quinta-feira, maio 10, 2018

Jornalismo saloio

Quem por aí começou a dizer (porque ninguém disse isso, por décadas) “o Chipre” também diz “a Malta”? 

quarta-feira, maio 09, 2018

Género

Fez muito bem o presidente da República ao vetar a lei da mudança de género aos 16 anos. Sei que vários amigos vão dizer que sou um reacionário ao exprimir esta opinião, mas esse é o lado para onde eu durmo melhor.

Uma oportunidade perdida


A fotografia de cima é do histórico dia de 2015 em que, depois de longos meses de negociação, foi possível garantir um acordo nuclear com o Irão. À direita dessa imagem, junto de John Kerry, está o principal negociador americano, o então responsável pela Energia no governo Obama, Ernest Moniz. 

Por coincidência, Ernest Moniz encerra hoje, em Lisboa, a conferência “Sharing the future”, em que ontem tive o gosto de fazer a alocução inaugural.

Ontem, poucos minutos depois de Trump rejeitar aquilo que a América tinha assinado, deu-se a coincidência de ter jantado ao lado de Ernest Moniz.

A certo passo da nossa conversa, perguntei-lhe quem teria sido responsável por ”convencer Trump” a rasgar o compromisso. A resposta de Moniz foi imediata: ”A responsabilidade é de Obama”. Perante a minha estupefação, esclareceu: “Trump só tem uma agenda: fazer tudo exatamente ao contrário daquilo que Obama fez. Por isso, não precisou de ser convencido por mais ninguém...”


terça-feira, maio 08, 2018

De caleche ao barbeiro



O “Leão” era na Praça, o que, em Viana do Castelo, apenas significa a Praça da República. Era um barbeiro que ficava ao lado da Farmácia Nelsina, do velho Café Américo e da antiga Casa Aires, em frente ao Café Bar, perto do chafariz (nas casas à direita da imagem). Nos dias de hoje, já não existe no local.

Nesse tempo dos anos 60, os veículos acediam a todo o espaço da praça. Até as caleches, com que os fidalgos da Ribeira Lima, ou quem se lhes queria assemelhar, se passeavam, impantes, nas vésperas das Festas (nome por ali da romaria da Senhora da Agonia) ou nos verões de vilegiatura.

José Gonçalo Correia de Oliveira, ministro do salazarismo - aliás, dos melhores e mais competentes que a ditadura teve - chegou um dia à porta do “Leão”. Vinha da sua casa de férias, em Belinho, perto de Viana, e, com a coreografia equestre a ajudar, pensou dar a honra ao principal barbeiro da cidade de lhe cortar a ministerial cabeleira, naquele estilo puxado para trás, “brillcreamado”, muito Estado Novo. 

A sala do “Leão” estava cheia. Nas cadeiras, junto à parede, aguardavam vez vários clientes. Correia de Oliveira tinha pressa e disse-o ao dono da barbearia. Este, subindo a voz para ser escutado, explicou, com delicadeza, que havia uma ordem de prioridade de atendimento que era obrigado a respeitar, a menos que todos os clientes à espera concordassem em deixar passar o “senhor doutor” à frente. 

Pela sala, ouviu-se então um eloquente e esmagador silêncio. Correia de Oliveira, nesse tempo de prestígio em que a sua reputação não tinha sido ainda atingida pelo escândalo dos “ballet rose”, percebeu, fez meia volta e bateu em retirada, com aquela cara de mocho ainda mais fechada do que habitualmente já era a sua. E lá foi sentar-se na esplanada do Café Bar, com o seu ar inchado, botas de cano alto, que o Manel, pressuroso, correu a engraxar-lhe. E a caleche ficou à espera.

Nos dias seguintes, a história correu a cidade, entre risos e comentários jocosos. E ficou nos anais vianenses. 

Diz-se que, pouco tempo mais tarde, terá havido um “remake”, mas só parcial. Esbaforido, entrou no “Leão” um jovem vianense, expondo a sua pressa em ser atendido. Explicou que vinha de uma “direta”, da sua despedida de solteiro. Casava-se dali a horas e perguntava se podia ser servido com prioridade. A sala estava tão cheia como na data da infortunada entrada do ministro salazarista da caleche. A interrogação, em voz alta, do dono da barbearia foi a mesma. A resposta, porém, foi a oposta: todos os clientes, com simpatia, se mostraram abertos a prescindir da sua vez.

