A culpa era dela, diziam os próximos da casa. Aquela embaixatriz deixava o marido tantas vezes só, naquele recôndito posto, que lhe dava fortes oportunidades para exercitar o seu consabido tropismo para escapadelas românticas. Nos últimos tempos, a mais persistente amiga do embaixador era a Cláudia. Todo o corpo diplomático conhecia a sua aventura com essa mulher de um empresário local, desde há alguns anos preso por corrupção. Com a embaixatriz ausente, a Cláudia, "viúva de vivo", era presença regular ao lado do embaixador, mesmo em locais públicos. "Uma boa amiga", dizia ele. Ninguém duvidava.
A Cláudia era, assim, como que uma figura quase natural no panorama daquela Embaixada. Mesmo durante as raras aparições da embaixatriz pelo posto, ela sempre surgia por lá, frequentando recepções e outras ocasiões sociais. Por isso, durante a visita que o seu ministro dos Negócios Estrangeiros efetuou àquele país, ninguém estranhou que o embaixador a incluísse entre os convidados para o jantar em que reuniu alguns amigos mais chegados, juntamente com autoridades locais. A única estranheza residia na aparente inocência da embaixatriz, que, uma vez mais, admitia Cláudia, sem reticências visíveis, nesse círculo restrito de convidados. Coitada, não via nada...
O jantar com o ministro visitante corria normalmente. O embaixador entretinha o repasto com algumas historietas. A certo momento, lembrou, saudoso, o desaparecimento de uma figura tutelar da pequena comunidade que o seu país tinha no local. Sublinhou o quanto a sua falta fora sentida, o modo como as próprias autoridades tinham honrado o seu funeral: "Estava toda a gente na missa. Eu fui com a Cláudia...". Do fundo da mesa, Cláudia anuiu, discreta, com a cabeça.
Nesse instante, a embaixatriz gelou o ambiente: "Com a Cláudia? Eu já tinha ouvido que você fazia muitas coisas com a Cláudia, mas ir à missa nunca!". O jantar, praticamente, acabou por ali.
25 comentários:
Senhor Embaixador...
Este post...!!!?...
Mas...
São quase nove horas
Isabel Seixas
Nos Aguardi(É mesmo i de sotaque brasileiro)
"Boua!"
É por estas e por outras que depois do correio e antes de ler as notícias que só dão desgraça, eu me habituei a começar o dia por aqui.
Bom dia, e viva a boa disposição!
Um abraço
'A culpa era dela, diziam os próximos da casa. Aquela embaixatriz deixava o marido tantas vezes só... ... ... ...'
Senhor embaixador conhece alguma história que conte :
a culpa era dele diziam os próximos da casa. Aquele embaixatrizo deixava a esposa tantas vezes só... ... ...?
Este Post está verdadeiramente impagável! O notável da história é a embaixatriz não parecer muito incomodada que ele, embaixador, fizesse muitas (outras) coisas com a tal Cláudia, mas tão só achar demais ir à missa com a dita. Há muitos relatos aqui, neste Blogue, que mereciam um dia serem aproveitados e transcritos para um livro de “memórias” ao estilo de Lawrence Durrell.
Este conto fez-me entretanto lembrar uma situação patusca, que em tempos tive ocasião de presenciar.
Aqui há uns anos, fui convidado por um diplomata israelita, num determinado país onde me encontrava, para um jantar, com outros convivas, entre diplomatas, gente ligada ao mundo empresarial, cultural e político. O nosso “host” recebeu-nos bem disposto (como era seu hábito, possuía um excelente humor) e, a acompanha-lo, estava uma loira vistosa e bonita, com um vestido algo ousado. Presumi naturalmente ser sua Mulher. Vim a saber posteriormente, por ele, que era a senhoria. Pensei cá com os meus botões que o homem (danado, ou não fosse judeu) tinha feito um contrato “vantajoso”, ou seja: “você, milha bela, mantém-se na casa, que eu compartilho consigo, pago as despesas de electricidade, água, gás, você poupa uma renda de casa algures e o preço da renda a pagar por mim baixa”. Era uma espécie de dois em um (mulher bonita e casa agradável). Enganara-me. O tipo não teve esse tipo de preocupações, segundo me explicou, a mim e outros amigos. Procurou, digamos, juntando o útil ao agradável, “preencher um potencial hiato”. Como a Mulher só podia lá ir vê-lo durante uns determinados meses do ano, decidiu “propor, ou convidar” a bela senhoria a “partilhar”a sua companhia nos outros meses do ano, em que, por força da ausência da Mulher, ficaria sozinho. Sem “despesas” quer para ele, quer para ela, senhoria. Seria, digamos, uma “caritativa” atitude da parte da vistosa senhoria e sendo o israelita tipo simpático, divertido, culto, bem parecido e vivendo uma situação desafogada financeiramente – e não estando “em cima da mesa” nenhuma obrigação sentimental da parte dela, aceitou. E assim viveu, ou viveram, todos, naquela situação, sem nunca ter havido um incidente, ou escândalo sequer, enquanto ali esteve, naquele país. Conheci a mulher, também atraente e até mais simpática do que a “outra”. Ambas tinham em comum o serem sorridentes, bonitas e, aparentemente, muito meigas para com ele (um homem de sorte, convenhamos!). Nunca tive a certeza se a Mulher estaria a par daquela bizarria. Mas, era suposto, visto algumas consortes de colegas dele serem amigas dela e saírem com ela, quando por lá “aterrava”. Um último aspecto, não tão irrelevante quanto isso: estivesse a senhoria, ou a Mulher, a qualidade dos jantares que nos servia nunca evidenciou oscilações, quer para melhor, quer para pior. É que era ele quem confeccionava as iguarias que nos servia. Ora digam-me lá se elas também não eram mulheres com sorte?
