quarta-feira, julho 25, 2018

Teorizar os copos


O Bloco de Esquerda, na sua “universidade” de Verão, defende o “direito à boémia: necessidade de vida noturna para produção e radicalização cultural”. Belo programa! Vamos ser claros sobre aquilo de que se está a falar: copos, música, noitadas, “piquenas” & “piquenos”, talvez com uns charros à mistura. É isso, não é? 

Não tenho a menor objeção! Cada um diverte-se como quer, desde que não atazane a vida aos outros, e só lamento que a minha geração, com a louvável exceção dos Situacionistas, nunca tenha levado a teorização das suas noites muito a sério. Agora, ponho-me a imaginar o que seria uma discussão sobre isto no “Bolero” ...

Ontem, comentava o tema, em tom (confesso!) jocoso, com uns amigos e alguém lembrou: “Boémia? Também o Hitler gostava dela”. Fiquei banzado! Para além da Eva Braun, a vida sexual e lúdica do Führer nunca pareceu ser muito animada. E perguntei: “Mas o Hitler gostava da boémia? Não sabia”. A resposta foi: “Essa agora! Então ele não achava que tinha o direito à Boémia e até à Morávia?”

Portugal de pequenotes


Anda por aí um Portugal de pequenotes, de espíritos mesquinhos, enfim, um certo país de imbecis - para usar uma palavra redonda e de sentido unívoco.

Ver figuras públicas jogarem à política mais rasteira com a tragédia dos fogos na Grécia, com algumas outras a inquirirem de cátedra sobre o custo e a oportunidade da nossa ajuda de emergência ao governo de Atenas, causa-me uma imensa tristeza, como cidadão. 

Um sentimento que é do exato tamanho da deceção, por não ver os líderes políticos que lhes estão próximos, bem como os responsáveis pelos órgãos de comunicação social onde essas palermices foram ditas, pedir, muito simplesmente, desculpa.

terça-feira, julho 24, 2018

“Cinco carates e meio depois...”


Há cerca de um ano, numa noite que recordo menos magnífica do que a de hoje, em temperatura e serenidade, neste país do nordeste da Europa, eu e alguns amigos demo-nos conta de que um dos nossos colegas, um conceituado gestor estrangeiro, parecia ter necessidade de desabafar qualquer coisa. O jantar tinha sido muito simpático mas, quando já grande parte do grupo regressava aos quartos, esse amigo fez questão de anunciar que ia fumar um charuto e beber “qualquer coisa”, convidando quem quisesse a acompanhá-lo. Estou certo que os leitores deste espaço não se admirarão se lhes disser que fui um dos “voluntários” para um “último copo” - eufemismo que, em regra, significa o primeiro de vários copos, os quais, aliás, só não são mais porque, nestas viagens, o dia seguinte é sempre de trabalho intenso e a meia-noite é a “Cinderella time” respeitada.

Esse colega, mais prolixo na conversa pelo fim da noite do que era habitual, explicou-nos então a sua “agitação”: acabara de regular, pelo telefone, os detalhes práticos da sua separação ou divórcio. Teria sido uma coisa complicada mas que, afinal, já não era a primeira, nem sequer a segunda! Assim, dizer que o “consolámos” funciona como um exagero. Mas lá estivemos à conversa com ele, acompanhados de várias cervejas, durante uma boa hora, ouvindo-o mais do que falando. E o assunto morreu, depois desses bons copos. Quase dele nos tínhamos esquecido.

Passou mais de um ano. Há minutos, depois de um dia de trabalho, seguido de um jantar da mesma natureza, regressámos ao hotel. “Would you care for a drink?”, lançou ele a três de nós, travando-nos no caminho para o elevador. E lá fomos para a esplanada do hotel, aproveitando a amenidade conjuntural do clima. Ele fumava outro charuto. Não era preciso ser vidente para presumir uma nova história no ar. E ela, claro, emergiu: o nosso amigo havia-se casado de novo! E a história, contada por ele, foi deliciosa, deixando-nos notas pitorescas do momento em que pediu em casamento a sua nova mulher (“casar várias vezes é magnífico, mas sai muito caro, acreditem!”), numa localização belíssima do Magrebe. Com muita graça, com detalhes de bom contador de histórias, descreveu-nos as cenas do ambiente das “mil-e-uma-noites” da proposta de matrimónio. E terminou com esta pérola: “E foi assim: cinco carates e meio depois, ficou convidada para minha mulher. E aceitou!”