Ir de caleche ao barbeiro começava a não dar prioridade...

segunda-feira, maio 07, 2018

Jornalismo ou claque?

Ontem, no “Diário de Notícias”, iniciei a leitura de um texto de “opinião” de Paulo Baldaia, um jornalista que frequentemente aprecio, numa espécie de suplemento que o jornal trazia sobre a (muito justa) vitória do Futebol Clube do Porto no campeonato. 

À medida que lia o artigo, dei-me conta que estava a ser vítima de um equívoco (uso um eufemismo piedoso). Quem o escrevia não era o jornalista Paulo Baldaia, mas o adepto portista Paulo Baldaia. O comentário não tinha o equilíbrio mínimo que é exigido a um jornalista; era um artigo de claque, digno de uma qualquer “Gazeta das Antas”. Nessa altura, interrompi a leitura e notei que, na qualificação de autor do texto estava: “Jornalista e adepto do Porto”. 

Era falso: Paulo Baldaia, nos seus comentários enviezados de elegia gongórica ao seu clube, não estava a ser o bom jornalista que é, estava a ser apenas adepto do Porto. Ora eu não dou dinheiro por um jornal para ler comentários de fanáticos de emblemas, alegando, não sei bem a que propósito, a sua qualidade de jornalistas. Do Porto, do Benfica, do (meu) Sporting ou do Cascalheira, sem qualquer menosprezo para este último.

Deixo assim aqui este meu protesto ao “Diário de Notícias”, com cordial extensão ao Paulo Baldaia, anterior diretor do jornal, e ao José Ferreira Fernandes, seu atual diretor e, por acaso, adepto da agremiação que, este fim de semana, empatou com o clube do embaixador e adepto do Sporting que subscreve este texto - escrito não num jornal, mas neste seu blogue, que é de leitura gratuita.

domingo, maio 06, 2018

Bola (2)

Visto o jogo (em diferido). O Benfica foi uma equipa mais articulada e mais perigosa. Só que o (meu) Sporting tem um magnifico guarda-redes! Em puro jogo jogado, o Benfica merecia a vitória. Curiosamente, houve dois penaltis indiscutíveis perdoados ao Benfica. No segundo, o árbitro não tem a menor desculpa: estava mesmo sobre o lance. E foi perdoado um imenso vermelho direto a Bruno Fernandes. Árbitro medíocre e medroso. Por este e por outros é que não há nenhum árbitro português no Mundial.

sábado, maio 05, 2018

Bola

Excecionalmente, hoje tinha decidido ver o Sporting-Benfica na televisão. Desisti, ao final de algum tempo. Dei uns berros, insultei um adepto do Benfica vestido de árbitro por ter poupado um indiscutível amarelo a um tipo qualquer de vermelho e, logo de seguida, ter roubado ao Sporting um penálti mais do que flagrante. Para não me aborrecer mais, fui ler um livro. Acabei-o agora. São 23.30. Soube que empatámos a zero com os de Carnide, mas não sei se o resultado foi justo ou não. Logo verei. Vou agora, com toda a calma e sem hipótese de taquicardias, ver o jogo em diferido. Desde há uns tempos, só consigo ver assim os jogos do (meu) Sporting. Boa noite.

Lisboa, avenida Marx



Marx nasceu há 200 anos, num 5 de maio. Era um femeeiro, o que, estou seguro, muitos dos meus amigos não considerarão um defeito por aí além. Sobre isso, não digo o que penso. Françoise Giroud, na biografia que fez da sua mulher, a esse propósito, cobriu-o de notas de muito mau comportamento. 

Tinha um grande e rico amigo que lhe financiava muitos gastos (onde é que eu já ouvi isto?), mas chegou a passar dias de fome, dificuldades familiares imensas. Às vezes, na vida, terá sido incoerente com coisas que defendia, como acontece aos melhores. E ele estava, sem a menor sombra de dúvida, entre os melhores dos melhores: era uma inteligência brilhante, um economista e um filósofo que tratava a História por tu. 

