terça-feira, abril 27, 2010

Portugal e a crise

Os ataques especulativos que a economia portuguesa está a sofrer são a consequência cumulativa de vários fatores, alguns suscetíveis de controlo por parte do Estado português, outros dependentes de variáveis que não relevam essencialmente de Portugal.

No que toca aos primeiros, o parlamento português aprovou um programa, proposto pelo governo, composto por um conjunto de medidas de contenção e rigor que, a prazo, pretendem atenuar os desequilíbrios recentes das nossas contas públicas, em especial a redução progressiva do nosso défice orçamental e a dívida pública acumulada. Embora por vezes argumentando que outras escolhas ou modelos mais rigorosos nas escolhas feitas poderiam ter sido encaradas, a maioria das forças políticas portuguesas manifestou a sua concordância com o sentido global da ação empreendida pelo Governo. A Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, tal como a OCDE, fizeram uma leitura positiva sobre as opções tomadas por Portugal, não deixando, contudo, de ponderar a possibilidade de novas ações poderem ter de ser postas em prática, se o programa agora apresentado vir a revelar-se insuficiente.

Para além desse quadro que é suscetível de gestão interna, a verdade é que a economia portuguesa, como uma economia aberta que é, sofre da circunstância de muitos daqueles que são os mercados para onde exporta a sua produção estarem, eles próprios, a atravessar uma situação de crise, com uma retração na procura que, naturalmente, tem vindo a afetar seriamente Portugal como país fornecedor. O caso da Espanha é talvez o mais flagrante, mas outros mercados europeus tradicionais continuam a não dar sinais de retoma com impacto suficiente na absorção da nossa produção. Dado que o mercado interno português tem, em si mesmo, uma escassa dimensão, não será por seu intermédio que será viável estimular a atividade económica nacional. O recurso a novos terceiros mercados revela-se uma opção difícil em tempo de retração económica global, embora algumas economias emergentes, como é o caso de Angola, estejam a reagir de forma muito positiva face à produção portuguesa.

Como sempre acontece em momentos de crise, a ação especulativa tende a estender-se pelas economias mais débeis do sistema. A "proteção" que a pertença ao euro teoricamente representava para os países da "eurolândia" acaba por ser esbatida pela circunstância da economia mais forte do espaço da moeda única estar a demonstrar uma escassa solidariedade com os parceiros mais frágeis. A Alemanha, que - convém que se diga - é a grande beneficiária da abertura do grande mercado europeu, parece demonstrar que não está disposta ao gesto, político e económico, de prestar garantias claras e inequívocas a esses parceiros - não obstante as fortes medidas de rigor que eles colocam em prática, com imensos custos sociais e políticos, sob a observação rigorosa das entidades internacionais.

Neste quadro de dúvidas criadas sobre a solidariedade dentro do espaço da moeda única, as agências de "rating" repercutem tal perpexidade, pelo que fazem um "upgrading" dos níveis de risco para os "produtos" financeiros ligados a esses países. A perversidade desse mecanismo está no facto de. ao tomarem tal ação, essas agências agravarem ainda mais a situação dos países, pela circunstância dessa sua opinião conduzir os mercados a cobrarem mais pelos empréstimos aos Estados cuja situação já era complexa. 

O que não deixa de ser curioso é que os índices macroeconómicos portugueses, se bem que agravados nos últimos tempos, continuam a não estar muito distantes dos de um país, por exemplo, como a França. De forma incompreensível, está-se a verificar nos últimos dias que, ao contrário de uma desejável sofisticação analítica por parte de tais agências, a sua "notação" acaba por não conduzir a uma diferenciação entre os países em crise, com um detalhe natural da diversidade das respetivas situações estruturais,  bem como uma consideração do histórico das medidas de correção já implementadas por cada um - no caso de Portugal, não considerando reformas drásticas como as levadas a cabo na segurança social, reduções substanciais efetuadas nos gastos públicos e um impecável cumprimento de todas as obrigações perante credores internacionais. Essas agências assumem, assim, um lamentável impressionismo de avaliação que, deliberada ou casualmente, as coloca como os melhores cúmplices dos especuladores internacionais.

14 comentários:

Anónimo disse...

A propósito...

Estava a pensar, que ás vezes a pobreza envergonhada se manifesta por ostentação...Também sei que pode ser explicado à luz da psicologia, não é isso que está em causa, mas do ponto de vista da economia...

Por exemplo em boa verdade não podem ser reduzidas despesas públicas também?! ilibando os séquito presidenciais de serem séquito... então representar é preciso ir toda a gente?