Eu já tinha acabado as minha duas doses de “Belvedere”, um magífico vodka que por aqui se serve. Mas ainda deu para as juntar aos “Justierini & Brooks” (nome por extenso do JB, para quem não saiba) com que os meus amigos brindaram esta nova etapa do nosso parceiro desta noite e dos restantes dias empresariais. No final, cada um de nós regressou ao seu quarto, “dormindo sobre o assunto”, que é uma fórmula que os nossos diplomatas usam quando decidem atrasar o envio de qualquer coisa “a Lisboa”, para pensarem melhor no modo como vão reportar o que julgam saber. No meu caso, que já não tenho esses deveres nem cuidados, escrevinhei o que estão a ler, para agora ir dormir um sono dos justos que não aceito que não acreditem que sempre tenho.

segunda-feira, julho 23, 2018

... in corpore sano!


Via-os passar sob a minha janela, a quase obscenas horas matinais, em passo de corrida, através dos trilhos pedestres, entre arvoredos, de calções ou fatos de treino. Ou então de bicicleta, nas manhãs do sol que ia havendo ou sob nuvens cinzentas, com o frio a cortar a cara. 

Eram os meus primeiros tempos de vida na Noruega e, a espaços, ia sentindo alguma pena (embora nunca inveja) de não ser como eles, de não ter esse espírito desportivo, ativo, de sair correndo pelos campos, lutando para perder peso e ganhar o cansaço saudável que a atividade implica. Depois, com os dias também a correr, essa fugaz tentação passou-me e, refastelado num sofá, fui-me acomodando a ser como sempre fui.

Há minutos, aqui, também numa capital do norte da Europa, ao abrir as cortinas da janela do quarto do meu hotel, lá estava o parque, com elas e eles, saudáveis e vigorosos, sob este estranho calor que nos falta aí em baixo, correndo, correndo, correndo. 

Olhei-os com idêntica admiração, mas já sem qualquer pena (ou será resignação?). E fui à porta do quarto, receber o pequeno almoço, com o New York Times ao lado. O comodismo militante, aprendi, é uma das mais belas doutrinas de vida, deixemo-nos de histórias.

E agora, desculpem lá!, vou trabalhar, porque todos os vícios têm um preço.

domingo, julho 22, 2018

Ártico & outras conversas

Quando vivi, por uns anos, num país nórdico, havia por lá uma graça tradicional entre os estrangeiros: “Passaste cá o Verão?” Resposta: “Não, nesse fim de semana estive fora”. Agora, com temperaturas acima dos 30°, por bastante tempo, em zonas próximas do Círculo Polar Ártico, essa piada já perdeu piada.

Qualquer dia, ainda vamos ver excursões turísticas a avançar para a Sibéria, dando razão para alguma rapaziada nostálgica do PCP desculpar o Stalin e o clima no Goulag. 

Será assim uma coisa parecida ao comentário que, um dia, ouvi a um “facho”, que acumulava com o facto de ser parvo, sobre o Tarrafal: “Diziam que aquilo era mau mas, afinal, agora fizeram lá um empreendimento turístico, o que prova que o clima era saudável e que não havia fundamento nas queixas de quem era mandado para o Tarrafal”.

Três Dois



Há para aí um movimento de “recuperação” afetiva da Estrada Nacional número Dois, de Chaves a Faro, passando por Vila Real, fator ímpar de dignificação dessa rodovia que, infelizmente, tenho visto pouco destacado. Acho justíssimo! É uma estrada com troços belíssimos, que a mim me traz memórias de imensas viagens - e de grandes comezainas associadas, nesse mapa de Portugal de restaurantes que foi muito afetado pelas autoestradas.

Mas há mais Dois para além da estrada. Falar de Dois, lembremo-nos, é também falar da RTP Dois, esse excelente canal dirigido pela Teresa Paixão, onde passa grande parte do melhor que se exibe nas televisões portuguesas. Os portugueses muito ganhariam em estar mais atentos à magnífica programação da RTP2, onde, a cada dia, aprendo o mundo e sempre ganho as horas que por lá perco.

Mas só há estas Dois? A Dois, caros amigos, é também a mesa mais prestigiada, mais histórica (e só não digo mais “icónica” porque esta palavra, com “viral” e “alavancar”, faz parte da lista dos meus vocábulos de desestimação) do celebrado Bar Procópio, perto do jardim das Amoreiras. Pela Dois, reino do inolvidável Nuno Brederode, por bem mais de quatro décadas, passou todo o mundo, a vida política, o humor, as milhentas histórias, algumas “piquenas” de revirar olhos e atiçar memórias e, claro, muitos copos e algumas (escassas) vitualhas, tudo chegado àquela imensa e pequena mesa pelas mãos do grande Juvenal e, agora, desde há muito, do magnífico Luís, sempre sob a tutela da “sedona” Alice Pinto Coelho, que, por estes tempos, me chega que me acusa de falta de assiduidade. E tem toda a razão! 