Fui seu seguidor. Para utilizar uma expressão que Sophia de Mello Breyner dizia a propósito de um certo crítico literário, na minha juventude eu sabia mais Marx do que aquilo que compreendia... Nos tempos de universidade, para muitos de nós, ser "marxista" estava quase no inevitável "air du temps", qualquer que fosse a tendência que se escolhesse - e elas eram imensas, no menu ideológico disponível. O marxismo, mais ou menos "mecanicista" (que estiver interessado pode aprofundar o conceito), fez parte da escola “primária” de pensamento de muita gente da minha geração. Não deixa, por isso, de ser patético observar o modo como alguns se empenham, nos dias de hoje, em tentar  fazer esquecer esse que foi também o seu tempo. Por mim, não caio nessa, era só o que faltava!

Na minha primeira ida a Londres, no final dos anos 60, entrei por um buraco da cerca do cemitério de Highgate, na altura muito ao abandono, para visitar o seu belo túmulo. Fui a Trier, hoje na Alemanha, à casa onde nasceu, peregrinei por todos (mesmo todos) os lugares onde viveu, bebi à sua memória uma "half pint" no Jack Straw's Castle, o seu pub preferido, em Hampstead. Li-o com avidez, enquanto me achei soldado indispensável na tarefa cívica de mudar o mundo, quer esse mundo estivesse para aí voltado ou não. Tive metros de estante com obras suas, dos seus seguidores, dos seus intérpretes, dos seus múltiplos detratores. Todas jazem hoje na biblioteca onde repousam os livros sobre tudo aquilo em que um dia acreditei. É que isso faz parte de uma herança de ideias que, nem por tê-las abandonado, alguma vez ousarei renegar. Continuo a manter - e digo-o alto, para que não restem dúvidas - um imenso respeito por essa personalidade fascinante que marcou o pensamento político-económico do século XIX, que esteve sempre presente na vida mundial durante todo o século XX - muitas vezes associado a opções políticas sinistras, outras vezes por muito boas razões, mas nunca ausente. Agora, no século XXI, revisitá-lo parece voltar a estar na moda, mas eu, que já dei para esse peditório, que já não faz parte das minhas prioridades de leitura e estudo, não vou por aí. 

Não obstante, quando cruzo a avenida da Liberdade, pela rua Alexandre Herculano, e olho a estátua de António Feliciano de Castilho, lembro-me muitas vezes da frase do meu saudoso professor de Economia Política, Ramos Pereira, que estava longe de ser marxista mas sempre ironizava: "não sei como é que o Salazar deixou erguer em Lisboa uma estátua a Karl Marx"... 

Nada emoldura mais uma pessoa na História do que dela poder dizer-se que o mundo, se acaso ela não tivesse existido, teria sido muito diferente. É o caso de Karl Marx.

sexta-feira, maio 04, 2018

Dhlakama


Morreu Afonso Dhlakama, líder da Renamo. Nunca consegui ter uma opinião definitiva sobre se o essencial das suas reivindicações políticas face ao governo da Frelimo tinha alguma real legitimidade ou se apenas decorria de uma atitude de não aceitação do resultado do escrutínio democrático e do desejo de ver consagrada, “de facto”, uma espécie de balcanização de Moçambique.

Dhlakama parecia ser uma figura humana curiosa, a acreditar em vários testemunhos. Jaime Nogueira Pinto, no seu livro “Jogos Africanos”, dedica-lhe alguns comentários interessantes, que ajudam a definir a sua personalidade e até a sua “aprendizagem” ao mundo político, tutelada por amigos e parceiros (alguns bem estranhos) estrangeiros. Mas, ao escrever o que então escreveu (livro que recordo bem, porque vim propositadamente de Brasília a Lisboa para o apresentar), Nogueira Pinto não pôde deixar de ter em atenção de Dhlakama estava ainda no “ativo”, pelo que não deixou por escrito alguns outros pormenores interessantes sobre aquela figura, que agora pode vir a ser tentado a revelar. Ou talvez não, porque a morte “santifica” os amigos.

Dhlakama foi, durante muito tempo, uma personalidade quase mítica, sobre a qual pouco se sabia. Um dia de 1992 ou 1993, o nosso embaixador em Nairobi, Paulo Barbosa, foi autorizado a ter um encontro com Dhlakama. O diplomata mandou depois, por DHL, através de Londres, um “apontamento de conversa” em que estabelecia um interessante perfil do lider rebelde. Recebi esse texto em Londres, onde estava nessa altura, e reencaminhei-o para Lisboa. Ainda me lembro bem da leitura que o meu colega (que infelizmente já morreu há alguns anos) fazia dos traços de personalidade do político (aparentemente “naïf) que titulava a guerrilha contra a Frelimo. 

