domingo, janeiro 18, 2015

Nós e o Syriza

A História não acontece como nós queremos, acontece como tem de acontecer. Assim, é completamente indiferente se gostamos ou não da hipótese do Syriza vir a ganhar as eleições gregas de dia 25: quem vota são os gregos, embora as consequências do resultado desse sufrágio possam refletir-se sobre nós. Para o bem e para o mal, sendo este "e" disjuntivo, se bem me faço entender.

Devo dizer que, em tese, não me desagrada a ideia de que alguém possa vir a agitar as águas europeias e obrigar a coligação política, chefiada por Berlim, que dá pelo nome de União Europeia, a reagir a alguma posição mais radical que um governo liderado pelo Syriza possa vir a apresentar, em termos da renegociação da sua dívida pública, num tempo em que "está tudo nas encolhas" por essa Europa, onde mesmo umas tímidas iniciativas de Jean-Claude Junker e anúncios de Mario Draghi são vistos por alguns como uma espécie de revolucionário "New Deal". 

No fundo, esta atitude de tíbio atentismo não deixa de ser uma cobardia da nossa parte: não "mexemos uma palha" e deixamos que os gregos assumam os riscos, que sejam eles a "ver-se gregos", se for esse o caso. Se tiverem êxito, qualquer que seja a medida deste, estaremos "à bica" para sermos "free riders" da flexibilidade que daí puder vir a decorrer para Estados em situações similares. Se falharem, se a Grécia mergulhar numa grave crise, por virtude da relutância europeia em dar acolhimento às novas propostas gregas, estou mesmo a ver que o objetivo oficial português vai ser "tirar o cavalo da chuva", isolando os gregos, tentando que essas retaliações nos não salpiquem. Mais do que isso: já imagino os cultores da conhecida escola "não somos a Grécia!" a mostrarem-se mais papistas do que o papa, a relevar o nosso esforço de ajustamento, a mostrar, com orgulho de "marrão", as notas dadas ao "bom aluno" da escola alemã.

Volto ao início: serão os gregos a escolher. Mas será também o governo português a estar à mesa do "eurogrupo" a apreciar as consequências de uma eventual vitória do Syriza. Infelizmente, temo que  quem por aí nos irá representar nessa circunstância acabe por assumir uma atitude mais subserviente àquilo que Berlim quiser fazer do que seria a de alguns "länder" alemães.

9 comentários:

Rui Quinta disse...

Entre as eleições gregas e as implicações que terá para a Europa caso ganhe o Syriza, estão as espanholas. Por isso mesmo tanto Rajoy como Pablo Iglesias têm estado bastante ativos, o primeiro contra o radicalismo do Syriza (e do Podemos) e o segundo a defender o radicalismo como hipótese para governar.

Se o Syriza ganhar (o cenário mais provável) e formar governo (menos provável) e a coisa não começar a correr mal, a campanha do Podemos sairá fortalecida. Não acredito que estes ganhem as eleições legislativas, mas para já as sondagens são preocupantes.

Cumprimentos,
Rui

Joaquim de Freitas disse...

Excelente, Senhor Embaixador. Subscrevo inteiramente . Não há dúvida nenhuma que em Bruxelas devem tremer perante o risco de ver este partido, que era insignificante há cinco anos, chegar ao poder na Grécia... levado nas asas da austeridade.

Os eurocratas devem , neste momento , utilizar uma lente muito forte para analisar finamente esta coligação de socialistas, sociais democratas, alter-mundialistas, ex_marxistas e trotskistas , unidos por uma detestação visceral da austeridade que não leva a lado nenhum.

E se António Samaras caiu por ter aplicado à letra, como Passos Coelho em Portugal, o programa que lhe foi imposto , sem tentar de o suavizar pela negociação, resta a saber como fará o novo eventual governo liderado pelo Syriza se a "torneira" for fechada! "C'est la chute finale !" com a música da "Internacional" ... Em Atenas e em Bruxelas ?

patricio branco disse...

quem vota são os gregos, isso mesmo, por mim até tenho curiosidade em ver o que se passa se o partido ganha, se aplica algumas das medidas que tem no seu programa, se não aplica, o que sucede internamente, externamente.
quem sabe se terão de ser repetidas eleições?
pois se o syrisa ganha vamos ver como vai ser...

domingos disse...