É isto: há, pelo menos, três Dois, o que, soando a resultado de futebol, é muito mais do que isso.

Espanha - a direita vira à direita


O PP espanhol deu uma forte guinada à direita com a escolha de Pablo Casado como sucessor de Mariano Rajoy. Os “populares” foram sempre um partido bastante conservador, onde alguma herança de raiz franquista se sentiu frequentemente confortável. Aznar cultivou bastante esse discurso, mas Rajoy, não obstante ter feito uma gestão que soou a dura na questão catalã, ter-se-á assustado com a subida do Cuidadanos e descuidou a questão da identidade ideológica do PP. Em especial, alienou-se dos setores mais católicos, ao que se diz. O modo como foi afastado de Moncloa acabou por ser quase humilhante e isso foi mortal para as ambições da sua putativa sucessora. Os votantes populares não quiseram mais do mesmo e, com o recuo do galego Feijóo, deram espaço a Casado, como representante de uma nova geração e titular de um discurso diferente e motivador. Vale a pena, aliás, notar a renovação etária profunda que está a varrer as lideranças partidárias espanholas, ao contrário deste lado da península.

Com a escolha de Casado para titular a direita, numa nova linha influenciada por algum extremismo liberal e pelo grupo hiper-conservador Hazte oír, este focado na temática da família e da vida, o PP pode vir a procurar voltar a cavalgar, para além de um discurso ideológico muito mais conservador, o sentimento nacionalista, de raiz centralista e muito castelhana, que esteve muito presente na forte reação ao desafio catalão. As dúbias atitudes de Pedro Sánchez face a algum separatismo (que, lembremos, o terão ajudado a chegar a Moncloa) vão, com toda a certeza, estar na primeira linha da contestação de Casado ao governo socialista. E a Catalunha pode regressar rapidamente à boca da cena do debate político em Madrid. Interessante também vai ser observar se o radicalismo conservador deste novo PP se vai ou não alargar a um discurso populista, anti-imigrantes e refugiados, a que Espanha tem escapado nos últimos anos. (Pir cá, também, embora, no CDS, pela voz de Nuno Melo, tenha agora emergido essa perigosa deriva, na tentação de explorar um nicho de medos).

Resta saber se Albert Rivera, lider do Ciudadanos, cujo prazo de “novidade” política se está visivelmente a esgotar, a exemplo de Arrimadas em Barcelona, mas a quem as sondagens continuam a confortar, conseguirá vir a aproveitar esta radicalização do PP. É que se a isso somarmos a aparente evolução do PSOE que, no governo, surge com uma agenda vista por muitos como visivelmente colada à esquerda, aparentemente para tentar travar um Podemos que atravessou uma debilitante crise interna recente, Rivera pode ter agora melhores condições para “federar” a direita mais moderada (historicamente, em Espanha, o eleitorado que vota PP esteve sempre menos à direita que o próprio partido) e um centro que pode estar a ficar chocado com o que vê ocorrer à sua esquerda, isto é, no governo.

A vida política espanhola promete...

sábado, julho 21, 2018

Figo


Se se vier a confirmar que Luis Figo está disponível para ser presidente do (meu) Sporting, consideraria isso uma magnífica notícia.

Figo tem um reconhecimento e um prestígio internacional só superado pelo de Ronaldo, pelo que daria ao clube uma extraordinária projeção e acabaria por ser um formidável engulho para todos os adversários do clube. 

(A prova disso, como irão ver nas próximas horas, serão as acusações soezes e os insultos raivosos de que Figo será, com toda a certeza, objeto, e que, afinal, mais não serão do que “medalhas” qualificadoras do seu estatuto de candidato quase ímpar).

Os candidatos já anunciados que viessem a desistir em favor da candidatura de Figo dariam uma extraordinária mostra do seu sportinguismo.

Novo Banco, velhos vícios


Anuncia-se que o Novo Banco vai utilizar para nova sede o antigo espaço militar existente junto da rua da Artilharia 1, em Lisboa, talvez o mais cobiçado lugar imobiliário da capital.

Não conheço os contornos do negócio. Mas, até que alguém me explique isto tim-tim-por-tim-tim, eu, como contribuinte, sinto-me mais do que escandalizado pelo facto de uma instituição que, depois de todas as moscambilhas do BES (em que ninguém foi preso!), foi financiada com dinheiros públicos (alguns dirão, do Fundo de Resolução, e a esses eu respondo: está bem, abelha!), e onde parece que ainda vai ser preciso meter mais dinheiro, estar a mostrar esta largueza de meios.