Tudo se tornará mais calmo em Moçambique após a morte de Dhlakama? Não sei. Em Angola, a morte de Jonas Savimbi abriu caminho à pacificação do país, mas cada caso é um caso.

A batalha do cheque


Uma noite primaveril de 1996, sentado numa esplanada de Roma com um colega que, tal como eu, era responsável pelos Assuntos Europeus no seu governo, depois de um jantar de trabalho, falei da questão do poder entre os países da União Europeia. Disse da dificuldade que Portugal por vezes sentia para conseguir defender os seus interesses, situados que estávamos num patamar diferente daquele que prevalecia no processo decisório em Bruxelas. E acrescentei que essa marginalização podia, a prazo, vir a reduzir a legitimidade das instituições comunitárias aos olhos dos cidadãos do meu país.

O meu colega sorriu e disse-me: “Na Europa, meu caro, o poder é importante, não por si, mas apenas porque significa dinheiro! Sem dinheiro, pode haver belos discursos, mas ninguém acredita na Europa. As “trente glorieuses” (os trinta anos de desenvolvimento e bem-estar que marcaram o início das Comunidades) só foram “gloriosas” por isso: mudanças na paisagem, dinheiro nos bolsos e, claro, uma sensação de real bem-estar. Por isso, a luta permanente é pela riqueza, pelo cheque nacional, a cada sete anos, quando chega o momento de divisão do orçamento comunitário. Sem isso, os povos não aderem à Europa”.

Ontem, ao ouvir notícias sobre a proposta modesta do novo orçamento plurianual da União Europeia, lembrei-me do comentário daquele meu colega. E voltei ao dia em que, um ano mais tarde, tinha recebido um documento idêntico, para as finanças europeias entre 2000 e 2006. Recordei o nosso desapontamento face ao que foi apresentado pela Comissão, não obstante o imenso trabalho que tínhamos feito a montante da divulgação do projeto. Guardo a imagem de uma reunião muito preocupada em S. Bento, com António Guterres e Jaime Gama, onde se estabeleceu a estratégia a seguir. Depois, foram centenas de horas de reuniões, durante dois anos, por várias capitais europeias, até àquela noite final de março de 1999, em Berlim, em que, lá pelas seis da manhã, fechámos as negociações. Com êxito, diga-se.

Este quadro financeiro europeu vai ser o mais difícil de todos, pelo que não invejo a tarefa do governo de António Costa. Com a saída do Reino Unido, importante contribuinte para o orçamento, e a pressão para o reforço de novas políticas, em especial ligadas à segurança e ação externa, com a palavra solidariedade em baixa de popularidade nos corredores de Bruxelas, esperam-se dias muito difíceis para Portugal nesta nova “batalha do cheque”. 

A Europa não é só o dinheiro, ao contrário do que dizia o meu amigo calvinista. Mas, sem ele, não há Europa.

quinta-feira, maio 03, 2018

3ª Conferência de Lisboa


Tive hoje muito gosto, como presidente das Conferências de Lisboa, de acolher o presidente da República na abertura dos trabalhos que se prolongam até ao final da tarde de amanhã, na Fundação Calouste Gulbenkian. 

As Conferências de Lisboa têm lugar cada dois anos, sob a chancela do Clube de Lisboa, cujo site pode ser consultado aqui.

A Conferência deste ano tem como título “Desenvolvimento em tempos de incerteza” e conta com a participação de especialistas estrangeiros nas várias temáticas abordadas nos seis painéis - Poder, Segurança, Globalização, Planeta, População e Europa

A intervenção do presidente Marcelo Rebelo de Sousa pode ser vista aqui e as palavras com que abri os trabalhos aqui.

2 de maio de 1972


Onde diabo é que eu estaria no dia 2 de maio de 1972? Andava há muito cá por Lisboa, trabalhava na Caixa Geral de Depósitos, no Calhariz. Provavelmente, ao final da tarde, teria passado pelo bar que havia no topo da livraria Opinião, na rua da Trindade, para uma "cuba libre". Ou teria tido a uma aula de um curso de Semiologia, dado pelo Eduardo Prado Coelho, no Centro Nacional de Cultura, nas traseiras da Moraes. Depois, apanhado que fosse o 21, no Rossio, tinha ido jantar a casa, aos Olivais. Ou talvez não: talvez tivesse ficado pela zona do Monte Carlo, jantando no Toni dos Bifes, indo depois para a conversa no grupo do café, a comentar a confusão que, na véspera, tinha testemunhado no 1º de maio, no Rossio.