Talvez algo ingenuamente, não vejo problema de maior numa vitória do Syriza. Se eles ganharem, irão dizer exatamente o que querem e até onde podem ir. A Europa idem, pois é livre de aceitar ou não os resultados dessa negociação e é tudo. Resumindo: o "trabalho de casa" vai ter que ser feito pela Grécia; o resto da UE não tem que dramatizar pois há sempre resposta para qualquer situação. Ou estarei a ser demasiado otimista?

Anónimo disse...

"sem tentar de o suavizar pela negociação"

como sabe? foi informado particularmente dessa anormalidade? é que não se vê qualquer espécie de lógica em desistir de puxar pelo que se julga melhor.
E em relação ao bom aluno: não será mais rigoroso dizer: cumpridor do que foi acordado ; e ser cumpridor não é melhor que ser relapso?

João Vieira

adelinoferreira disse...

Numa greve por aumentos salariais numa empresa, há os trabalhadores que fazem greve e os que não fazem. No caso da greve sortir efeito os trabalhadores não grevistas usufruem também dos aumentos conseguidos.No caso da greve não atingir o pretendido, os não grevistas ficam bem vistos pela entidade patronal. É esta a posição de Portugal com as eleições na Grécia.Se ganhar o Syrisa e conseguir alterar as condições de austeridade a que está sujeita a Grécia, o governo português vai dizer que também quer.Caso nada disto se concretize a patroa Merkel fica agradada com a posição de Portugal.

Joaquim de Freitas disse...

"como sabe? foi informado particularmente dessa anormalidade? é que não se vê qualquer espécie de lógica em desistir de puxar pelo que se julga melhor." escreve o Senhor João Vieira!

Tem razão, Senhor João Vieira: Não existe qualquer espécie de lógica em desistir pelo que se julga melhor. Por isso mesmo é que teria sido lógico que o governo Português, perante as dificuldades imensas impostas aos Portugueses, tivesse procurado "suavizar" estas dificuldades negociando com os credores.

Porque, quando o primeiro ministro desfila em Paris pela defesa da liberdade e dos direitos humanos, pode-se pôr a questão de saber se , quando as obrigações contraídas pelo Estado junto dos seus credores financeiros colidem com outras obrigações contraídas pelo mesmo Estado como os respeitantes aos Direitos Humanos, não deviam ser prioritários sobre o serviço da dívida.

Como o aumento desmesurado do desemprego, ou a redução dos salários, dos apoios sociais e aumento da pobreza, as reformas fiscais regressivas, degradação dos sistemas de pensões e da protecção face ao desemprego, os despejos das habitações e o aumento consequente do número de pessoas sem abrigo, o direito à alimentação: limitações de acesso a subsídios, os aumentos do IVA, o direito à educação: cortes nos subsídios e bolsas, degradação profissional dos professores, redução da cobertura territorial, dimensão das turmas, degradação do apoio a grupos particulares, o acesso à saúde: taxas moderadoras transformadas em copagamento, degradação das condições de acesso e qualidade dos cuidados (os doentes que morrem à porta das urgências), etc., etc.

A austeridade que o Senhor parece querer justificar, lançou a Europa numa espiral de pobreza e ameaça destruir a sociedade socialmente e moralmente.
Como escreveu um Prémio Nobel de Economia, "“Se os factos não se encaixam na teoria, modifique a teoria”, diz o velho ditado. Mas, muitas vezes, é mais fácil manter a teoria e modificar os factos – ou pelo menos é o que a chanceler alemã Angela Merkel e os outros líderes europeus pró-austeridade parecem acreditar.

Anónimo disse...

1º - As sondagens (sobre o Podemos) não são preocupantes, pelo contrário. Oxalá a Direita espanhola (ligada à banca) seja humilhada. E haja mudanças, substanciais, no quadro político interno, no país vizinho. Com o PS deles também em queda.
2º - O Post, sobretudo no que respeita a Portugal e a este incompetente e aviltante governo de extrema-direita faz uma análise correcta. Só não gosta quem vota PSD/CDS, que vão malhar com os ossos na oposição daqui a 9meses.
Diogo A.

Anónimo disse...

Mantenho a pergunta agora a Joaquim de Freitas: como sabe que o governo não fez o possível para suavizar o acordo negociado com a Troika pelo PS? Acha que Portugal tem a força da França? e a França está melhor? E a Alemanha é fácil de engolir e de fazer mudar de opinião?
João Vieira

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