E gostava muito de ouvir o que o governo tem a dizer sobre isto, até porque já não vivemos no tempo do Dr. Passos Coelho, a quem, num Verão que nunca mais esquecerei, ouvi afirmar friamente que o BES era uma coisa “privada”, em que o Estado se não metia. Era privada, era! Por isso é que lá meteu o Banco de Portugal, que é de todos nós, com uma administração de amigos nomeada e apoiada por ele, que gizou esta “bela” solução, que se tornou num sorvedouro constante e, pelos vistos, ilimitado dos nossos impostos. Situação que o atual governo apenas herdou, sublinhe-se.

Sou dos que percebem, sem a menor dificuldade, que há que ter um sistema bancário sólido e que a vida do país disso depende, pelo que o Estado tem de intervir. Mas não percebo por que não há-de haver uma visível contenção de gastos e uma clara parcimónia no comportamento da banca na sua atuação no mercado. Principalmente no mercado imobiliário...

É que se a venda da sede na avenida da Liberdade é um bom negócio, então igualmente o seria a alienação do espaço na Artilharia 1. Como quem não tem dinheiro não tem vícios, o NB poderia alienar esses ativos ir calmamente para uma periferia lisboeta, bem mais barata, e começar a pagar o que deve aos contribuintes, que não é pouco.

Mas pode ser que apareça alguém a explicar-nos tudo isto...

(TEXTO REFORMULADO)

Vergonha


Sobre o facto de, passado que já foi um ano, não ter sido esclarecido o caso de Tancos, com os respetivos responsáveis (os incompetentes guardas do material e os ousados gatunos) devidamente punidos, confesso, com toda a sinceridade, que não tenho a menor opinião sobre se a culpa é da tropa, da PJM, da PJ, do governo ou do Ministério Público.

Uma coisa tenho por certa: trata-se de um escândalo, de uma vergonha nacional que nos transforma numa “república de bananas”. Digo-o medindo bem todas as palavras, razão pela qual percebo muito bem a reação do presidente da República

À atenção de S. Pedro


Dizem-me que está a criar-se por aí um movimento de opinião e de massas no sentido de exigir a demissão de S. Pedro, atenta a sua reconhecida medíocre prestação, em matéria climática, em todo este ano.

Não sou tão radical, mas apenas por ora. Deixo assim um aviso: se, no dia 27, data em que inaugurarei a minha época de praia, tudo continuar na mesma, contem comigo para me juntar aos protestos. Quem não tem competência dá lugar a outro e não devem faltar por lá santos sem ocupação.

Há limites para a nossa paciência!

sexta-feira, julho 20, 2018

O Zé Bouza




Há dias, três embaixadores conversavam. Era uma cerimónia de entrega de uma condecoração. Comentei, a propósito, que, na minha vida diplomática, tive recorrentes dúvidas sobre as regras a seguir no tocante ao “lugar” e à ordem de colocação no peito dessas insígnias, quando as regras protocolares me obrigavam a usá-las. 

Sei que esta liturgia pode parecer ridícula para quem não é do “métier”, mas a verdade é que, se se vissem forçados profissionalmente a usar smoking, fraque ou casaca, logo perceberiam o embaraço. Qual a “hierarquia” das “placas” (aqueles chapões metálicos que cosemos à casaca)? As fitas das grã-cruzes ficam por fora ou por dentro, quando estão presentes chefes de Estado? E coisas assim...

Revelei então que, em algumas dessas ocasiões, já enfarpelado para as cerimónias, em lugar de recorrer “ao Helder” ou “ao Calvet” (autores de dois manuais diplomáticos que consagram esse bom-senso educado e consuetudinário que são as regras do protocolo), eu sempre telefonava ao Zé Bouza. Houve logo um coro: os dois outros colegas faziam exatamente o mesmo que eu!

Para quem não sabe, o Zé Bouza é o embaixador Jose Bouza Serrano, um colega diplomata que “sabe tudo” sobre protocolo. Além de ter chefiado o Serviço do Protocolo do Estado, o Zé escreveu uma “bíblia” sobre o assunto, num estilo pessoal que retirou muito do caráter académico da matéria, recheando o texto de pormenores da sua própria vida.

O José Bouza Serrano é um monárquico que serviu, com lealdade, competência e pundonor, esta República que lhe saiu em rifa histórica, desde um dia de outubro de 1910. Não sei se ele ainda acredita na “restauração” da coroa, mas tem um prazer imenso, nomeadamente nas redes sociais, em destacar as figuras que o Almanaque de Gotha, esse guia Michelin da aristocracia, regularmente recolhe, para memória dos fiéis, as “linhagens”, os nascimentos e os matrimónios, quiçá as separações e outros movimentos de sobressalto familiar, tal como as saídas eternas da cena da vida. Eu, republicano empedernido, jacobino e (para ele) cúmplice objetivo dos “mata-frades”, brinco sempre muito com estas coreografias do jet-set principesco e ofícios correlativos. Mas ele nunca leva a mal.