De uma coisa tenho a certeza: não estive nessa noite na inauguração do Bar Procópio, da minha amiga Alice Pinto Coelho. E ninguém (ou melhor, ela fê-lo, mas apenas hoje) me avisou a tempo para eu ir lá comemorar. Com todas estas desconsiderações, qualquer dia, levo a mal, desço as escadas e passo-me para a Tasca do Papagaio. É o mais certo!

terça-feira, maio 01, 2018

Israel e o Irão

Percebo que o programa nuclear iraniano crie sérias preocupações. Por essa razão, deve ser preservado, a todo o custo, o laborioso acordo negociado entre Teerão e a comunidade internacional, que prevê mecanismos de controlo sobre a atividade iraniana nesse domínio. Só irresponsáveis podem defender que mais países possam ter acesso a meios nucleares para fins potencialmente bélicos. 

Acho, contudo, de uma desfaçatez sem limites que Israel surja a mostrar indignação sobre o assunto, sem que o mundo solte uma gargalhada. É um segredo de Polichinelo que Israel mantém um programa análogo e tudo indica que possui já a arma nuclear. Talvez não seja por acaso que Israel se recusa assinar o Tratado de Não Proliferação e que, desde sempre, rejeitou quaisquer inspeções da Agência Internacional de Energia Atómica. As quais, note-se, o Irão tem vindo a aceitar, nos termos em que se comprometeu.

segunda-feira, abril 30, 2018

Rugby



Não sei nada de rugby, mas andei anos convencido de que, por detrás daquela confusão em campo, havia um desporto de “senhores”, onde prevalecia o “fair play”. Agora, leio que o campeonato nacional da modalidade foi interrompido por violência. Já não percebo nada! 

Sarney



José Sarney tem 88 anos, mas tem a política no corpo. 

Chegado à presidência brasileira pelo mais famoso golpe constitucional da história do seu país - ascendeu ao lugar por decisão dos militares, como vice de um presidente eleito mas que não tinha chegado a tomar posse -, viria a ser ele a inaugurar a era democrática, depois da sinistra ditadura dos generais. 

Antes, Sarney tinha chegado a presidente da Arena, o “partido” mais próximo dos militares, que contrastava com o mais democrático MDB. Curiosamente, Sarney virá a consagrar-se, depois da saída do Alvorada, como um dos principais caciques do PMDB, que sucederia ao MDB. É nessa qualidade que irá surgir como um dos mais seguros apoios de Lula, durante os seus dois mandatos, conseguindo sempre uma quota significativa de ministros e cargos públicos para os seus protegidos, ao longo de todo esse período.

Suscito isto hoje aqui porque acabo de ler na imprensa brasileira que Sarney mudou a sua inscrição eleitoral para o Maranhão. Este é o Estado que a família Sarney dominou por décadas, por familiares ou protegidos, mas cujo governo perdeu nas últimas eleições. O próprio Sarney, contudo, tinha-se entretanto “transferido” politicamente para o Amapá (um Estado resultante de uma partilha do Pará), por onde é há muito senador e onde estendeu a sua influência. Agora, parece querer regressar ao seu feudo tradicional, onde um dia mandou construir um museu-mausoleu cuja saga faz parte do anedotário do Brasil.

José Sarney não se afasta muito da generalidade dos políticos brasileiros, que sempre assentam o seu poder em Brasília na expressão política que retiram do seu Estado de origem. No seu caso, porém, há uma diferença que o não favorece, face a alguns outros desses caciques. É que, sob o seu reinado, o Maranhão estiolou economicamente, progrediu muito pouco na área social, manteve-se numa grande pobreza e tem sido regular pasto de corrupção - a qual, diga-se em abono da verdade, não abrange apenas o partido e a gente de Sarney.

O visível descaso de Sarney pelo Estado ao qual agora, pelos vistos, pretende regressar contrasta, por exemplo, com o desenvolvimento que foi induzido ao Estado da Bahía pelo também “coronel” (designação tradicional brasileira para os antigos caciques locais) António Carlos Magalhães, o famoso ACM, ou “Toninho Malvadeza”, para os seus detratores. Mesmo os críticos de ACM são forçados a reconhecer ter ele sido responsável por um notável surto de desenvolvimento em Salvador e em outras áreas do seu Estado. Aliás, ainda hoje ali mantém, depois da sua morte, uma alargada veneração pública, que, em parte, justifica que o seu neto (e homónimo) seja hoje prefeito de Salvador, num Estado onde o PT consegue ainda manter o lugar de governador. Nenhum reconhecimento similar marca a imagem de Sarney no Maranhão.