P.Rufino
Senhor Embaixador
Há um tal Woody Allen que não desdenharia, mesmo nada, esse episódio...
Não foi Henrique IV que disse "Paris vaut bien une messe", Embaixador?
CSC
Caro V: Obrigado pela sua simpatia. Mas não entendi se o seu último comentário era para publicar
Mas que história deliciosa. Não sei quem invejar: se a Cláudia, se a Embaixatriz.
Mas inclino-me mais para o Embaixador!
Venturoso homem que aguenta ter duas mulheres...
Caro Embaixador,
Gostei e ri-me.
Faz bem...rir.
Já agora : deve ter material par um livro de contos.
E em Portugal os contistas não abundam.
Cumprimentos
"A culpa era dela". Claro, de quem havia de ser ? do marido? nunca! do embaixador ? ainda menos!...
Excelente cenário para mais uma excitante e tropical telenovela que teria o grande mérito de sublimar fantasmas de crimes passionais! nos tempos que correm, este romance seria um "ganda" sucesso!
Há dias, uma personagem de uma novela interessante (“Viver a Vida”) dizia, de lágrimas nos olhos e voz embargada, ao que fora seu marido e pai das suas filhas: “Você pode ter quem o ame, mas precisa de quem o ame e o perdoe”.
É claro que ela ainda o ama e, apesar do divórcio e do segundo casamento dele (e múltiplos affairs, durante ambos os casamentos), obviamente perdoou-lhe.
Ela é ‘a mulher da vida dele’.
E tanto assim é que, novamente divorciado, acabará a casar de novo com ela.
Sucede.
Mas que almas são estas, capazes de tanta generosidade e altruísmo?
Porque é essencialmente disso que se trata: a capacidade de colocar outro, que não sangue do seu sangue, à frente dos seus interesses, da sua auto-estima, da sua dignidade.
A traição é algo devastador. De qualquer dos pontos de que se parta.
Ser traído ou a razão da traição não é o mesmo, mas, havendo a noção dos princípios éticos, do respeito pelos outros, é uma situação dificílima.
Às vezes quem provoca a traição sente-se ainda pior do que quem trai, o que não deixa de ser curioso. Questão de sensibilidade, presumo; ou o mero ‘nas costas dos outros vejo eu as minhas’, quem sabe (hoje ela, amanhã, eu…).
As mulheres tendem a descortinar a criança traquina em potencial que qualquer homem é. E a relevarem o facto (‘boys will be boys’), mesmo que à custa da sua paz interior.
E de uma dada consciência social (a Embaixatriz sabia que toda a gente sabia…).
Ao fim de tantos anos, de livros, filmes, músicas e experiência de vida, ainda não decidi se é mais valente aquela que suporta as ‘escapadelas’ e se mantém ao lado de quem escolheu para partilhar a vida, se a que coloca os pontos nos ii, parte a loiça e lhe coloca as malas à porta. Não sei, realmente.
Uma mulher também é ela-e-as-suas-circunstâncias.
Conheço exemplos de ambas as situações, e nenhuma é realmente ‘vencedora’.
Sei que quando se ama verdadeiramente, se tende a perdoar tudo.
E até a dar a vida, se preciso fosse.
Depois do sangue, do rim, da medula; dos sonhos.
Prescindimos de tudo, menos desse direito divinal de querer bem acima de todas as conjunturas.
Mas presumo que não estarei muito acompanhada nestes devaneios; só compreenderá deveras quem alguma vez amou alguém assim: “acima de todas as coisas”.
