sexta-feira, maio 18, 2018

Caráter

As reações à crise no Sporting têm sido uma excelente montra, nas redes sociais, sobre o caráter de algumas pessoas. Tenho lido comentários de adeptos de clubes adversários que, com grande dignidade, se têm solidarizado com a difícil situação do clube. E também tenho lido o resto, isto é, o lixo sectário e oportunista. Repito: um excelente barómetro de caráter.

Elogio das batatas


Há dias, no Porto, durante um debate a propósito daquele que é o setor produtivo mais relevante nas nossas exportações – não, não é o calçado, os têxteis, o azeite ou o vinho; é a metalurgia e a metalomecânica, sabiam ? – fui interrogado sobre se a nossa diplomacia económica estava a funcionar convenientemente.

Comecei por responder que aquilo a que vulgarmente se chama diplomacia económica é apenas a diplomacia de negócios, isto é, o trabalho dos agentes diplomáticos na facilitação da ação dos nossos empresários – da promoção comercial e turística aos esforços de captação de investimento externo. 

Ora é sabido que a dimensão económica da diplomacia não se esgota nisso. Todo o universo de negociação e fixação de instrumentos de regulação económica na ordem externa, nos planos bilateral e multilateral, constituiu, desde sempre, uma tarefa central da diplomacia. Sem esse enquadramento a funcionar de forma otimizada, por exemplo, o regime das trocas comerciais seria hoje muito menos fluído e eficaz, os sistemas de ajudas europeias de diversa natureza muito menos generoso.

Faço parte de uma escola diplomática que sempre entendeu que a expressão “diplomacia económica” acarreta algo de redundante. Uma diplomacia que não tenha no centro das suas prioridades a dimensão económica não é digna desse nome. 

Mas temos de ser rigorosos. A diplomacia não se esgota no apoio direto à projeção económica externa do país. A atenção à imagem de Portugal na ordem internacional, o cultivo das redes de interesses políticos e culturais que o nosso bilateralismo histórico justifica, a promoção da língua e a proteção da diáspora são outros, entre tantos, pontos importantes que importa salvaguardar, como decisivo é sabermos potenciar o nosso valor acrescentado nacional de natureza política, como país construtor de pontes e entendimentos, à escala global. E, acreditem, tudo isso acaba por ter inescapáveis decorrências positivas no terreno da economia.

Quando, há bem mais de quatro décadas, entrei para a carreira diplomática, fi-lo pelo setor económico do ministério. Com uma diplomacia que tinha tido décadas de concentração obsessiva na política colonial, a então Direção-Geral dos Negócios Económicos era designada depreciativamente como “as batatas”. Anos depois, quando a alta política europeia passou a dominar a nossa agenda externa, lembro-me de ter chocado alguns nas Necessidades porque, enquanto embaixador, afirmei numa entrevista, o que me deu um polémico título de jornal, que, no MNE, o nosso lema deveria ser “menos Kosovo e mais batatas”. Continuo hoje a pensar exatamente o mesmo.

quinta-feira, maio 17, 2018

Al Quochete ?

Parece que vão acusar os energúmenos que estiveram em Alcochete de “terrorismo”. Já não há sentido do ridículo, no Ministério Público? 

quarta-feira, maio 16, 2018

Adeus, Caramuru!


Ontem à noite, passei pela Praça da República, em Viana do Castelo, e pensei para comigo mesmo: “quando é que desaparecerá daqui este mostrengo que é a estátua do Caramuru?”, uma peça escultórica que, já há muitos anos, foi ali colocada, quebrando fortemente o equilíbrio daquele belo espaço. Há minutos, passei de novo pela praça e vi que o mono já desapareceu.

Excelente decisão, presidente José Maria Costa! Parabéns!

O sucesso silencioso


O calçado, o têxtil ou os vinhos (bem como outros produtos agroalimentares) são importantes setores que se qualificam nas nossas exportações, e de que todos ouvimos constantemente falar. Curiosamente, porém, pouco se refere o setor metalúrgico e metalomecânico - que é o grande “driver” das nossas exportações. Só o aumento do seu crescimento, de 2016 para 2017, compara com o valor total das exportações do setor do calçado. É um setor de imenso sucesso, que tem hoje como principal condicionante ao seu crescimento e expansão a falta de recursos humanos qualificados.