Esse meu colega deu-me, um dia, uma prova definitiva de grande caráter. Ele estava, na altura, colocado num determinado posto. Sabia-se, mas não pela sua boca, que a relação que tinha com o respetivo embaixador não era das melhores - e, conhecendo o bom feitio do Zé, a razão dos dissídios devia ser seguramente posta a débito do seu ocasional chefe. Em Lisboa, por alturas do Natal e Ano Novo, os colegas costumam reunir-se, mas o Zé, nesse ano, fez-se discreto. Nenhum jantar contou com ele, fez gazeta aos copos do fim de tarde. Tempos depois, perguntei-lhe porquê. A resposta foi um exemplo conjugado de profissionalismo e de educação, em suma, da gentileza de um grande senhor: “Não apareci porque tinha a certeza de que me iam fazer perguntas sobre o ambiente no posto. E como não queria dizer mal do meu embaixador, mas também não tinha vontade de mentir, achei que era melhor abster-me de ter essas conversas”.

Nas Necessidades, nos dias de hoje, o Zé continua a trabalhar para uma carreira a que sempre deu muito de si, às vezes com momentos em que, literalmente, “fez das tripas coração”, em tempos complexos que já lá vão. Mas onde, com todo o merecimento, também se soube divertir bastante, como é da lógica dos que sabem viver bem a vida. É uma jóia de pessoa, com um sorriso permanente, uma gargalhada fácil e sã, em especial quando ambos partilhamos alguns episódios caricatos de que fomos testemunhas bem humoradas.

Por que é que falo dele aqui hoje? Ora essa! Porque é o dia do seu aniversário. Um forte a muito amigo abraço de parabéns, querido Zé!

O papel de D. Zulmira



As minhas primeiras aquisições, na Vila Real da minha infância, foram as revistas, no Albertino dos jornais, vizinho de rua. Todas as semanas, ali ansiava pela chegada do “Cavaleiro Andante” e do “Mundo de Aventuras”. 

Ao longo da vida, as lojas de jornais, tal como as livrarias, exerceram sobre mim uma atração única. Sempre me conheci como um consumidor compulsivo de coisas em papel. Compro imensamente mais do que aquilo que consigo ler, atulho-me (o verbo é forte, mas verdadeiro) de publicações que me seguem, atrasadas na leitura, em sacos de plástico, nas viagens, sobrevivendo, por semanas, até ao dia em que discretos “autos-de-fé” familiares fazem desaparecer essas pilhas de papelada, as quais, como sou avisado quando protesto, já estariam “a criar bicho”. (Há tempos, encontrei uma pasta com recortes “para ler”: tinha artigos do “Diário de Lisboa” e do “Jornal do Fundão”, do início dos anos 70...)

Vem isto a propósito da D. Zulmira, que gere uma loja perto de minha casa e que acaba de nos anunciar que, no final deste mês, vai fechar o seu negócio: venda de jornais e revistas. Ora o papel, por muito que o não queiramos aceitar, está pela hora da morte. Eu próprio, viciado nas folhas e no cheiro da impressão, ando cada vez mais pelo “online”. Embora reconheça que uma das coisas boas e simples da vida é estacionar, com um jornal e uma bica, numa esplanada de Verão, a verdade é que até este excelente JN é por mim quase sempre lido, pela manhã, no écran do iPad em que agora dedilho este artigo.

Parte do admirável mundo velho do papel, que era o mundo da D. Zulmira, está a acabar. O bairro está cada vez mais cheio de velhos, não se vê um jovem com um jornal ou uma revista na mão e os novos vizinhos, que agora nos enchem os passeios de “bonjour” e “au revoir”, não devem ser grandes clientes. Vou sentir a falta de uma leitora dos meus artigos, porque, como acontece com alguns livreiros, a D. Zulmira era muito atenta ao que vendia. Sem surpresas, a nossa última conversa foi sobre o Trump.

As coisas são mesmo assim e a D. Zulmira - cujo nome, como um dia lhe ensinei, significa sublime e brilhante – também vai ter de se adaptar. E como não vale a pena chorar sobre o leite derramado, talvez valha então a pena, afinal, aproveitar para celebrar esta nova fase da sua vida com um bom vinho. Um destes dias, prometo! vou-lhe oferecer um magnífico verde branco, cruzamento de arinto e loureiro, que acabo de conhecer. A senhora vai gostar. O vinho chama-se Zulmira!

quinta-feira, julho 19, 2018

A SONAE e as empresas familiares

O grupo Sonae anunciou mudanças importantes na sua liderança. Uma filha do fundador, que há pouco desapareceu, vai agora assumir a chefia executiva. Isso acontece, curiosamente, poucos meses de depois de um outro grupo nortenho com forte presença familiar, o grupo Amorim, ter consagrado o papel proeminente da filha do seu também falecido fundador. 

