O magistrado espanhol Baltazar Garzón, personalidade com expressão mediática ganha na perseguição de algumas sinistras figuras da cena política internacional, está agora sob fogo por ter procurado contornar o compromisso histórico em que assentou a transição espanhola, tentando criminalizar o período franquista.
Pode haver legítimas razões para pensar que a iniciativa a que se propôs, que agora o coloca como alvo da Justiça que tem servido, é despropositada, desajustada no tempo, pode acicatar feridas, reavivar velhos traumas e, no fundo, desservir a democracia que a Espanha laboriosamente conquistou, por entre as tensões autonómicas e as ameaças terroristas.
Pode haver legítimas razões para pensar que a iniciativa a que se propôs, que agora o coloca como alvo da Justiça que tem servido, é despropositada, desajustada no tempo, pode acicatar feridas, reavivar velhos traumas e, no fundo, desservir a democracia que a Espanha laboriosamente conquistou, por entre as tensões autonómicas e as ameaças terroristas.
Tudo isso pode ser verdade e Garzón pode estar errado. No que, a meu ver, ele não está minimamente errado é no esforço que, desde há anos, vem a fazer para impor a dignidade à escala global, colocando a Espanha na linha da frente da Justiça internacional, para saudável inquietação de muitos patifes. Garzón é um homem de bem e não tenho visto isso suficientemente sublinhado.
8 comentários:
Concordo plenamente Sr. Embaixador.
Um Abraço.
PDD
O Juiz Garzón é uma figura que suscita admiração e repulsa na sociedade espanhola dependendo do quadrante político-sociológico pelo qual é analisado: é o herói que luta incessantemente contra a ETA, mas é o vilão que investigou o terrorismo de Estado dos anos '80(GAL); é o Juíz imparcial que solicita à Inglaterra a extradição de Pinochet para julgá-lo por crimes contra a humanidade, mas também o magistrado que largou a toga para integrar um dos derradeiros governos do Felipe González; enfim, é o defensor da recuperação da Memória Histórica dos derrotados da guerra civil apesar de saber que toca um tema tão sensível que dividiu a Espanha durante décadas. Paradoxos da vida, Garzón hoje, mais do que nunca, encontra-se assediado não pela ETA nem pelo crime organizado mas pelo próprio poder judicial e por uma direita que se sente incómoda com o seu passado não tão longínquo.
João Morais
Caro Chico
Antes do mais, regresso aos cumentários, com o, no seu excelente blogue de que continuo a ser leitor assíduo.
Não venho de baraço ao pescoço como o Moniz - o Egas, porque o açorenho nem pó - rogar o perdão de Vossa Insolência, ainda que talvez o devesse fazer.
Mas, os 50 magníficos dias em Goa & outras Índias (com a minha goesa, claro) originaram-me umas escrevinhadelas furiosas sobre o tema, no Travessa. Por algum motivo, os goeses dizem que eu sou mais... goês do que eles...
Quanto ao juíz Garzón, tenho de afirmar alto e bom som que concordo mil zero vírgula sete com ele. Logo, concordo consigo. Homens da estatura de Garzón (que, aliás, conheço pessoalmente, o que me dá um enorme prazer e orgulho) são essenciais, digo mesmo imprescindíveis na Liberdade e na Democracia.
Que alguns, se calhar bastantes, não gostem dele é problema desses. Não se pode tapar o Sol com uma peneira. Os medos da extrema esquerda são os mesmos da extrema direita. Que em Espnha é encabeçada pelo franquismo. Mas não só.
Um abração e uma interrogação: quando irá pela Minha Travessa?
Interessante Post e igualmente interessante o comentário de João Morais.
P.Rufino
Ontem na “Arte” vi um documentário interessantíssimo sobre o tema deste post: “Contre l’oubli - La trace des dictatures”, fortemente recomendado pela revista “Télérama” onde se pode ler:
« Quelle place occupent la mémoire et l’oubli dans un processus de démocratisation ? Faudrait-il assumer une forme d’injustice pour assurer la paix, la réconciliation d’un peuple traumatisé par de longues années d’oppression ? Le voile du silence serait-il en mesure d’effacer le sang versé par une dictature ?
Pour répondre à ces questions fondamentales qui se posent aujourd’hui encore aux quatre coins du monde, l’historien Jean-Noël Jeanneney et le réalisateur Pierre Beuchot se sont rendus dans trois pays d’Europe méridionale libérés du totalitarisme au milieu des années 70. En Espagne, où la loi mémorielle initiée en 2007 par le gouvernement Zapatero est revenue sur l’amnistie des crimes franquistes votée trente ans plus tôt par un Parlement quasi unanime. Au Portugal, où la méconnaissance de l’histoire salazariste engendre chez certains la nostalgie d’un passé mythique. En Grèce, enfin, où la décision a été prise de poursuivre en justice les militaires de la junte. A travers ces trois cas et de nombreux témoignages(*) d’une égale qualité se dessine une vaste réflexion historique, qui constitue l’intérêt essentiel de ce documentaire.
Entre avril 1974 et novembre 1975, l’Europe du Sud voit s’écrouler trois dictatures. Au Portugal, en Grèce, puis en Espagne, ces régimes au passé sanglant font place à des systèmes démocratiques qui renforcent l’adhésion de ces trois pays à la Communauté européenne. Pour solder le passé, devait-on appliquer la justice, décréter l’amnistie ou accorder le pardon ? Aujourd’hui, quelle mémoire perpétuer ou quel oubli imposer ? L’Espagne, qui a fait le choix de l’amnistie, est aujourd’hui rattrapée par son passé. Le Portugal et la Grèce, qui ont au contraire opté pour la condamnation des crimes commis, se sont-ils mieux accommodés de leur histoire ? »
François Ekchajzer, in Télérama, 07/04/2010
(*) entre outros, Victor Alves, o intelectual, Vasco Lourenço, o político e Otelo Saraiva de Carvalho, o utopista -como são apresentados neste documentário- comentam as vésperas, o 25 de Abril e o periodo complexo que se seguiu.
Excelente documentário que vem completar a questão fundamental expressa neste post. Excelente também o comentário de João Morais com quem concordo inteiramente.
Bem haja Baltazar Garzón que assume alto e bom som o dever (colectivo) da memória do preço da democracia.
Julgo que o pric´pio desta historia contr Garzon começa com a ida a uma caçada com um ministro que então estava em baixa cotação e não devia ser visto com ele.
A partir daí as coisa têm-se complicado.
O documentário referido por Helena Oneto será excelente mas dizer que
"Le Portugal (...) au contraire (a) opté pour la condamnation des crimes commis", é manifestamente exagerado.
Aparte o julgamento dos assassinos do Gen. Delgado, a impunidade dos criminosos, o encobrimento dos massacres e crimes de guerra, a complacência com os responsáveis do regime é que engendraram a doentia nostalgia de que fala o texto da Télérama.
Nem de propósito, tendo em conta o que vem hoje (15/4) na imprensa, sobre Garzon. É caso para se dizer que mais oportuno, este Post não podia ser!
P.Rufino
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