Uma nota final, agora luso-portuguesa: quer José Sarney quer António Carlos de Magalhães sempre foram bons amigos de Portugal, com claras expressões disso dadas em diversas ocasiões. O que só prova uma tese que há muito alimento: no Brasil, é quase sempre na direita que é possível encontrar os melhores amigos do nosso país. A exceção, relevante, foi Lula da Silva.

Pinho

O PS perdeu uma grande oportunidade: ter tido dele a decisão de chamar Manuel Pinho ao parlamento. Um lugar de onde ele saiu um dia, recordemo-nos, por uma indecente e má figura. Fez bem o PSD em propor a convocatória do antigo ministro (estranho mesmo é que não tenham sido o PCP ou o Bloco a fazê-lo). Se Pinho recusar ou atrasar a convocatória, então só há uma solução: a criação de uma comissão parlamentar de inquérito, perante a qual não poderá recusar-se a comparecer.

“Delito de Opinião”


O “Delito de Opinião” é um excelente blogue coletivo, com uma existência de quase uma década.

Para uma antologia de textos que decidiu agora publicar, o “Delito” convidou dois prefaciadores - Ferreira Fernandes e eu próprio - e um pósfaciador, João Taborda da Gama.

Eis aqui o meu texto, a que chamei “Palavras liminares

Daqui a uns anos, quando o mundo digital vier a fazer a sua arqueologia, estou certo de que dedicará um capítulo generoso ao tempo dos blogues. Neles distinguirá aqueles que, com genuinidade, os utilizaram para o debate de ideias, às vezes integrado na luta política conjuntural, de quantos, de forma mais ou menos ostensiva, os colocaram ao serviço da promoção de negócios. Mas até o sucesso destes últimos é, em si mesmo, revelador da eficácia deste modelo de plataforma. Mesmo a montante desse inventário crítico, não hesito em constatar que a blogosfera representou - no Portugal do início do século XXI - um valioso espaço alternativo para confronto de perspetivas, um inesperado e criativo complemento da comunicação social tradicional. E não deixa de ser interessante notar que muitos cultores do jornalismo encontraram nos blogues um espaço para exercitar uma outra linguagem e muitos “bloguistas” iniciaram por aqui um caminho que os viroa a conduzir à expressão na comunicação social.

O “Delito de Opinião” surgiu semanas antes da primeira publicação que fiz no blogue diário que eu próprio alimento desde 2009, inaugurado no dia em que assumi o cargo de embaixador em Paris (embora tivesse já outras experiências no “ramo”). Aliás, o “Delito” foi dos primeiros blogues a acolher e referenciar o meu “Dois ou Três Coisas”, o que desde logo achei muito simpático, tanto mais que os seus autores, na sua ampla diversidade, eram e viriam a confirmar situarem-se em escolas de pensamento, e particularmente de atitude política, um tanto distantes da minha - e isto é um eufemismo.

Com algumas exceções, verifico que o “Delito” é escrito por gente de uma geração bem diferente da minha, creio que, na maioria, já oriundos de experiências anteriores na blogosfera. Para quem, como eu, tinha voltado a viver fora de Portugal, neste caso há mais de uma década, o “Delito”, até pelo seu saudável hábito de citar e fazer links para outros blogues, sempre funcionou como uma janela sobre um país digital que me era alheio. E como tenho o “vício” de dar prioridade na leitura àqueles com quem sei que não vou concordar, eu recolhia, e ainda recolho, no “Delito” o alimento para essa minha faceta masoquista.

Ao longo deste tempo que (caramba!) caminha para uma década, fui “zurzido” por mais de uma vez em posts e comentários no “Delito”, o que é da lei da vida. O Acordo Ortográfico foi um tema recorrente nesses embates, mas outras contradições continuam a emergir, permanecendo em autores do blogue alguns sobrolhos carregados (“to say the least”) quanto à minha pessoa. Isto só torna mais nobre o gesto de me terem convidado para escrever este breve prefácio.