(Deus está obviamente acima disto tudo porque, como li hoje mesmo, 'o que Cristo fez foi ensinar-nos a viver uma vida decente'. Isso resumirá quase tudo)
Depois de me rir a sério com a formulação da questão da Sara...
Achar brilhante o pensamento deveras reflexivo da doutora Helena para Quem obviamente o conhecimento de Causa é uma constatação Nem só por inerência...
Estou em crer que a Cláudia foi perdendo a perceção, de que perdeu efetivamente o poder aliciante de Ser a Outra(A dos momentos Psiquicos/físicos mais primários ou não, mas de uso instrumental de afectividade secreta)convertendo-se em Esposa virtual só com a benção de Deus sem auferir a comunhão de bens materiais lícitos o show off com aviso prévio e de receção social do mariage...
A esposa descartou-se...
(Oh! Não?...Se calhar não era uma deliberação dissimulada ou uma dissimulação deliberada).
O verdadeiro enigma reside (em quem estava) na Missa...
De qualquer forma para efeitos de herança...
Para além da lei
Detetar qual brisa de Amor
Só autopsiando a dimensão tempo e espaço ocupado...Na verdade do pensamento voluntário do Senhor...
Agora quem lidera! Porque não partilhar o peso para ficar mais leve.
Claro que as mulheres Sabem bem o que querem, se sabem...
Isabel Seixas
Cá em Chaves temos várias possibilidades de Missa diária em templos de evasão desde que em silêncio...
Temos o à Missa vespertino crepuscular noite dentro um pub/discoteca onde se pode falar a 90 decibéis sem se fazer ouvir muito menos escutar,recriando o encolher de ombros já estou por tudo de um qualquer fim de dia ...
E as danças configuram a expressão mágica ou desoladora do cansaço da insónia...
Isabel Seixas
Isabel Seixas
Gostei de ler o comentário de Margarida.
P.Rufino
É uma delícia que merece "bis".
Um familiar meu (conta como tendo sido com ele) vai a casa do padre da freguesia a propósito de qualquer evento religioso.
O dito padre, querendo fazer as honras da casa, chama a empregada, à moda antiga:
- Virgííínia!
- que foi?! Respondeu a empregada, com estilo familiarizado
- temos visitas!
- já lá vou, senhor Padre...
("com a doce voz que ar serena")...
A propósito de familiares e de missas:
Um familiar meu (já falecido) era filho de um padre. Até aí nada de novo, não fosse o caso do padre viver com a esposa e os filhos. O padre acabou por proibir as crianças, ainda muito pequenas, de irem à missa. Começou a dar brado o facto dos petizes desatarem aos gritos "pai! pai!" cada vez que o viam sair da sacristia devidamente paramentado. Tal como na história da embaixatriz, uma coisa é ser, outra é parecer.
O relato que faço reporta-se a uma povoação do distrito de Beja e ocorreu nos anos 20 do século passado.
Achei imensa piada a este post e a alguns comentarios a ele feitos. Todos os personagens desta estoria dão "pano para mangas"!
Partilho com P. Rufino uma preferência (muito feminina) pelo comentario de Margarida.
Truz Truz Truz...
Senhor Embaixador ...
Ainda dá Licença?
Podemos fazer Só um cibinho de psicanálise...
Então sente lá um bocadinho na sua chaise long e considere maugrado ou bom grado este olhar...
O P. Rufino é um balsamo de autoestima(Mas não escapa a um pensamento peregrino de inveja positiva do Sr. embaixador em causa) já a Margarida ...Uma Madre Teresa das Senhoras que têm muito que fazer e Partilham...Como forma alternativa(Fazem muito bem)...Para se aguentar com um e de facto, meio ás vezes até sobra...Além de que anular o efeito culpabilidade(Oh! Margarida que bonito Uma senhora com o altruísmo da Missão e a outra com a Devoção, olhe na impossibilidade de aglutinar... ) é condenar a dita a morrer solteira e bem sabemos que tudo Isto é uma opção obrigatória(Como diz a Sara)...
Agora permita-me que o Tal do "Seu congénere" profissionalmente claro...
Era um pinga Amor...
O tal Sr. ainda teria Mãe???(Quero dizer viva e presente!...)
Bem convenhamos que numa sociedade em que o Ter é carácter ...É ... invejável...o Sr... canalizava protagonismo... Não?!
Pronto desta visão Pseudo Freudiana
resta-nos lembrar que há mais autores por exemplo há quem Lhe chame Imaturidade Emocional( do ponto de vista do não cumprimento do protocolo social em que está inserido)... Mas também Capacidade de gerir emoções em dobro(Na perspetiva sonsa)...