Por razões de envolvimento profissional direto, tenho vindo a atentar de perto, nos últimos anos, para a especificidade das empresas de base familiar. À primeira vista, as questões que se colocam a esses grupos não serão muito diferentes das de outras grandes empresas - e também conheço alguma coisa dessa outra realidade. Mas, de facto, não é assim. Há um conjunto de dimensões muito particulares que são próprias das entidades de base familiar, em matéria de desafios de gestão, o que, aliás, justifica, desde há muito, a existência, em algumas universidades internacionais, de modelos de estudo dessa complexa realidade, que também já deu origem a variada literatura especializada. Precisamente porque cada caso é um caso, os grupos familiares somam às questões tradicionais de “governance” e de gestão a necessidade de refletir a especificidade da composição familiar nesse mesmo processo. E é muito evidente que o sucesso dos grupos depende bastante da sabedoria de muitas das decisões tomadas no quadro dos equilíbrios da família detentora do capital.

Algumas das atuais grandes empresas portuguesas têm uma base familiar. Há dias, li uma biografia de José Manuel de Melo através da qual é traçado o retrato de um grupo de base familiar que, como alguns outros, atravessou complexos tempos da nossa história contemporânea. Outros surgiram, em décadas mais recentes, e constituem hoje uma parte muito importante do tecido económico nacional, que o mesmo é dizer do emprego e da criação da riqueza.

Ao iniciar a escrita deste post, aqui nas redes sociais, dei comigo a pensar que este seria talvez o lugar mais inadequado para deixar uma nota serena sobre a realidade específica que procurei destacar. Ao mesmo tempo, achei que seria um bom teste: veremos como se comporta alguma pulsão para o radicalismo e para a demagogia, para a expressão da inveja e para o insulto fácil, para a personalização diabolizada, que a simples menção dos grandes grupos económicos, e das personalidades que os titulam, regularmente convocam.

CPLP em tempo de esperança



Ao longo dos anos, tenho vindo a alimentar um forte ceticismo sobre a eficácia do funcionamento da CPLP. Não obstante reconhecer que, em alguns setores específicos, a organização deu já alguns passos importantes traduzidos na criação de modelos de cooperação entre os seus Estados membros, devo dizer que não tenho encontrado motivos para ser muito otimista quanto à capacidade da CPLP conseguir dar um salto em frente, em especial para se projetar internacionalmente como um valor acrescentado significativo às diplomacias nacionais que a integram. Há meses, na Sociedade de Geografia de Lisboa, numa palestra que fui convidado a fazer sobre o tema, deixei um conjunto de razões que, a meu ver, continuam a entravar o desenvolvimento da CPLP, mais de duas décadas decorridas sobre a sua criação.

Por essa razão, foi-me muito grato constatar que a recente cimeira da CPLP em Cabo Verde pareceu ter dado um impulso muito interessante à organização. A forte e rara presença política nos trabalhos, a assunção da presidência rotativa por parte de uma Angola num novo tempo (com a saudável retirada da candidatura da Guiné-Equatorial, um país cujo regime continua a envergonhar a organização) e a assunção de funções do novo secretário-executivo trazem uma justificada esperança.

Francisco Ribeiro Teles (na foto), o novo secretário-executivo, nesta que é a primeira vez que Portugal ocupa esse posto, é um dos melhores diplomatas das Necessidades, tendo a riquíssima e única experiência de ter sido, sucessivamente, embaixador em Cabo Verde, em Angola e no Brasil - três postos que desempenhou com grande eficácia e brilho. É o homem certo no lugar certo e o nosso país não podia ter encontrado alguém com maior qualificação diplomática para tentar dar um novo impulso à CPLP. Assim possa contar com os meios necessários e com a disponibilidade dos Estados em cujo pleno empenhamento reside a chave para o êxito do seu trabalho.

quarta-feira, julho 18, 2018

Sporting, de novo...

Acabou o Mundial. O Ronaldo já está na Juventus. Não há muitas novidades do Jesus das Arábias. A pré-época parecia estiolar. E pronto ! Aí está de novo a novela Sporting. O ex-presidente quer voltar. O presidente da AG não o deixa candidatar-se. Não liguei a televisão, mas imagino que vamos ter “sumo” para várias noites de comentadores. Isto é tudo um pouco triste, não acham?

Aos juristas meus amigos...