Ontem, em Serralves, sob a moderação de Pedro Santos Guerreiro, diretor do “Expresso”, a convite da associação do setor AIMMAP, tive o gosto de participar num debate sobre os grandes desafios do setor. Coube-me, nomeadamente, falar das dificuldades que o Brexit (num RU que é o quarto mercado externo do setor) e as novas medidas decididas pelos EUA (onde o crescimento estava a ser promissor) podem acarretar para a nossa metalurgia e metalomecânica. Abordei também a questão dos riscos e oportunidades em possíveis mercados alternativos, bem como as tendências que a atual fase da globalização aponta como mais prováveis e condicionantes, com nota para o que a diplomacia económica e as políticas públicas de apoio à ação externa dos nossos empresários podem fazer.

terça-feira, maio 15, 2018

Sporting

O fascismo também foi assim: personalização do poder, culto fanático do chefe, populismo alarve e sectário, demagogia e agressividade verbal, ambiente intimidatório e procura de bodes expiatórios, desordeiros violentos à solta. Será que a Polícia Judiciária não sabe o nome de quem originou tudo isto?

segunda-feira, maio 14, 2018

E se a pala cai?




Anteontem, ao entrar no Pavilhão de Portugal, a anteceder o espetacular “barulho das luzes” a que depois assisti no Pavilhão Atlântico, na final da Eurovisão, recuei 20 anos, lembrando-me da imensa aventura que por ali foi a Expo98.

Por um instante, com toda aquela genta à volta, recordei o banho de entusiasmo desses tempos, a romaria nacional e internacional em que tudo se transformou, a impressionante recuperação que o projeto operou numa zona degradada da cidade - embora nos possamos perguntar se não houve muito de especulativo na volumetria de construção que foi permitida após o evento.

Mas esta nota destina-se apenas a fixar aqui, duas décadas depois, uma memória grata às pessoas que tiveram ideia da Expo: Vasco da Graça Moura e António Mega Ferreira, duas figuras intelectuais de exceção que, um dia, numa mesa do Martinho da Arcada, gizaram um projeto cuja concretização o tempo europeu de “vacas gordas” viria a permitir. O primeiro já não está entre nós, o segundo permanece uma figura ativa e criativa na nossa vida cultural. É justo não os esquecermos.

Ontem também recordei, numa das minhas várias idas oficiosas à Expo (quase dezena e meia, pelas minhas contas, para acompanhar governantes estrangeiros, nos seus dias nacionais), ter passado por um grupo onde uma senhora de aldeia, em alta bem voz, se mostrava renitente em atravessar o espaço do Pavilhão de Portugal, interrogando-se: “Ó filha! E se aquilo nos cai na cabeça?” No fundo, as dúvidas sobre a fiabilidade da obra de Siza Vieira não eram muito diferentes das que, no século XV, questionavam a arte de Afonso Domingues, no Mosteiro da Batalha.

domingo, maio 13, 2018

Sporting!

Não é fácil ser sportinguista. Mas, com treino, consegue-se.

Rosado Fernandes



Há muito que tinha deixado de ver Raul Rosado Fernandes. Acabo de saber que morreu.

Conhecemo-nos no Parlamento Europeu, de que ele era membro pelo CDS, lugar de que, durante vários anos, fui regular visitante em trabalho. Lembro-me de que era então muito crítico do governo de que eu fazia parte, em particular do modelo de Europa que eu defendia. Cáustico, com alguma assumida sobranceria, alimentava um euroceticismo endémico e irreconciliável. Uma insuperável distância política manteve-se sempre entre nós - e a isso seguramente não era indiferente o facto de uma noite, num jantar no Kammerzell, em Estrasburgo, o antigo presidente da CAP, que ele tinha sido, ter percebido que tinha à sua frente alguém que, sem complexos, defendia abertamente as virtualidades da Revolução de abril. Com o tempo, fiquei contudo com a sensação de que essa barreira se diluiu um pouco, ao ele se ter dado conta de que eu partilhava algumas das suas preocupações no tocante à necessidade de preservar o poder decisório nacional no quadro europeu. 

