sexta-feira, outubro 25, 2024

América



Sou suspeito, porque fui um dos interventores na Conferência Anual que a Fundação Res Publica ontem realizou, dedicada às eleições presidenciais (e não só) nos EUA, mas tenho a impressão de que quem a ela assistiu, e quem nela participou, não deve ter dado por mal empregado o seu tempo. Coube-me ali falar da identidade político-ideológica do Partido Democrata. 

Ana Santos Pinto, Bernardo Pires de Lima, Nuno Severiano Teixeira, Pedro Adão e Silva e Pedro Silva Pereira foram os outros oradores, cada um abordando um tema específico. Três horas de útil reflexão, sob a batuta e o relógio de José António Vieira da Silva, com participações interessadas e substantivas da audiência. 

Contudo, nenhum de nós conseguiu adiantar um palpite sobre quem sairá vencedor da compita...

"Obrigado"

Tenho algum orgulho em poder dizer que sempre olhei com grande simpatia para a presença de estrangeiros a trabalhar em Portugal. Por isso, acho que tenho alguma autoridade para poder dizer que não me parece normal que, nas quatro viagens que ontem fiz em TVDE, me tenha cruzado com três condutores que não falavam uma única palavra de português e que tinham um inglês abaixo de "macarrónico". Vá lá: dois deles, no final, com um grande sorriso, disseram "obrigado".

quinta-feira, outubro 24, 2024

Memória


Estive lá hoje. É uma sala vazia de pessoas, mas cheia de boas memórias de quem por ali passou as últimas décadas de uma vida ímpar. Recordo algumas conversas, a última das quais foi já muito penosa. Como me acontece com alguma frequência, senti falta dessa grande figura de português que foi (que é) Mário Soares.

Apresentação



Ferreira do Alentejo



Bloco de Notas


Entrevista conduzida por Maria Flor Pedroso.

Pode ouvir aqui.

Lembrando

Este blogue tem dono. Dono, proprietário. E o dono de um blogue, por muito anti-democrático que isso possa parecer, não autoriza a publicação de comentários que relevem de agendas racistas, xenófobas e discriminatórias. Quando, por vezes, decide deixar passar alguns comentários que se aproximam desse registo é apenas com o objetivo de ilustrar, pela caricatura, a postura ridícula de alguns cromos que por aqui vão aparecendo - e, nos últimos dois dias, tem sido um fartote deles, como seria de esperar. É só para lembrar.

quarta-feira, outubro 23, 2024

Pensem nisto


O colonialismo teve faces bem sombrias. Esquecê-las, só porque são desagradáveis, é uma estupidez histórica e um atentado à memória coletiva dos povos cujas culturas se projetam em língua portuguesa, a língua colonial sem a qual esta fotografia seria improvável.

Este PSD

Este PSD é um partido estranho: deixou de ser desempoeirado nas questões "de costumes" e, apenas para recuperar o voto reacionário, tornou-se igual ao pior CDS na "cidadania" e, o que é muito mais grave, colou-se a agendas do Chega. Tenho amigos do PSD que se sentem incomodados.

terça-feira, outubro 22, 2024

Agora, aguentem-se!

Os governos não são parvos, mas, às vezes, parecem sê-lo. (Não, não vou falar de política interna). 

Anda lá por fora meio mundo excitado com a movimentação dos BRICS. Relembro que tudo começou quando um fulano da Goldman Sachs juntou as primeiras letras do Brasil, Rússia, Índia e China, potências ditas emergentes, que se encontravam em reuniões de diálogo e de muito escassa cooperação, e crismou o acrónimo BRIC. (Um acrónimo, lembro, é uma sigla que se consegue ler como uma palavra). O "S" que então faltava surgiu quando a África do Sul ("South Africa") se juntou aos restantes.

Os BRICS nunca foram grande coisa. A sua identidade vinha mais do contraste com o "primeiro mundo", menos por um qualquer cimento estratégico próprio. Os BRICS nunca foram uma espécie de "G7 dos pobres", muito longe disso. 

Curiosamente, foi o mundo desenvolvido que deu alguma força aos BRICS. Ao ter impulsionado, na crise financeira de 2008, essencialmente por razões de interesse próprio, a atividade até então discreta do G20, pensando que conseguia trazer para uma governança por ele tutelada os principais atores económicos do mundo, o G7 acabou por alargar o diálogo entre muitos desses Estados. No final, não seria o G7 a satelitizar os membros (não ocidentais) do G20, mas seriam os BRICS a cooptar alguns dentre eles para o seu seio, como recentemente se viu.