Bem...
Vou Mas é trabalhar...
Obrigada
Isabel Seixas
Ó Margarida, isso não se faz...Então antes da telenovela acabar, conta-me o fim?!
E eu que acreditei que a Teresa ficava com o francês...
Não vai longe a senhora. O namorado francês era fracote, pese embora uma pretensa cena de "convívio mais íntimo" - apre, como é difícil escrever estas coisas no blogue de um Embaixador -e o marido era, decididamente, um "courreur de jupes", que também parecia não dar lá muito boa conta do recado. Pobre mulher, cruel destino...
Eu podia dar-lhe um conselho, mas não aqui. Você sabe, Margarida, o que eu lhe aconselharia. Mas o Brasil fica muito longe de Paris!
:))
Milady minha, perdi-me...
O Brasil para a apaixonada Teresa ou para mim?
É que ainda hoje recebi mais um convite para visitar o Rio :)
E o fim estava à vista, quando ele ficou só (traidor merece!) e passou a rondar novamente a 'fiel' (ex) esposa (que a outra ficou com o filho dele.... isto é mesmo novela!)
No entanto, não foram os (mil) romances que me cativaram e sim as imensas lições de vida - sobretudo os depoimentos reais no fim de cada episódio.
Que forças! Que heróis do quotidiano! Que gente verdadeiramente maravilhosa são as pessoas 'normais'!
Mas, saindo do nobre salão que pacientemente acolhe as nossas tagarelices, aconselhe-me, por quem sois...
Bem preciso ;)
Porque hoje é Domingo
Então...
Cá estou num ato de contrição...
De facto
Também gosto da dimensão romântica
Em que o Protagonismo seja qual for o género é o desejo intenso de privatizar...Seja qual for a direção dos poderes da interação.
Também sinto...Isso
Não me orgulho...Mas sinto
Está Bem...
Margarida...P.Rufino...Helena...
Claro que também concordo...
Na... Qual remissão???...
Agora acabarem... alí... Com o jantar...
E a sobremesa?...
o boufet
De bavarois, Charlotes, fruta laminada...
Ok...
Queijo da Serra(Para os Quatro...E não só)
1 Lata de leite condensado
2 Pacotes de natas
6 folhas de gelatina
1 pacote de bolacha Maria em pó (previamente picada na picadora)
Bater as natas (até as varinhas da batedeira fazerem desenhos);
Diluir as folhas de gelatina (previamente demolhadas em água) num cibinho/bocadinho de água;
Acrescentar o leite condensado, envolver toda a mistura e deitar numa forma redonda sem buraco por cima da bolacha...
vai ao frigorífico no mínimo 3 horas sendo desejável no dia anterior antes de desenformar para um prato "giro" de pudim e servir...Hum... Parece mesmo de Ceia
Isabel seixas
Claro que tem colesterol... E as tríades emocionais?:::
Maggie pedindo licença ao Embaixador por usarmos a sua casa, protele a ida ao Brasil se o convite vier de brasileiro, porque agora vai começar o mau tempo.
Espere por Setembro e venha daí a Paris - recebo-a na "minha casa"- e apresento-lhe uns amigos de encantar, que adoram Portugal e as as portuguesas. E talvez lhe aconteça o que a mim me aconteceu...
´:))
O convite chegou de brasileira, mais precisamente, carioca. Mas venho declinando há anos... :)
O receio é maior do que a atracção e, curiosamente, este princípio podia aplicar-se a tantas outras coisas da vida, não é?
Paris...; Paris ainda necessita de mais um tempo de pausa...
Mas fico gratíssima pela sua gentileza, se bem que ache que nem toda a gente é assim afortunada, Milady...
;) A minha amiga ficou como Jackpot, voilá!
(isto tudo enquanto a nossa Excelência se distrai e vai permitindo esta troca de petits riens no seu salão...)
http://www.youtube.com/watch?v=QU69EGEMaTQ
Se calhar,...a missa...nao havia necessidade...
Maria Bethânia
Eu Sou A Outra
Ele é casado e eu sou a outra,
Na vida dele,
Que vive qual uma brasa,
Por lhe faltar
Tudo em casa.
Ele é casado e eu sou a outra,
Que o mundo difama,
Que a vida, ingrata, maltrata,
E, sem dó, cobre de lama.
Quem me condena,como se condena
Uma mulher perdida,
Só me vê na vida dele,
Mas não o vê, na minha vida.
Não tenho lar, trago o coração ferido,
Mas tenho muito mais classe,
Do que quem não soube, prender o marido.
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