Há sete anos, depois de um painel em que ambos interviémos na Universidade de Lisboa - onde ele fora catedrático de Filologia Clássica -, escrevi neste blogue: “Devo dizer que, discordando genericamente da leitura que o antigo deputado europeu e dirigente da CAP faz sobre o "saldo" da nossa presença na Europa, respeito a sua perspetiva soberanista e reconheço nela uma genuinidade que me não é indiferente.”

Lembro-me de lhe ter dito, nessa ocasião, de que tinha lido as suas “Memórias de um Rústico Erudito”, um livro publicado anos antes e que tinha passado quase despercebido da crítica. “A sério?! Leu?” Pareceu-me ter ficado satisfeito pelo facto de alguém que estava muito longe da sua área política se ter dado ao cuidado de estar atento a essas suas recordações da vida que hoje acabou.

Entendido?

A propósito do dia da mãe, que já passou, dou-me conta de que há por aí muitas senhoras cuja honra é regularmente maculada por sonoras interjeições que são apenas devidas ao comportamento dos respetivos filhos. 

Israel




Israel, para além de ter ganho ontem o festival da Eurovisão, está em infeliz evidência pela “luz verde” que claramente recebeu dos Estados Unidos para atuar como força “subcontratada” na guerra da Síria.

Porque, por estes tempos, Israel faz 70 anos - uma bela idade! -, decidi republicar aqui algo que escrevi há quatro anos, no saudoso “Diário Económico”.

Na altura em que publiquei este texto, a então embaixadora de Israel, pessoa que conhecia de outros postos onde ambos tínhamos trabalhado, ficou profundamente desagradada com o artigo e disse-mo de forma enfática. Relendo-o, não encontro razões para retirar uma linha ao que então escrevi - e até poderia acrescentar algo mais.

Aqui fica:

Na minha vida diplomática, dei-me conta de que criticar a ação internacional de Israel obrigava sempre a um "disclaimer", implícito ou explícito, sem o que se erguia o risco de cair, de imediato, na jurisdição dos atentos polícias do espírito: cuidar em não poder ser acusado de anti-semitismo e nunca deixar de referir que o povo judeu foi vítima da violência nazi. 

A ajudar a este temor reverencial soma-se, desde o primeiro momento, um racismo anti-árabe, que condicionou o discurso popular. Tutelados por regimes retrógrados, embrulhados em panejamentos que os indiciavam noutro patamar da civilização, os árabes são-nos mostrados como uma espécie de bárbaros, apenas desejosos de "deitar os judeus ao mar". Por isso, e porque não eram aceitáveis os métodos extremistas da Fatah ou o não são os das várias seitas em que a revolta palestiniana se balcaniza, aos olhos de muito mundo passou a "valer tudo" por parte de Israel, desde os assassinatos da Mossad ("extra-judicial killings", na linguagem eufemista das Nações Unidas) às incursões sem limite pelas terras vizinhas. Ninguém ousa lembrar que Israel se recusa a cumprir as resoluções que a ONU (já agora, sem oposição dos EUA) aprovou, muito embora se levante um escarcéu se outros países procederem de forma similar (desde logo, o Iraque).

Durante a "guerra fria", Israel estava do lado "de cá" e os árabes do "outro lado", embora se soubesse que as coisas não eram bem assim. Os judeus eram o povo perseguido, rodeado de "facínoras" que aproveitariam o seu menor descuido para o esmagar. Por isso, para o ocidente, era de regra apoiar, sem limites, tudo o que pudesse ser apresentado em favor desse "enclave" não árabe, que "dava jeito" quando era necessário (sem que ninguém tivesse de "sujar as mãos"), por exemplo, para dar uma lição às ambições nucleares iranianas ou ver-se livre de alguns terroristas, esquecendo leis. É que, neste "racismo nuclear" que por aí anda, o Irão não pode ter a arma atómica, mas Israel está aparentemente "isento" da observância do Tratado de não-proliferação.