Mas que não haja ilusões: a identidade dos BRICS nunca igualará a do G7. É fácil explicar porquê.

A China, a que a guerra na Ucrânia obrigou a acelerar a sua dinâmica de ambição como potência, mostra uma clara intenção de utilizar os BRICS como plataforma para tal. Mas, ao contrário do G7, onde a preeminência dos Estados Unidos é não só tolerada como aceite como uma fatalidade, a China não consegue garantir no seio dos BRICS um papel de liderança indisputada. A Índia, que está no grupo por necessidade de afirmação própria, nunca irá permitir que isso aconteça. 

No grupo BRICS original, a África do Sul era, manifestamente, o parceiro mais fraco, e mantem-se irrelevante no atual contexto. O Brasil combateu, sem sucesso, o alargamento dos BRICS, porque sabiamente pressentiu que a extensão do grupo iria significar a diluição do seu poder relativo. Mas viu-se vergado a flexibilizar a sua atitude pela vontade da China (não se percebeu bem se também da Índia). A Rússia, num tempo de grande dificuldade, precisa desesperadamente quem lhe suporte o estatuto de potência, pelo que o alargamento do "clube" seria conveniente à quase obsessiva e ridícula coreografia diplomática de Putin.

E assim os BRICS, nos dias de hoje, vão andando na tentativa de densificação da sua cooperação. Mas sente-se que o mundo ocidental anda cada vez mais preocupado com este diálogo acrescido. E, numa estupidez estratégica e declaratória, junta, às vezes, tudo no mesmo saco. 

O tal mundo ocidental - com os Estados Unidos e a Europa à frente - tentou, na sequência da invasão russa da Ucrânia, apelar aos princípios da ordem internacional que entenderam estarem a ser violados. 

Pelo belo barómetro que são as resoluções da Assembleia Geral da ONU, percebeu-se que esse argumentário euro-americano (com outros amigos mais ou menos íntimos) começou por ter algum sucesso junto daquilo a que alguns chamam "Sul global".

Até que um dia sucedeu o que está a suceder em torno de Israel. E esse tal "Sul global" deu-se de repente conta de que os mesmos princípios e valores que tinham sido evocados para o caso ucraniano afinal não eram aplicáveis no caso palestino. E grande parte desse Sul, com os BRICS à cabeça e com a suas opiniões públicas na base, confirmou que o ocidente tinha dois pesos e duas medidas e que, afinal, os tais princípios e valores só prevaleciam quando serviam de suporte aos interesses geopolíticos ocidentais. E viu-se o tal ocidente, em poucos meses, a perder toda a autoridade moral que invocara na Ucrânia. Sem o afirmar, tinha afinal adoptado o conhecido princípio de Groucho Marx: "Estes são os meus princípios. Se não gostarem, tenho outros".

Mesmo com os seus limites, o sucesso organizativo dos BRICS, gerando outros movimentos de agregação e simpatia a Sul, confronta visivelmente o mundo ocidental. Mas acaba por ser o resultado de uma crescente hipocrisia por parte deste. Agora, aguentem-se! 

Os governos não são parvos, mas, às vezes, parecem sê-lo. Ou fazer de nós parvos.

Violência e bom senso


É grave aquilo que se passou na periferia de Lisboa, com um morto como resultado de uma ação policial. Não interessa aqui entrar na avaliação das culpas. O que quero lembrar, à luz da experiência de ocorrências similares em outros países, é o forte potencial de arrastamento que este tipo de acontecimentos tem. Todos sabemos que há "bombas relógio" de tensão social e inter-étnica em certas zonas e que uma faúlha pode desencadear uma bola de neve de violência. Portugal não tem um histórico neste domínio, mas nada impede que, de um instante para o outro, as coisas fujam do controlo. Esperemos que assim não venha a ser.

"Santa Luzia"


Há uns anos, Fortunato da Câmara, uma das escassas vozes na crítica gastronómica que nunca me induziu a erros, na indicação de bons restaurantes, tinha chamado a minha atenção para o renovado "Santa Luzia", à entrada de Viseu, que conheci em diversos tempos. Entretanto, constou que o restaurante tinha sofrido mudanças na gerência, o que, para o compreensível conservadorismo dos frequentadores de restaurantes, introduz sempre inquietantes pontos de interrogação.