Pois preciso de ajuda, como se faz economia?

Em larga escala, porque em saúde já aprendi, e não gostei... Despersonaliza... É a vida.

A bem da minha nação, pequena e que eu posso gerir sem ter o direito de me queixar...
Decidi manter os sonhos, até mesmo o de fazer um cruzeiro nos vinte cinco anos de casada, já decidimos fazê-lo cá em chaves, num misto de dois em um vá para fora cá dentro, tenho um alpendre e haja saúde.

Que exemplo ridículo para o governo
Tenho cada uma...
Isabel Seixas

Julia Macias-Valet disse...

O Le Figaro Economie de hoje através do artigo "Loin d'être rassurés, les marchés s'attaquent au Portugal" da-nos conta da situaçao vuneravel que Portugal esta a viver. E isto mesmo se o nosso Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luis Amado) "poe agua na fervura" afirmando que nao nos encontramos numa situaçao tao critica quanto a Grécia.

Anónimo disse...

Um artigo do jornal "le Figaro"... "Portugal faz o CAC 40 cair 4%"
http://www.lefigaro.fr/bourse/2010/04/27/04013-20100427ARTFIG00288-indecision-attendue-a-la-bourse-de-paris-.php

Guilherme Sanches disse...

Maldita crise, bendita crise.
Maldita crise que nos atola no charco da macroeconomia universal e nos obriga a perversas subserviências.
Bendita crise que... basta ver os lucros descomunais dos macro-grupos que também eles atolam as nossas economias domésticas sem nos dar oportunidade sequer de escolhermos a ficha onde ligamos a máquina de café da manhã.
Por volta de 74, corria em Espanha um slogan impresso em grandes outdoors que me marcou:

"MESMO QUE VOCÊ POSSA, O PAÍS NÃO PODE"

Nós podemos sempre, se não é a pronto é a crédito, e se não é amanhã, por que não já hoje, se há sempre quem vai ganhar com aquilo que nem precisamos e que por um momento chegámos a pensar que não podíamos...

E o País, que unidade de medida é essa, que tem de decretar os valores que nos deviam sair da alma?

É tão bom viver em Tebosa...

Anónimo disse...

Naturalmente que toda a gente está de acordo em que as agências são uma vergonha com uma lata danada, que não se coíbem de dar notas que agravam as situações, mesmo depois de serem responsáveis, em grande medida, do desastre financeiro; Também toda a gente está de acordo em que a Alemanha não se está a portar bem, com a desculpa de as eleições estarem próximo, desculpa esta que permite, universalmente, toda a espécie de "mentiras" e "patifarias" porque, dizem, em democracia não se ganham eleições prometendo o inferno e quem o fizer não é "honesto", é estúpido (com a excepção dos excepcionais como Churchill). Mas destas constatações nada resulta para Portugal, pequeníssimo País, arruinado, com um governo em que recaiem as maiores dúvidas. Daí que talvez a tal notação tenha um objectivo escondido: é preciso, de uma vez, fazer entender àquele pessoal que a hora é grave e que não há espaço para hesitações, alternativas doces e negociadas. Não:- é a doer mesmo. O PEC não chega. É aquilo e o mais que for necessário. Sem mais mas nem meio mas.
João Vieira

causa vossa disse...

Numa altura em que as empresas Portuguesas do PSI 20 e do PSI geral davam sinais de aumento e consolidação de lucros, a bolsa crasha levada pela mão do corte do rating da República de mão DEMASIADO dada no tempo e na diferente história com o da Grécia. Afinal a Standard descobriu agora uma nova foram de influenciar negativamente para além do défice público, sem querer esperar pelo resultado das medidas de correcção das contas públicas: o crescimento!

Fortunas se fazem e desfazem palas mãos das agências de rating, que têm de ser urgentemente apeadas do seu poder quase Soberano, que faz deste capitalismo de século XXI, o pior de todos os capitalismos - o capitalismo da manipulação!

De qualquer modo isto também é grave:
Quando se ouve Herman van Rompuy a dizer que tenciona convocar uma reunião do Eurogrupo lá para 10 de Maio, percebe-se como a Eurolândia ficou a perder com a criação da duplicada figura institucional de presidente do Conselho que acrescenta vagar à urgência. O Presidente da Comissão, esse, eclipsou-se desde que a pouco simpática Ângela resolveu que o interesse da Alemanha se sobrepunha aos restantes países da UE.
Situações de ataque de mercado como as actuais não se compadecem com demoras ou tergiversações, calendários eleitorais mesquinhos ou outros tacticismos obscuros.
O Portugal soberano pode estar sob suspeita e ataque de especuladores, mas que ninguém duvide que o Portugal unido tem hoje mais condições para se defender do mexer dos cordelinhos à distância, assim queiram os Portugueses pôr ordem na casa e unirem-se à volta da marca Portugal!