Os EUA, mobilizados pelo lóbi judaico, neutralizam toda a atitude que possa limitar a liberdade do Estado israelita. A Europa, com o ferrete da guerra a marcar-lhe a memória, vive entre piedosos protestos perante os "exageros" de Telavive e os negócios com a constelação dos governos árabes. Estes, com os conflitos entre si a prevalecerem hoje sobre a sua acrimónia face a Israel, vivem mais preocupados em fazer sobreviver os seus heteróclitos regimes do que se sentem mobilizados para a causa palestiniana.

O absurdo de tudo isto é que, se alguém se atrever a afirmar que Israel tem o indeclinável direito de ver respeitadas as fronteiras que lhe foram consagradas pelas resoluções da ONU, é imediatamente acusado de ser inimigo jurado do Estado judaico. E se ousar dizer que, em troca da segurança desse território, garantida, por exemplo, pela colocação de forças internacionais de paz, protetoras dessas mesmas fronteiras, Israel deve prescindir de quaisquer ambições territoriais e recuar na construção de colonatos em territórios que ninguém reconhece como seus, de imediato fica crismado de anti-israelita, provavelmente de anti-semita e, ainda com alguma probabilidade, sei lá!, de simpatizante nazi. Dei-me conta que não falei de Gaza. Para quê?”

Ó vizinho!


Nos idos dos anos 70, representei a Caixa Geral de Depósitos num torneio corporativo (isso mesmo!) de futebol de salão (o nome de futsal é muito mais recente). 

Ainda guardo uma fotografia da nossa equipa desses tempos. Eu era guarda-redes. Tratava-se de uma posição na qual - do andebol, no liceu e no CDUP, no futebol de salão, no ISCSPU e na CGD - eu me "especializara" e em que tinha veleidades de ter algum jeito. Hoje, reconheço ter sido sempre um praticante apenas sofrível, em ambas as modalidades.

De um desses jogos noturnos, defendendo as cores da Caixa em futebol de salão, guardei um episódio divertido. 

A certo passo, num pavilhão cujas bancadas estavam quase desertas, "dei um frango" monumental. Por detrás da baliza que eu defendia, estava sentado, sozinho, um miúdo com uns onze ou doze anos, provavelmente ali do bairro próximo. Mal a bola se afastou para o "centro do terreno" e eu fiquei isolado e algo humilhado com a minha "nabice", ouvi-o chamar-me, muito à moda lisboeta: "Ó vizinho! Vizinho!!!". De início, não dei atenção. Mas ele insistiu: "Ó vizinho!". Acabei por olhar, de soslaio. E lá o ouvi, com um sorriso trocista, lançar-me uma onomatopeia crítica, muito galinácia: "Piu!..."

Ó vizinha!

Scarlett Johansson terá comprado casa em Lisboa. Isto começa verdadeiramente a compor-se!

Só não encontro explicação para o atraso de Marion Cotillard. Com tantas casas à venda aqui na vizinhança...

Alternativa

O CDS afirmou que está preparado para ser “alternativa”. Só não ficou claro em que praça...

Parabéns, RTP !


A RTP deu ontem - ao mundo e aos seus concorrentes internos - uma lição de profissionalismo e de qualidade. O espetáculo produzido no MEO Arena, retransmitido para todo o mundo com uma visibilidade inédita em termos de audiências, onde passaram imagens de promoção subliminar do nosso país com que nenhuma campanha poderia alguma vez rivalizar, foi um excelente exercício de verdadeiro serviço público.

Porque tive o ensejo de acompanhar de perto, como membro do Conselho Geral Independente (CGI) da RTP, o esforço e a dedicação que este trabalho implicou, deixo uma nota muito sincera de imenso apreço pelo empenhamento de todos os profissionais da empresa envolvidos nesta verdadeira mas muito bem sucedida aventura.

sábado, maio 12, 2018

Uma potência vocal?


Ângela Merkel reagiu ao descaso de Donald Trump, face à posição dos seus mais relevantes parceiros europeus no caso do acordo nuclear com o Irão, com a afirmação ousada de que a Europa já não pode contar com os EUA para a sua segurança e para fazer face aos seus desafios geopolíticos mais prementes. 