Acresce que, à volta da cidade de Viseu, tinham entretanto surgido propostas curiosas, desde a sofisticada "Mesa de Lemos" à comida de tacho do "Cantinho do Tito", passando pelo surpreendente "De Raíz". E, claro, havia sempre a segurança do "Caçador" e da "Arouquesa", com o restaurante da Pousada a continuar a não mostrar garra e o "Cortiço" a fazer saudades do D. Zeferino, em tempos em que a "Trave Negra" por ali chegou a pedir meças.

Tudo isto para dizer que me decidi hoje, numa viagem entre Vila Real e Lisboa, a regressar ao "Santa Luzia". Como me recordava que o espaço interior era vasto, ainda tive a tentação de não reservar, mas optei por fazê-lo, como me ocorre 99% da vezes. Em boa hora o fiz: a casa encheu! Mesmo tendo imensos lugares! 

A arquitetura da casa, que creio que já tem mais de uma década neste seu formato, é simpática, moderna, arejada, com estacionamento próprio e espaço exterior atencioso para fumadores.

O serviço foi diligente, sabedor e excecionalmente acolhedor. Tudo o foi pedido estava muito bem apresentado. Alguns "mas": quer uma vitela assada quer o caldo verde que a antecedeu ganhariam em ter um pouco mais de apuro. O galo "pica-no-chão" estava com excelente sabor, embora um pouco demasiado "al dente" (embora galo e frango não tenham a mesma textura, eu sei). As sobremesas provadas eram muito boas. Bebeu-se um tinto do Dão, da casa, que não desmereceu. No meu rácio satisfação/preço, o "Santa Luzia" saiu aprovado. Deixo o registo.

segunda-feira, outubro 21, 2024

Pensem!

Há várias maneiras de fazer alianças com a extrema-direita, tentando captar o seu eleitorado (perdido). Uma delas é copiar as suas ideias.

"Farta Brutos"


Nunca por aqui contei esta história. Uma história muito triste, de outros tristes tempos. 

Foi logo no início dos anos 90. Eu vivia então em Londres. Vim sozinho por alguns dias a Lisboa e telefonei a um grande e velho amigo nosso, sugerindo que fôssemos jantar. 

Ele vivia em Alfama. Na conversa, pelo telefone, disse-me que, não muito longe da sua casa, havia uma tasca, com cozinha tradicional portuguesa, que ele ainda não conhecia e de que lhe tinham falado muito bem. Achei uma ótima ideia. Fui ter à sua casa (recordo-me que vivia no mesmo prédio de Carlos Carvalhas, então secretário-geral do PCP) e daí partimos para o jantar.

Chegados os dois à tasca, sentámo-nos e esperámos para ser atentidos. Comecei a estranhar o facto de, ao final de largos minutos, ninguém vir à nossa mesa. O meu amigo, que se chamava Jorge (morreu, entretanto, há uns bons anos), ia fazendo gestos, tentando chamar alguém para nos servir. Do pessoal da sala e do lado de dentro do balcão, comecei a assistir a sorrisos e a atitudes desdenhosas, que visivelmente lhe eram dirigidas. 

O Jorge era homossexual, tinha uma coreografia gestual que indiciava claramente isso, e rapidamente me apercebi que os empregados da casa estavam a escarnecer do seu nervosismo e da irrequietude dos seus trejeitos. A certo passo, ouvi mesmo de um deles: "Então quem é que vai atender o maricas?". E iam rindo, entre si, de forma alarve.

Nunca me conformei com a cobardia da reação que, a certa altura, tive. Levantei-me e disse: "Jorge, vamos embora!" Sempre fiquei convencido de que ele não estava a aperceber-se bem do ambiente que se tinha criado à nossa volta. Parecia incrédulo, não entendendo (ou talvez não querendo entender) o que se estava a passar. Eu terei achado que uma clarificação pública e sonora da situação o podia humilhar. Arrastei-o para fora do restaurante, metemo-nos num taxi.

Há poucos dias, ao entrar para o "Farta Brutos", com um grupo de pessoas, depois de uma conferência na FLAD, lembrei-me de ter sido precisamente ali que o Jorge e eu tínhamos aportado, logo depois da cena miserável passada na tasca de Alfama. 