Anónimo disse...

Um Post muito oportuno, tendo em conta a histeria, negativismo e informação menos isenta, quer nos “media”, quer em Blogues, se tem dito sobre esta questão. Tive ocasião de dizer noutro Blogue que continuo a acreditar que, com muita determinação e naturalmente muito sacrifício, conseguiremos ultrapassar esta situação, a seu tempo. Já vivemos situações piores na nossa História e cá continuamos. E já fomos um país muito pior, quer política, quer económica, quer social, até culturalmente. Escrito por quem sabe do que fala, atendendo ás responsabilidades que já teve e tem agora, Post destes são sempre muito oportunos, como atrás refiro.
P.Rufino

Fernando Correia de Oliveira disse...

Sr. Embaixador:

A crise financeira endémica e a noção de perca da Revolução Industrial ajudou a derrubar a Monarquia; a crise financeira endémica e a noção de uma economia sem saída ajudou a derrubar a I República; a crise financeira provocada pelo I Choque Petrolífero e pelo esforço orçamental na Guerra Colonial ajudaram à queda da II República; a crise financeira endémica e a noção de um regime político e económico sem saídas levar-nos-ão onde? Já não são os menos preparados que partem, são os mais preparados, jovens, que fogem de um horizonte sem esperança.
Por mais análises que se façam, culpando as agências de rating, só quando se conscencializar a culpa e a vergonha do estado a que chegámos (e não quero sequer atribuir culpas...) é que haverá uma base que ultrapasse o estado de negação.
Claro que, dentro de semanas, temos aí o Mundial. E Portugal até subiu no ranking da UEFA...

Helena Sacadura Cabral disse...

Por acaso único estou de acordo - por uma vez -, com Louçã. Urge criar uma agência de rating supra nacional que não seja corrompível pelos interesses dos especuladores!

Helena Oneto disse...

Senhor Embaixador,

Pedem-me para divulgar neste "espaço de liberdade" a seguinte mensagem :

CONTRA OS ESPECULADORES
MARCHAR… MARCHAR!

Depois da Grécia, os especuladores querem ver os portugueses gregos a pagar a divida a preços exorbitantes.

Emigrantes e Patriotas vamos dizer não, alto e bom som, no sábado 1º de Maio na Place de la République.
Ponto de Encontro – entre as 14h30 e 15h00 na Place de la République em frente à Bolsa do trabalho, no ângulo das ruas du Château d’Eau e Magenta.

Tragam bandeiras, bombos e música!
Obrigada

Helena Sacadura Cabral disse...

Helena O.
Tem toda a razão e se aí estivesse pode crer que estaria na rua nessa manifestação!
Bem haja por nos alertar!

Anónimo disse...

OH! Helena
Como estou consigo...
E... Nem lhe passe pela cabeça que Portugal só toma posição em Lisboa, ou só festeja os sinais de liberdade na capital...
Faltava essa conte comigo...

Mesmo que organizasse uma excursão não podia ir ... Véspera de dia de Mãe... Também Trabalhadoras...
Isabel Seixas

Helena Oneto disse...

Estimadas Helena e Isabel,

Nem imaginam o quanto as vossas palavras encorajadoras me "font chaud au coeur"!

Mille mercis!

Anónimo disse...

Para além do governo que temos que querem levar o país á ruína, temos um povo de ignorantes e que não é unido ninguém luta pelos seus direitos. Andam nos a roubar a torto e a direito e ninguém se manifesta encolhemos todos os ombros e deixamos que um governo nos meta nas ruas porque não arranjamos emprego, porque os impostos aumentam cada vez mais , e consequentemente as dividas das pessoas que mal teem dinheiro para pagar a renda de casa quanto mais os impostos exurbitantes que eles nos mandam pagar, pagamos impostos para termos a saude e educaçao gratis e é o que se ve, não temos nada.. a saúde e a educação continuam a ter que ser pagas , então se pagamos impostos para termos regalias e nao as temos para onde é que vai o dnheiro ? ninguém devia era pagar nada. enfim que infelicidade

Os borregos

Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...