Ao reagir assim, Merkel lançou uma forte dúvida sobre o próprio futuro da NATO, nos equilíbrios que conhecemos nessa organização, não obstante Berlim dar sinais de estar disposta a respeitar o respetivo “burden sharing” orçamental. Pergunto-me, contudo, se a “nova Europa” a leste de Berlim partilhará desta visão da chanceler alemã, face aos temores que a sua fronteira oriental lhe suscita.

Desta postura afirmativa alemã pareceria decorrer, com naturalidade, o imperativo de um reforço do “pilar europeu”, nestes tempos complexos em que, às provocações de Trump se somam os riscos disruptores do Brexit e o braseiro do Médio Oriente parece reacender-se.

Porém, chamada à realidade por Emmanuel Macron, que desenhou em Aachen (que também já foi Aix-la-Chapelle) o básico para a formatação de uma Europa capaz de reforçar a sua autonomia, Merkel caiu na tentação ofensiva de lembrar ao chefe de Estado francês a escassa idade que ele tinha quando a Guerra Fria acabou.

Angela Merkel, que entrou num mandato que parece prenunciar o início do seu declínio político, revela que a Alemanha está ainda na fase de maturação para poder ser uma potência responsável pela liderança da União Europeia. Em política internacional, as grandes “tiradas” sem consequências práticas disfarçam, as mais das vezes, uma impotência ou a falta de vontade para assumir responsabilidades.

Lady gaga


Passei lá a pé, esta manhã. No Jardim de S. Lázaro, no Porto, junto à biblioteca. E, de repente, lembrei-me! Foi ali, exatamente ali, naquele passeio, como diria, enfaticamente, Hermano Saraiva, para os lugares da sua história com letra pequena.

Deve ter sido em 1967. À época, andava pelo Porto, a fingir que estudava. Numa matinée de sábado, no Cinema Trindade, vi-a. Era lindíssima, uns olhos verdes como nunca mais encontrei, cabelo loiro a cair pelos ombros. No resto, muito bem “desenhada”. Ao lado, um pai de farto bigode, pelo porte e peito saído era talvez militar, olhar perscrutante, mirando em redor. E uma mãe, de quem me não ficou réstea de nota na memória. Eu e ela (a filha, não a mãe, claro) trocámos um olhar breve, com aquele segundo a mais, no intervalo da fita. Pareceu-me que sorriu, mas pode ter sido só “wishful thinking” (na altura, eu ainda não conhecia essa expressão da perceção ao sabor do desejo). À saída, tentei segui-los, mas perdi-os ali pela Picaria.

Passaram meses. Num outro sábado, na Praça, no Imperial, lá estava ela com o duo paternal à ilharga, numa mesa logo à entrada, logo depois de se passar sob a águia. Belíssima, tal como antes. Nos notáveis vitrais do fundo da sala, o casal em tête-à-tête que por lá está era já eu e ela. Dessa vez, tenho a certeza de que me sorriu um pouco mais, embora ao de leve (mas já passou tanto tempo, que nem sei bem...). 

As tardes de sábado, naquele café, eram sempre de enchente (hoje é um McDonald’s...). Bem tentei arranjar uma mesa que me permitisse “to catch the eye” da jovem, para marcar terreno. Mas não consegui. 

Entretanto, chegaram dois comparsas com quem eu tinha marcado encontro por ali, para irmos já não sei onde, compromisso que não podia desconvocar. 

Minutos depois, casal e filha levantaram-se e saíram. Pedi um minuto aos meus estupefactos camaradas e fui atrás do trio. Atravessaram a Praça e, em frente à Sá Reis, apanharam o 6 para Monte dos Burgos. Ela não me viu e, por instantes, fiquei especado no passeio. 

“Fui” pela linha do elétrico. Viveria lá pelo Rosário, onde ele passava a toda a hora e eu passava a pé todos os dias? Ou pela igreja de Cedofeita, já perto do Diu, no cruzamento com a Boavista, onde eu perdia as tardes à conversa? Ela tinha aí uns 16 ou 17 anos. Andaria no Carolina? Às tantas, morava jácna Ramada Alta, onde eu tinha uma tia. Ou em Oliveira Monteiro, onde eu recebia a minha mesada. Ou então lá para a Prelada, onde, quando abonado, eu ia a umas festas noturnas inconfessáveis? Ou seria no fim da linha, já na Circunvalação? Não saberia. Desolado, regressei ao Imperial.