Ainda tive a tentação de contar a história às pessoas que iam comigo. Mas achei que quem tinha sentada a meu lado, Anne-Marie Slaughter, a conferencista dessa tarde, ex-assessora de Obama, autora e universitária prestigiada, talvez tivesse alguma dificuldade em entender que, há pouco mais de trinta anos, o ambiente social de Lisboa ainda fosse tão homofóbico e discriminatório. Ou quiçá eu não quisesse, afinal, confrontar-me com o facto de, na circunstância, não ter armado a "peixeirada" que era merecida e ter, simplesmente, optado por ir jantar a outro local.

O "Farta Brutos", a que muitos chamavam o "Tavares Pobre", por se situar nas traseiras do "falecido" "Tavares", essa histórica estrela caída da restauração lisboeta, tinha-nos acolhido, nessa noite de 1990, com a urbanidade da casa decente e muito correta que sempre foi. Lembro-me bem disso.

Várias outras vezes voltei ao "Farta Brutos". Não guardo senão boas memórias desse que é, nos dias de hoje, um dos marcos constantes da boa restauração daquele (infelizmente cada vez mais descaraterizado) bairro. Na noite de há dias, voltei a comer ali muito bem. No final, recebi do proprietário o devido remoque ("Já não vem cá há algum tempo!"), a que pretendo responder com novo regresso em breve.

domingo, outubro 20, 2024

"1.° Direito"


É um " self- service", aviso já para os que não são grandes apreciadores do género - e eu, em regra, estou com eles. (Houve um tempo em que minha preguiça ia ao ponto de considerar que a "fondue" e a "raclette" me davam demasiado trabalho).

Acede-se ao restaurante através de uma estrada no termo de Monsanto, perto do estádio do Casa Pia. As indicações são escassas, pelo que vale a pena usar o GPS. Tem um espaço próprio para estacionamento, embora, a certas horas e dias, bastante ocupado nas zonas mais cómodas.

Situa-se numa edificação rústica de madeira, com um razoável espaço para mesas, umas na sala interior, outras abertas em varandas para o ar livre, e insere-se na área de apoio ao grupo desportivo de rugbi da faculdade de Direito, referência que o nome evoca. A memorabilia dos êxitos do clube enche as paredes. A decoração é "cozy", com bom gosto e elegância.

Vejo o local muitas vezes utilizado para festas ou refeições com bastante gente. Voltei lá há dias, num grupo de amigos, cenário normal por ali.

Sem ter uma comida deslumbrante, é um restaurante com qualidade média muito razoável e uma assinalável variedade, que se expressa também nas sobremesas doces, que sempre me tentam a glicémia. Como é da natureza de todos os "self-services", a partir de uma certa hora, o reforço das vitualhas pode começar a ter falhas, pelo que se não aconselham horas tardias para as refeições. Tem uma carta de vinhos com aceitáveis opções de escolha. O serviço é quase neutro, dada a especificidade do restaurante, e é apenas complementar ao nosso auto-consumo. O preço final é bastante razoável.

O "1º Direito" é uma escolha diferente na restauração de Lisboa. Recomendo uma visita.

sábado, outubro 19, 2024

"Ararate"


Finalmente, fui hoje comer ao "Ararate", um restaurante arménio em Lisboa, perto da Gulbenkian, de que me falavam bem. O espaço tem uma decoração banal, resistindo aos arrebiques folclóricos. Que tivesse dado conta, também não havia por ali referências à Arca de Noé, o velho mito local ligado ao Monte Ararat, com que me lembro de ter sido brindado quer em Yerevan, quer numa zona da Turquia vizinha do monte.

O ambiente é um pouco barulhento. O serviço é atento e competente, embora a noite fosse de muito movimento, o que me dizem ser frequente, dado o êxito comercial do restaurante. 

Assustei-me quando vi um menu com fotografias dos pratos (a imagem daqueles infernais "caçadores de turistas" da Baixa lisboeta veio-me logo à ideia), mas não tinha razão para isso: a singularidade daquela gastronomia justifica plenamente que possamos ter, por antecipação, uma imagem daquilo que nos propõem, que ali vem acompanhada por uma descrição muito competente de cada prato.

Éramos quatro pessoas. Com um couvert leve, quatro pratos, três sobremesas, um razoável vinho arménio (a carta de vinhos é bem construída, com propostas portuguesas e arménias, estas utilmente explicadas com as castas e sabores), cafés e água, pouco passou das três dezenas de euros/pessoa. 