... deixo uma fotografia do causídico - e seu ilustre colega - selecionado para seu defensor por alguns cavalheiros dos “Hell Angels”, um grupo de pacíficos cultores do motociclismo, a quem uma justiça precipitada ousou atribuir implausíveis motivações delituosas, as quais, estou mais do que certo, figuras como a que a imagem documenta, dotadas de um arsenal argumentativo feito de uma elegância jurídica que pede meças aos “barras” da barra, irão desconstruir e rebater, com o poder da palavra, ajudada pelo perfil de fino recorte de advogado - uma imagem que devia fazer parte das capas dos manuais da profissão ou, no mínimo, dos cartazes de publicidade da universidade que o formou.

Manoel Caetano


Só hoje dei conta de que morreu Manoel Caetano, o antigo locutor da RTP.

Desde há uns anos, Manoel Caetano, que nunca conheci pessoalmente, era meu "amigo" aqui no Facebook. Trocámos mesmo algumas mensagens, comentando a atualidade. Manoel (com "o") Caetano era meio irmão de Marcelo Caetano e creio que isso não deixou de ter (más) consequências no seu futuro na (então única) televisão, após a Revolução.

Recordo muito bem a sua voz timbrada, soletrando as palavras com ênfase e uma certa pompa, ao jeito de um estilo de locução desse tempo.

Manoel Caetano fazia parte de um Portugal que já se foi. Um dia, aqueles que hoje são populares nas nossas televisões terão o mesmo destino de Manoel Caetano e, em algum lugar, alguém notará então que o respetivo estilo passou a estar datado e completamente "démodé". É a vida...

Deixo aqui uma sincera nota de simpatia para Manoel Caetano, uma figura que faz parte do meu passado, quando telespetador tinha um "c".*


(*os detratores do Acordo Ortográfico não têm nada que agradecer-me o pretexto que aqui lhes dou para se afastarem do tema deste post, como é do seu endémico tropismo para a polémica)

"Bandido" de ideias...


Li há dias que alguns presos de delito comum brasileiros qualificavam como “bandidos de ideias” os presos políticos com que, por vezes, coexistiam em certas cadeias, nos tempos da ditadura militar. Lembrei-me desta, afinal bela, expressão ao ler “As Cartas de Prisão de Nelson Mandela”, que agora a Porto Editora decidiu publicar. Eram as ideias, e a luta pela liberdade em afirmá-las e pelo direito de as levar democraticamente à prática, que o “apartheid” sul-africano lhe negava.

Ao longo dos anos, aprendi bastante sobre Mandela, desde a sua biografia até ao muito que sobre ele se escreveu, desde os anos de prisioneiro do “apartheid” até à sua dimensão como estadista. As 751 páginas destas suas cartas, se não me trouxeram grandes surpresas, ajudaram-me contudo a recortar, de um modo muito mais fino, o perfil psicológico de um homem muito raro, simples e complexo ao mesmo tempo.

É muito difícil, para quem lê a epistolografia de que foi autor durante os seus 28 anos consecutivos de prisão, desligarmo-nos do que Mandela acabaria por ser já em liberdade, do seu generoso papel na reconciliação nacional sul-africana, da sua conduta como líder democrático de um país que conseguiu resgatar de um dos mais abjetos regimes à face da terra.

Mas esse esforço de distanciação tem de ser feito: estas cartas, salvo talvez as últimas, já marcadas por uma libertação no horizonte plausível, representam mais de duas décadas de vida de uma figura condenada à prisão perpétua, a quem só a esperança podia servir de arma de resistência perante a opressão, quase limite, a que estava sujeita. É assim forçoso que nos coloquemos na perspetiva de quem viveu o ambiente concentracionário de Robben Island e de Pollsmoor, sujeito a constantes provocações, isolado da família e dos amigos, tendo apenas alguns companheiros de luta e infortúnio a seu lado.

É esse Mandela que está nestas cartas e é sobre alguns traços notáveis que delas ressaltam que gostaria de deixar algumas impressõDesde logo, o “recorte” que ele faz da sua própria situação, como prisioneiro político, perante um poder que considera e sempre afirma como ilegítimo. Ele assume naqueles textos uma permanente e nunca vacilante atitude de firmeza, de respeito por si próprio como ser humano e dirigente político, agindo sempre sem esquecer que estava ali como representante da dignidade de um povo que lhe não perdoaria a fragilização ou um qualquer compromisso perante o essencial. Jurista, tributário de uma cultura onde há muito da tradição legal britânica, Mandela mantém um registo frio no relacionamento com as autoridades que o privam da liberdade e que regularmente o procuram humilhar, exigindo-lhes em permanência o cumprimento dos direitos que a ditadura do “apartheid” não podia deixar de apresentar como face formal da sua ordem constitucional. E é muito interessante observar que essa reivindicação se torna ainda mais determinada e rigorosa à medida que se pressente que a consistência do regime, sob pressão de sanções e do crescente coro internacional de críticas, o ia forçando a conceder aberturas e a procurar estender “pontes”. É nesse tempo que Mandela se revela como uma grande personalidade política, não mostrando “pressa” em ser libertado, usando o embaraço que para o Estado sul-africano significava a sua manutenção na cadeia como hábil um instrumento negocial.