Um dia, ia por S. Lázaro, num autocarro, precisamente com um desses amigos, a quem eu tinha entretanto contado a história do meu romance virtual com aquela ilusiva pequena, quando a vi, sozinha, a caminhar pelo passeio. Estudaria no Esperança? Dei um salto (lembras-te, Albano?), pedi ao motorista para parar fora da paragem (uma emergência é uma emergência, caramba!) e fui ter com ela. Não faço ideia se me reconheceu dos olhares passados, mas lá corar corou, quando lhe falei. Manteve-se de cabeça baixa, sorridente mas silenciosa, até aos Poveiros, enquanto eu tentava sacar-lhe conversa. De repente, reagiu. Embora sem grande convicção, disse-me que o pai não gostava que falasse com estranhos. 

Mas nem imaginam como me disse isso! Com uma voz aflautada, a gaguejar imenso. Era gaga! Mas gaga a sério! Da-da-que-que-las que lhe não lhe sai uma palavra direita. E, além disso, tinha um tom de voz impossível, agudo, bem desagradável. Pela Passos Manuel abaixo, eu já não sabia o que havia de fazer. Ela continuava a ser muito bonita, embora então, confesso, já um pouco menos. Aí pelo Coliseu, começava claramente a dar-me uma “abébia”, deixando claro que as coisas iriam no sentido que eu quisesse. Mas, meu deus!, aquela maneira de falar, estragava tudo! 

Já não sei como saí de cena! Sei que não fui cruel, que fui correto e que inventei qualquer coisa para zarpar sem chocar aquela beleza soluçante, cujo nome, que então me disse, já esqueci há muito. Confesso que este episódio me ficou para sempre, como um imenso “balde de água fria”. Contá-lo, nos dias que correm, é talvez politicamente incorreto, mas a realidade é o que foi. 

Um dia, bastante tempo mais tarde, relatei a história num grupo, no Porto. Uma amiga disse-me: “Bonita, olhos verdes, voz aflautada e imensamente gaga? Conheço-a! Sei quem é!” A conversa com a minha amiga também já teve lugar há muito, mas como ela passa muitas vezes por esta página, pergunto-lhe agora: lembras-te da história, Milú?

sexta-feira, maio 11, 2018

Santarém, 20 horas


Eram quatro da tarde desta sexta-feira. Tínhamos acabado uma reunião de trabalho, no Porto. Um dos meus colegas, sorridente, lançou-me: “Então?! Sentiu-se atingido pelo que o Marcelo disse?”. O que é que “o Marcelo” disse? Eu estava “a leste”! E deram-me então conta do essencial das palavras do presidente, em que mencionara a nossa diplomacia em termos que justificadamente não agradaram à “casa”. Palavras que eu desconhecia, em absoluto. Tal como, naturalmente, não sabia que a nossa associação sindical tinha já reagido ao que o chefe de Estado tinha afirmado. 

Percebi então por que razão tinha no telemóvel algumas chamadas telefónicas, não atendidas, de dois jornalistas, a quem não tinha respondido, porque o meu dia de ontem foi “impossível” - entre quatro horas de aulas, escrita de dois artigos hoje publicados, uma viagem de algumas horas e outras coisas. E, no dia de hoje, com duas reuniões, não tinha ainda lido jornais portugueses (e nada vinha no FT nem no “The Economist”, que me acompanharam ao almoço solitário na “invicta”, em que ainda tive tempo para escrevinhar uma historieta de outros tempos que logo publicarei).

Que se pode dizer sobre aquilo que o presidente disse? Pouco, para sermos generosos. Creio ser óbvio que o que o presidente quis dizer é que há figuras públicas conjunturais que, pelo seu excecional impacto no mercado das imagens, levam, por vezes, o nome de Portugal mais longe do que os mecanismos oficiais e tradicionais de representação. Só que as palavras que usou não foram as melhores, “to say the least”. Toda a gente tem direito a um momento infeliz, pelo que não devemos privar o presidente da República dessa nossa “bula” de desculpabilização. Fez muito bem a Associação Sindical em reagir, nos termos elegantes, mas firmes, em que o fez. Dignificou-se e mostrou que está atenta e atuante. Parabéns! 