O mais importante: comeu-se muito bem, todos ficámos muito satisfeitos. Vou regressar em breve ao Ararate. Ficaram-me os olhos e o apetite para alguns outros pratos que por ali vi.

sexta-feira, outubro 18, 2024

O telefone preto


À minha casa, em Vila Real, na longínqua noite em que a então recém-criada RTP editou o seu primeiro Telejornal, faz hoje precisamente 65 anos, não chegava ainda o "sinal" da RTP. Nem sequer tínhamos aparelho de televisão, claro!

Demoraria uns bons anos até que a "antena do Marão" viesse a ser instalada e uma imagem a-preto-e-branco, cheia de grão, acompanhada de um som fanhoso, um dia trouxesse, para nosso júbilo, esse admirável mundo novo que era emitido a partir de Lisboa. 

Ao tempo, o noticiário que sempre era escutado com alguma atenção, lá por casa, muito antes do Telejornal poder ser visto, e que, depois, coexistiu com este, era o da velha Emissora Nacional, entidade que, nos dias de hoje, se chama RDP e que faz parte da empresa RTP.

A RTP, quando foi criada, e por muitos anos, chamou-se "Radiotelevisão Portuguesa". Hoje, é designada "Rádio e Televisão de Portugal", para quem possa ainda não ter notado. É que, além dos seus vários canais de televisão, tem inúmeros canais de rádio. 

(Já agora: conhece algum canal de rádio, além da Antena 2 da RDP/RTP, que, em Portugal, transmita música clássica? Pense nisto! E aproveite para refletir sobre a ideia governamental de retirar a publicidade ao canal 1 da RTP, tornando a empresa dependente da boa vontade financeira dos governos.)

Hoje de manhã, a propósito de um assunto que não vem aqui para o caso, fui convidado para uma conversa num desses canais de rádio. E foi então que me dei conta de que a casa estava a preparar os festejos dos 65 anos do seu Telejornal. 

À senhora das relações públicas, que me recebeu à porta da RTP, eu disse uma frase enigmática: "Espero que não se esqueçam do telefone preto!" Ela, claro, não podia perceber que eu me referia a um aparelho que, por muitos anos, figurou sobre a mesa, ao lado dos locutores (muitos não eram então jornalistas, mas simples debitadores de textos preparados por outros) que liam as notícias, nesse tempo em que o teleponto ainda não existia (já agora: começou a ser usado nas "Conversas em Família" de Marcelo Caetano, no final dos anos 60).

Para que seria o telefone na mesa, muita gente se interrogaria, tanto mais que visivelmente nunca era utilizado? Supostamente, seria para dar notícias de última hora. Que me recorde, só por uma vez assisti a um desses "grandes momentos", com o telefone a tocar, o país em "suspense" e o locutor a tomar curta nota de uma notícia "grave", que nos transmitiu de seguida. Gabo-me de ter boa memória, mas não me lembro qual teria sido o assunto.

A comemoração de hoje creio que terá esquecido o tal telefone (que julgo existir no Museu da RTP, uma exposição que, infelizmente, não é muito acessível ao público em geral). Deixo-o aqui à vista, numa imagem de Gomes Ferreira (não, não é esse homónimo em quem estão a pensar!) e de uma outra onde figuram Fialho Gouveia e Fernando Balsinha. Esta última fotografia tem (para mim) a curiosidade especial de eu estar, nesse mesmo instante, fardado, por detrás da câmara, nessa ocasião em que a minha unidade militar ocupou a RTP, num certo dia de Abril de 1974.

Parabéns, RTP, pelos 65 anos do seu Telejornal!




As horas de Zelensky



Ver aqui.

A sorte de Harris


Ver aqui.

Israel e o mundo


Pode ver aqui.

América

 

(Clique na imagem para ver)

O PS e o orçamento

 


quinta-feira, outubro 17, 2024

António Correia de Campos


Seis anos me separam, em idade, de António Correia de Campos. Figura da geração académica de 1962, época em que teve um papel destacado na vida associativa universitária, creio que terá sido a sua proximidade pessoal a Jorge Sampaio e a Nuno Brederode Santos que, com os anos, ajudou a que nos aproximássemos. 

O António é uma inteligência fulgurante, somada a um humor magnífico, que, ao longo de décadas, prestou ao país grandes serviços. Conhecê-lo é privilégio de alguns, lê-lo é acessível a quantos queiram cruzar-se com uma grande figura da cidadania portuguesa.