Ainda no plano da política, estas cartas revelam-nos a ideologia nacionalista subjacente à revolta dos sul-africanos negros, inicialmente muito tributária do exemplo da Índia, do papel de Nehru e de Gandhi, mas igualmente da onda de autodeterminação que varria a África. Muito curiosas – e que devem ser contextualizadas nesse tempo pós-Bandung – são as propostas políticas em que Mandela assenta o seu programa básico, uma espécie de socialismo nacionalista, com afastamento do marxismo caricatural, de onde já estão ausentes quaisquer pulsões autoritárias. Essa era também a forma que Mandela encontrava para negar a sua dependência do comunismo, com cujos seguidores não rejeita alianças, mas de cuja direção política se não considera refém. A política, em termos de projeto, era, para Mandela, um modelo de contraponto ao mundo do “apartheid” e isso significava a liberdade e o respeito por todas as ideologias que coubessem num processo democrático. A prática de Mandela viria a revelar-se consentânea com a teoria.

Mandela é profundamente africano. O respeito pela herança cultural dos antepassados, o orgulho pela história do seu povo, a veneração pelos “mais velhos” e a sua reverência às estruturas hierárquicas tradicionais, o seu quase obsessivo tratamento dos rituais em torno da morte, o sentido profundo de comunidade e o sublinhar da importância dos laços de família, estão permanentemente presentes nas suas cartas. Delas transparece um equilíbrio entre a tradição e a modernidade, como se o próprio Mandela considerasse ser uma espécie de fator de ligação entre um passado de luta contra o colonialismo e o presente de então em que era preciso levar à prática uma derradeira luta de libertação contra uma opressão de novo tipo. Porém, Mandela relativiza sempre o seu papel, dilui-se constantemente no grupo e até, a espaços, se autocritica por ter de se ocupar demasiado de si próprio.

Uma última palavra para os sentimentos. Alguém, melhor do que eu, poderá fazer uma exegese mais elaborada sobre a evolução das suas cartas para Winnie, desde tempos apaixonados em que a escrita é quase que apenas limitada pelo pudor, até a uma subtil transformação numa “fraternidade” justificada pela partilha progressiva do destino na luta política. Mas Mandela é de um carinho sem limites para os filhos e para os amigos, com uma atenção angustiada aos seus problemas, limitada apenas pela impotência da sua própria situação. O permanente conselho para o investimento na educação, como fator libertador, mas também na responsabilidade dentro do quadro das relações familiares, mostram uma figura humana muito fora do comum, num mundo político onde, frequentemente, as personalidades de topo são absorvidas pela luta. Ironicamente, talvez a prisão, o isolamento, porque não a saudade, tenham afinal contribuído para a construção desta fantástica figura da História universal. E talvez estas cartas, lidas agora, nos ajudem a perceber melhor a razão por que a todos nos parece natural devermos uma homenagem permanente a Nelson Mandela.

Uma dúvida


Não sou um tudólogo, não sei falar de tudo, longe disso! Nos jornais onde escrevo, regular ou ocasionalmente, pronuncio-me apenas sobre aquilo de que julgo saber alguma coisa e que acho que pode interessar a quem me lê, mas nunca afirmo que é sobre aquilo que sei - isso só os outros poderão avaliar. Aqui, pelas redes sociais, que é um terreno lúdico de “irresponsabilidade ilimitada”, permito-me muitas vezes ir um pouco mais longe e dar a minha opinião, ou emitir impressões, sobre temas do quotidiano que não fazem parte das áreas de conhecimento em que posso ter alguma autoridade. Não levo estes espaços de espontaneísmo de escrita demasiado a sério...

Este “disclaimer” vem a propósito da perplexidade que nunca consegui resolver e para a qual ninguém me forneceu jamais uma resposta satisfatória: por que razão, pelo menos aos olhos do cidadão comum, os currículos do ensino estão sempre a mudar? Desde há décadas que, ciclicamente, os governos que chegam se permitem a liberdade de mudar esses modelos pedagógicos, de alterar aquilo que é ensinado, criando uma permanente instabilidade no setor. É mesmo necessária esta agitação? Não seria possível “parar” por algum tempo? Há razões de fundo que justifiquem esta espécie de experimentalismo recorrente, que afeta, seguramente, alunos e professores? 

Como não sei, pergunto.

Nota

Alguns comentadores deste blogue, por coincidência sempre aqueles que vivem refugiados num confortável anonimato ou em pseudónimos, procuram...