Quem me conhece sabe que passei a vida profissional, às vezes numa incómoda solidão, a reagir aos ataques feitos à nossa diplomacia - em artigos, comentários na imprensa ou nas redes sociais, intervenções públicas. Sem falsa modéstia, não conheço ninguém que, nas últimas décadas, tenha dado sistematicamente a cara por esta questão da forma como eu o tenho feito. 

Da última vez que “fui a jogo”, não há muitas semanas, recebi vários apoios à determinação com que denunciei mais um ataque, soez e mentiroso, contra os diplomatas portugueses. Acho que não estarei a fazer uma inconfidência grave se revelar que um desses “abraços” escritos, felicitando-me pelo modo como tinha ido a terreiro defender a dignidade da carreira diplomática, que ele era dos primeiro a prezar e muito estimar, tinha uma assinatura: Marcelo Rebelo de Sousa. Porque sei que o fez com uma sinceridade que corresponde ao que intimamente sempre pensou, acho que este assunto deve agora ser encerrado, com honra para todos.

Por onde anda a Europa?


 

Há dias, durante a 3ª Conferência de Lisboa, George Friedman traçou um retrato pouco lisonjeiro da Europa dos nossos dias. 

Naquele jeito simplificador, às vezes cruel, que os americanos têm para olhar a realidade, Friedman fez notar que o grande período de desenvolvimento e bem-estar europeus acabou por ter lugar num continente que, na era contemporânea recente, nunca controlou o seu destino. 

Com efeito, palco principal da Guerra Fria, a Europa viveu tutelada por uma União Soviética que impunha a sua ordem ao centro e leste do continente e, a ocidente, pelos Estados Unidos, que garantiam a sua segurança, face à ameaça totalitária. O Reino Unido era o seu parceiro preferencial, os arroubos soberanistas da França eram pouco mais do que isso, a Alemanha tinha um muro a dividi-la e a limitá-la. A América era o principal poder europeu.

Entretanto, a URSS perdeu a Guerra Fria, implodiu e partiu-se em 15 países, parte dos quais passaram a hostilizar a Rússia, sua principal herdeira. Com a unificação, a Alemanha tornou-se mais assertiva e menos refém dos seus fantasmas e, com a França e outros Estados “like-minded”, criou o sonho de dar vida política, sólida e integrada, à pujança económica que o projeto integrador lhe tinha criado. 

Friedman é de opinião de que o aprofundamento (aumento do corpo de políticas) e o alargamento da União Europeia, em lugar de a reforçarem, suscitou receios e tropismos nacionalistas que, nos dias de hoje, impedem o pleno sucesso do projeto e estão na origem das dificuldades que ele atravessa. Para o académico americano, ao crescer, a Europa enfraqueceu-se, perdendo em identidade.

Será assim? Com realismo, acho que Friedman não tem completa razão: as notícias sobre a morte da Europa unida parecem prematuras. A União, com todas as suas fragilidades, ainda é um espaço institucional com peso, nomeadamente nas dimensões económicas à escala global, muito embora, no plano de influência política nos grandes cenários estratégicos, apenas vá merecendo o Óscar para o melhor ator secundário.

É um facto, não passível de contestação, que a diversidade induzida na União Europeia, pelo cruzamento de culturas distintas, que configuram vontades diferentes e por vezes até conflituantes, é um fator de bloqueio à plena expressão operativa do um poder político à altura do peso económico dos seus componentes e à sua capacidade de ação conjugada – nomeadamente nos grandes dossiês comerciais, ambientais e em matéria de desenvolvimento.

A muitos custará admitir isto, mas a visibilidade europeia é sempre tanto maior quanto melhor conseguir trabalhar com o seu mais velho amigo político, ao lado de quem esteve em dois conflitos mundiais. E quando os Estados Unidos, cuja auto-determinação estratégica é feita com a liberdade que só as grandes potências têm, não vêm razões para “dar confiança” ao lado de cá do Atlântico, a Europa entra numa orfandade para a qual não consegue descobrir um lenitivo eficaz.