O seu nome apareceu, aos olhos dos portugueses, muitas vezes ligado à Saúde, de que foi ministro em duas ocasiões, circunstância que sempre me pareceu algo limitativa face àquilo com que o país muito teria ganho - a sua colocação como figura cimeira, e com o necessário poder, à frente da nunca executada reforma do Estado. Com uma formação internacional muito rara, o António foi um excecional presidente do Instituto Nacional de Admininistração, e sem prejuízo do trabalho que desenvolveu na área específica onde é altamente competente, creio que Portugal o pode ter desperdiçado naquilo em que ele teria sido de uma extrema utilidade nacional.

António Correia de Campos lançou ontem o seu segundo volume de memórias. Eu diria mais, de rigorosas memórias. Para um descuidado com as lembranças como sou, o minucioso registo que o António tem vindo a fazer dos seus dias na vida pública mostra um trabalho admirável, que é, ao mesmo tempo, um índice dos anos da nossa contemporaneidade. Num diário sempre assumidamente crítico, ele conduz-nos pelos anos recentes nosso país político, através de uma escrita de grande qualidade e sem arrebiques, marcada por uma linguagem exigente, como exigente é a sua ética cívica.

Um dia, em 2001, em Nova Iorque, eu tinha levado Jorge Sampaio a visitar o "The New York Times", proporcionando-lhe um encontro com a respetiva direção editorial. Sampaio e eu partilhávamos uma imensa admiração pelo jornalismo daquela que o nosso presidente qualificava como um "bíblia laica". No meio desse encontro, o Ajudante de Campo de Sampaio trouxe-lhe um telefone portátil: tinha uma chamada urgente de António Correia de Campos. Durante uns escassos minutos, o presidente português interrompeu a visita e eu fiquei a fazer as honras dos visitantes da casa. No final, Sampaio disse-me: "Era o António Correia de Campos. O Guterres acaba de o convidar para a Saúde. Há muito tempo que isto devia ter acontecido, não acha?" Eu era da mesma opinião, embora fosse amigo de ambas as ministras que Guterres havia sucessivamente escolhido para aquela pasta e com quem tinha trabalhado muito bem: Maria de Belém e Manuela Arcanjo. A chegada de António Correia de Campos àquele "impossível" ministério não foi a tempo de dar um último alento ao segundo governo de António Guterres, do qual eu tinha saído alguns meses antes.

Desde então, passei a encontrar o meu amigo António Correia de Campos com muita e agradável frequência, no Brasil, em França, em sua casa ou em casa de um grande amigo comum, Eduardo Ferro Rodrigues, em Almoçageme, aldeua onde o António exerce com visível gosto o cargo de presidente da Assembleia Geral dos bombeiros locais, como orgulhosamente refere na badana daquele seu último livro. 

Ontem, ao ouvir Vital Moreira apresentar, ao lado de Leonor Beleza, no Palácio Galveias, esse segundo volume das suas memórias -  "Do Pântano à Pandemia" - sorri intimamente ao recordar uma noite, em 2010 ou 2011, em que o António, o Vital e eu saíamos da Brasserie Stella, em Paris. Do outro lado da avenue Victor Hugo passou uma figura que o Vital ou o António julgaram identificar como podendo ser o prolífico, famoso, embora literariamente menos unânime, escritor brasileiro Paulo Coelho. Ambos se voltaram para mim, como se eu, único dos três que por ali vivia, pudesse ter autoridade para fazer uma identificação autêntica da figura. Tive então a "lata" que ambos não tiveram e, em voz bem alta, lancei para o outro passeio da Victor Hugo: "Paulo!" Paulo Coelho olhou-nos, estugou por um segundo o passo, logo retomando o seu andamento, quiçá por ter pressentido não estarem por ali uns seus devotos leitores.

Ao António (e à Belinhas) deixamos o nosso forte abraço de felicitações pela publicação deste segundo volume das Memórias, cuja leitura já iniciei, mas que, mesmo chegado às quase três da manhã, ainda não concluí. Ontem, não conseguimos ficar a tempo de recolher uma dedicatória: o coro da Gulbenkian não esperava mais por nós.

quarta-feira, outubro 16, 2024

Honra ao mérito


À mesa da Máfia


Foi repetido, há horas, no canal "História", um documentário sobre a Máfia americana. A Máfia ainda por lá existe, nos dias de hoje, embora ao que parece um tanto debilitada. As Máfias nunca desaparecem por completo. Um dos filmes evoca um episódio famoso.

