teodoro é mais credivel que outros paises reais com os quais tem fronteira. E apesar dum ou doutro general de desconfiar, tem bastante encanto, e a capital los dopicos merece uma visita..
Existem no entanto alguns paises reais que chegamos a pensar que não o são, tal o misterio que os rodeia e a fantasia que provocam. Cito p ex o butão e o sikkim, ou os kiribati. Na sua pagina oficial, o sikkim define-se como um pais de lenda, p ex.
Terão o butão ou o sikkim um embaixador da sildavia?

Gil disse...

Como comentava um amigo brasiliense, os endereços lá parecem "localizações de campas em cemitérios", com essas designações crípticas.
Já gora, falando de Brasília e de equívocos jantarais, lembro-me do Embaixador do Líbano a sair do carro e logo voltar a entrar e arrancar, para só aparecer meia-hora mais tarde: tinha, à chegada, verificado que o "dress code" impunha "esporte fino" e não o "bléqui tai", que ele vestia na primeira tentativa.

Helena Sacadura Cabral disse...

Senhor Embaixador
Não é difícil acontecerem coisas destas.Mesmo aos mais atentos.
Lembro um convite para jantar em casa do Daniel Proença de Carvalho, no Estoril. O meu marido chegara tarde e a azáfama de saída foi grande. Pelo caminho resmunguei qualquer coisa sobre as prioridades que o trabalho sempre lhe impunha e a que a minha cara metade, inteligente, nem deu resposta...
Chegados ao local, que nessa noite não estava iluminado, eu disse: "pára, é ali. Eu saio e vai arrumar o carro para não fazermos esperar mais ainda os convidados".
Airosa, toquei à campainha com a vaga impressão de que algo estava diferente.
Uma empregada abriu a porta e eu perguntei se os senhores estavam à nossa espera.
"Já estão à mesa", respondeu-me. Avancei lépida para a zona iluminada perante o olhar atrapalhado da empregada, que já se preparava para abrir a porta a outro toque, o do meu marido.
Quando cheguei à sala de jantar tive um baque. A família que estava sentada era conhecida, mas não era nem o Daniel nem a Natália.
"Que surpresa. Vocês por aqui?! Querem jantar connosco?".
Agradeci sem poder explicar para onde íamos porque se tratava de amigos comuns. Saí "às arrecuas" chocando com o meu marido acabado de chegar e completamente a leste do sucedido. Cá fora tive um ataque de riso, possivelmente do nervoso, perante a cara do consorte que devia achar que eu estava tonta.
Só quando cheguei ao Daniel é que tive a noção que deixara o "presentinho" que levara, nas mãos da empregada da outra casa!
Ainda hoje me rio do olhar de espanto da anfitriã errada...

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Dra. Helena Sacadura Cabral: a sua história é bem mais divertida que a minha...

Helena Sacadura Cabral disse...

Ai, Senhor Embaixador, durante anos o meu marido para me fazer rabiar, dizia "Querida, olha que me parece que essa é a "porta errada", gozando com o malfadado duplo sentido.
Agora, ufana e altiva, declaro logo: "é sim. Portas é comigo"!
Enfim, todos temos que manter o humor sobre nós próprios.
E orgulhava-me eu, toda moderna, de, à época, ter tido a ousadia de recusar o uso do nome do marido. Valeu-me de muito. Agora, apesar de não usar o nome, não me livro de ser a mãe dos Portas...
:-)))

Anónimo disse...

As Histórias são bem engraçadas.
Cara amiga "Helena"
Daí que é melhor vir a chaves(...)

Isabel Seixas

25 de novembro