Trump é talvez um tempo extremo nesta deriva, mas, com alguma memória, valerá a pena lembrarmo-nos de que Obama não privilegiou a Europa e terminou o seu mandato cada vez mais voltado para a Ásia. 

Verdade seja que não há muito que a Europa possa fazer neste domínio, senão tentar tornar-se relevante para Washington. Mas isso acarreta sempre o risco de seguidismo e de diluição de uma estratégia própria consequente.

A França e o Reino Unido, ao acompanharem os EUA nas simbólicas flagelações na Síria, não representaram a União Europeia, tanto mais que Londres dela está de saída. Ambos os países representaram-se apenas a si próprios e à sua vontade de reafirmar a responsabilidade estratégica que compete a aliados e membros Conselho de Segurança da ONU.

Londres e Paris, desta vez com Bruxelas à mistura, viriam aliás a aprender, dias depois, o que realmente valem (ou não) para Washington, ao serem postos perante o facto consumado do afastamento americano do acordo nuclear sobre o Irão, em que União Europeia tanto se empenhou.

Deixemo-nos de ilusões: para aquilo que os EUA de hoje definem como seu interesse prioritário, a União Europeia é praticamente irrelevante. E isso enfraquece fortemente a Europa.

“Lisboa, Tejo e tudo”


Lembrei-me do nome de uma velha revista do Parque Mayer ao passar, ao final tarde de ontem, na Ribeira da Naus, com um sol deslumbrante e uma multidão descontraída de turistas de todo o tipo. A sensação de uma cidade de bem-estar, com segurança e acolhimento simpático, é algo que, como português, só me conforta.

Na passada semana, organizámos na Gulbenkian uma conferência de dois dias, sobre temáticas internacionais. Poucos acreditarão se disser que trouxemos - da China e dos EUA, da Índia, da Rússia e de vários outros países europeus – convidados muito qualificados, que se voluntariaram para se deslocar até nós, imagine-se!, sem a menor retribuição. O nosso evento era atrativo, mas Portugal e Lisboa são muito mais.

Às vezes, numa snobeira muito portuguesa, ouço pessoas a reagir contra a “invasão” de estrangeiros. E vejo confundir a presença de turistas com o surto de aquisição imobiliária que, em Lisboa, está visivelmente a descaraterizar alguns bairros antigos. Estamos, contudo, a falar de coisas muito diferentes, embora ambas concorrentes para aquilo que, por décadas, foi um. objeto central da nossa atividade de promoção externa: captar turismo e atrair investimento. 

Não podemos ter “sol na eira e chuva no nabal”. 

É claro que os preços andam mais altos nos restaurantes, que não se encontra um lugar sentado num elétrico, que não pode passar pela cabeça de nenhum indígena lembrar-se de ir visitar a Torre de Belém ou comer um pastel na casa deles ali perto. Porém, se queremos que o país, como um todo, beneficie do impacto dos visitantes sobre as contas do Estado, com rendimentos que abatem o défice e facilitam o exercício das políticas públicas, não podemos incorrer no erro de diabolizar a onda que inunda as nossas cidades – e Lisboa, onde vivo, é apenas um exemplo forte, como o será igualmente o Porto. O turismo poderá ser pontualmente incómodo, alguns “sofrê-lo-ão” mais do que outros, mas é, em termos globais, uma benesse que nos caiu em sorte. Sabe-se lá por quanto tempo.

Os impactos sobre o mercado imobiliário terão, com certeza, de ser melhor medidos, controlados, mas nunca desestimulados. O surto de renovação de edifícios que este influxo de capital externo provoca é algo que, a prazo, beneficiará profundamente a vida das cidades. Os estrangeiros que compram apartamentos não “levam consigo” as casas. Elas “ficam” por cá e, renovadas, são ativos imobiliários para o nosso país do futuro.

Nestes dias de Eurovisão, em que a RTP, com imenso profissionalismo, leva o melhor de Portugal pelo mundo, acho quase uma obrigação “patriótica” deixar de lado o catastrofismo cético e ficar orgulhoso pelo país aberto e acolhedor que por aí anda.

Pivot

Morreu Bernard Pivot. Tinha 89 anos. Há hoje uma França (e não só) de luto. Não terá chegado a receber a chamada telefónica que mais temia: ...