Um dia, no início de 2001, convidei para almoçar, em Nova Iorque, o historiador britânico Kenneth Maxwell, que aí trabalhava. Tinha conhecido Maxwell uns anos antes, creio que em Londres. É uma figura pessoalmente muito interessante e muito interessada por temas ibéricos e luso-brasileiros, que enchem a sua vasta e excelente biografia. Maxwell é um magnífico conversador e sabe imenso sobre os nossos tempos do 25 de Abril e períodos subsequentes.

Combinámos encontrar-nos num restaurante próximo da nossa missão junto da ONU, que eu então chefiava. Era o "Sparks Steak House", que me tinham indicado como sítio simpático para um almoço, nesse tempo em que eu começava a explorar as boas mesas nas cercanias na nossa missão. 

Por uma mera coincidência, vindos de lados diferentes da rua 46, onde se situa o restaurante, encontrámo-nos precisamente à porta. Com um sorriso enigmático, Maxwell disse-me: "Temos de entrar rápidamente. Fico sempre nervoso junto desta porta". Não percebi porquê e entrámos. 

Já na mesa, presumindo que a minha curiosidade sobre o seu comentário não se teria atenuado, o historiador perguntou-me: "Sabe o que se passou em frente daquela porta, não sabe?". Confessei que não recordava nada. "Foi ali que, há cerca de 15 anos, um dos grupos da Máfia liquidou o chefe de outra fação. Ele ia a sair e foi morto a tiro por quatro homens, enquanto o mandante da operação se mantinha num carro, à distância. Não consigo deixar de sentir sempre um frio na espinha quando estou perto daquela porta". 

Recordei-me então de ter lido sobre esse episódio da Máfia nova-iorquina, mas desconhecia que tinha sido exatamente ali que o assassinato havia tido lugar. 

Kenneth Maxwell comentou: "Cheguei a pensar que, sendo eu um historiador, me tivesse convidado para aqui por este ser já um restaurante que está na história de Nova Iorque. Embora por más razões..."

Mudam-se os tempos...

 


terça-feira, outubro 15, 2024

Prémio Mário Quartin Graça


O júri do Prémio Científico Mário Quartin Graça decidiu atribuir o Prémio relativo ao ano de 2024 ao trabalho "Meninas adolescentes em busca da vida e da identidade na literatura infanto-juvenil, no contexto das ditaduras brasileira e portuguesa – Lygia Bojunga e Alice Vieira", da autoria de Renata Flaiban Zanete.

Num ano em que constatou a apresentação a concurso de outros trabalhos de qualidade e interesse, o júri entendeu dever atribuir ainda menções honrosas às seguintes obras:

– "La superación en la Lengua Portuguesa para cursistas de centros educacionales y otros com fines especificos", de Ángel Jesús Pérez Ruiz.

"Disputas pelo neto de Noé: Tubal e as origens da Península Ibérica (1543-1666)", de Julian Bilbao.

"Sentidos da diversidade em São Paulo e Lisboa: patrimônios e alteridades nos centros urbanos", de  Altamirano.

"Reformar o Governo, conservar o Império. Economia política e administração. Angola, Bahia e Rio de Janeiro (1750-1777)", de Naira Mota.

O Prémio Científico Mário Quartin Graça é atribuído anualmente a uma dissertação de Doutoramento em Ciências Sociais e Humanas de um estudante que tenha concluído o 3.º ciclo numa universidade ibérica, latino-americana ou dos Estados Unidos da América, e é uma iniciativa da Casa da América Latina.

Tenho o gosto de presidir ao júri deste Prémio, constituído pela professora Ângela Fernandes (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), pelos professores José Soares Neves (ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa) e Pedro Cardim (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa) e por Manuela Júdice (Casa da América Latina).

segunda-feira, outubro 14, 2024

2011 e a ausência de um gravador


A partir de 2011, e por alguns anos, Portugal atravessou um período muito difícil nas suas contas externas. O agravamento dos desequilíbrios financeiros obrigou, a certo momento, a um pedido de ajuda internacional, com a subsequente negociação de um acordo com instituições multilaterais. Depois, todos fomos assistindo ao desembarque regular em Lisboa de representantes daquelas instituições que, por um tempo longo, por cá vinham dar ordens e emitir notas críticas sobre o nosso comportamento na obediência a essas ordens.