Os blogues coletivos com sucesso têm, em geral, uma “alma” motora por detrás, um “teimoso” que não deixa que a máquina esmoreça. No que me é dado ver, no “Delito”, o Pedro Correia encarna essa figura, ele próprio um criativo que inaugura e alimenta linhas sequenciais de posts (músicas, palavras detestadas, etc.) que exigem pesquisa, constância e uma pertinaz vontade para prosseguir. Por ser escriba de um blogue individual, com publicação insistentemente diária, sei por experiência própria a dificuldade inerente a este tipo de trabalho. E daí a grande admiração que o “Delito” me merece.

Fiquei muito honrado com este convite do “Delito de Opinião” a alguém que vem de “outra freguesia”, para deixar umas palavras na abertura desta sua antologia. (Não sei mesmo se não vou aproveitar a ideia...). Ao blogue e aos seus autores só posso desejar determinação para prosseguir, no fundo, o mesmo que (até ver!) imponho a mim mesmo.

ps - em homenagem ao “Delito”, decidi, por uma vez, evitar contradições ortográficas...

Convido-os a visitar o “Delito de Opinião”, clicando aqui.

domingo, abril 29, 2018

Nuno


Há precisamente um ano, desapareceu o Nuno Brederode Santos. 

Fareed Zakaria


Desde há dois anos que, no outono, me tenho cruzado com Fareed Zakaria, jornalista que apresenta semanalmente o excelente GPS – Global Public Square, na CNN. É em Kiev, na Ucrânia, num congresso internacional em que ambos participamos, com ele como um dos moderadores de interessantes debates. 

“Cruzado” é uma maneira de dizer: nunca tinha falado com ele, no meio daquelas centenas de participantes, entre figuras políticas, que vão de Tony Blair a Strauss-Kahn, de John Bolton a Paul Krugman ou a David Cameron, passando por jornalistas que cobrem o Leste europeu, para além de gente ligada às relações internacionais.

A conferência tem lugar num antigo arsenal militar, a uns quilómetros do hotel onde fico hospedado, com um transporte vai-e-vem sempre disponível, através de pequenos autocarros. Num final de tarde, vi-me sozinho, numa dessas vans, com Zakaria. Meti conversa.

Veio à baila um painel dessa tarde e, ao falar-se da Europa, vi que ficou interessado em algo que eu disse sobre Angela Merkel e a Comissão Europeia. “Podemos falar um pouco, no hotel?”, sugeriu. Estávamos ambos hospedados no “Premier Palace”, com muitos outros participantes do congresso. Sentámo-nos no bar. 

Zakaria era é uma figura pequena, quase frágil, com um olhar vivo e muito atento. Com uma cordialidade profissional, olhava o interlocutor de frente, o que é sinal de segurança. Não tocou numa gota de álcool, não me acompanhando numa excelente cerveja ucraniana que lhe ofereci.

Pela nossa conversa, que durou bem mais de meia hora, passou, curiosamente, uma assimetria de interesses, em matéria de informação. 

Ele queria falar da Europa, do modo como andavam os equilíbrios entre Macron e Merkel, das hipóteses de evolução institucional, das consequências do Brexit, do futuro político da Itália, do sentimento diferenciado no continente face à Rússia. Portugal não lhe interessava minimamente, mas a Catalunha sim.

O meu objetivo era ter dele uma leitura crítica dos tempos turbulentos da administração Trump, das mudanças na Casa Branca, com análise prospetiva de algumas dinâmicas, fosse no Congresso, fosse na atitude americana nos grandes dossiês internacionais, em especial no tocante à China e Rússia. 

Lá lhe fui dizendo o que pensava, em temas em que tinha uma opinião, mas nos quais eu era seguramente muito menos informado do que ele seria sobre aquilo que verdadeiramente me interessava. Não sei se o que disse lhe serviu de muito, ou talvez o possa ter ajudado a precisar alguns pontos específicos. No que me adiantou, confesso, não houve nenhuma surpresa – ou talvez seja o facto de regularmente o ouvir na CNN que me tenha dado a ideia de que conhecia o que ele pensava.

No final, trocámos os cartões da praxe, como acontece nestas ocasiões, sem que isso sirva depois para nada. Às vezes, os encontros são quase desencontros, por mais simpáticos que sejam, como foi o caso.

Geórgia à espreita, Ucrânia à espera

Ver aqui .