Não é objetivo deste texto falar dos heróis e dos vilões que cada um apoiou ou detestou no filme desse tempo. Já quase tudo foi escrito sobre esses protagonistas e está claro o que cada um pensa. Não vou por aí. 

Como se imaginará, por aqueles dias, as antenas de Portugal pelo mundo  - as nossas embaixadas - estiveram atentas e, cada uma à sua medida e à escala daquilo que lhe era solicitado que fizesse, procurou desenvolver o trabalho que lhe competia, umas melhor outras pior, como é da lei da vida. Cada caso foi um caso e cada experiência foi diferente das outras, se bem que integradas num todo complementar, que significou a contribuição dada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros nesse período.

Pode haver quem tenha pena que, num almoço de hoje, num discreto lugar de Lisboa, não tivesse havido um gravador para recolher os testemunhos ali prestados pelos embaixadores portugueses que, nos meses que antecederam e que sucederam ao pedido de ajuda externa, estavam então colocados em três importantes capitais: Berlim, Paris e Londres. Por quase três horas, cruzámos episódios, conferimos versões e olhámos retrospetivamente o que Lisboa significou então para nós, como centro de instruções e de informação. E também o que não significou, as nossas angústias e a nossa solidão. Nessa conversa, solta e sem peias nem baias, falámos livremente da parte que a cada um competiu naquela história. E tudo por ali ficou. 

Gaza


Durmam bem!

domingo, outubro 13, 2024

O tráfego


Ainda estou a ver a cena. Era uma feira diplomática, em Londres, aqueles eventos que as embaixadas estrangeiras anualmente organizam, cerca do Natal, para recolha de fundos, com fins caritativos. Com as mulheres entretidas nas vendas, os maridos aparecem ao final do dia, para recolher a família, olhar os stands e dar alguma ajuda. Ou apenas para ficar por ali à conversa, como era então o caso.

Nesse dia, no início dos anos 90, cruzei-me num dos movimentados corredores com dois diplomatas estrangeiros que, entre si, me pareciam envolvidos num conciliábulo algo segredado. Fiz menção de não interromper, mas fui chamado à conversa. Com a maior naturalidade, um deles perguntou-me: "Francisco. Você, normalmente, usa hotel ou tem "garçonnière"?" A pergunta era muito clara: onde é que eu me acolhia em caso de supostas escapadinhas românticas. A expressão "garçonnière", de origem francesa, foi muito usada em outros tempos do Brasil, antes do motel virar moda.

Comecei a preparar uma inocente resposta quando esse mesmo amigo se adiantou: "É que eu cansei de pagar hotel e estou arrumando uma "garçonnière". Lembrei-me que aqui o Paulo e você podiam querer partilhar comigo um espaço que encontrei, perto de King's Cross, a um preço bastante bom". Isto foi dito com o ar mais natural do mundo, naquela cumplicidade machista que desarma o interlocutor, simultaneanente "flattered" pelo convite, mas embaraçado na organização da resposta.

Olhei o Paulo, por um segundo não entendendo se ele ainda estava a refletir no assunto. Ambos sabíamos que o nosso amigo era muito ativo no registo para o qual nos convocava, pelo que a proposta era a sério. Modesto, guardei para sempre a frase com que reagi: "Agradeço muito o seu convite, mas não tenho tráfego que justifique". 

O Paulo deu uma gargalhada e disse qualquer coisa parecida. E o assunto morreu ali. Às vezes, nesses meus anos de Londres, quando passava em King's Cross, onde costumava visitar um alfarrabista, punha-me a olhar para casas e interrogava-me se em alguma delas seria a tal "garçonnière".

Há muito que deixei de ver o terceiro amigo que então organizava o aluguer (aluguel, para ele) da "garçonnière". Sei que a sua vida, sentimental e não só, deu algumas voltas. Com o Paulo, em mais de uma ocasião, recordei a história, entre gargalhadas. Ah! E, claro, fi-lo sempre diante das nossas respetivas mulheres, porque quem não deve não teme. 

Resumo da novela

Para que o eleitorado entenda um gesto político, este tem de ser muito simples: sim ou não, sem "sim, mas..." pelo meio. A atitude do PS face ao orçamento, seja ela qual for, deve ser de uma completa clareza e sem subtilezas retóricas. Se sim, por isto; se não por aquilo. Ponto.

O PS, lamento dizê-lo, conseguiu deixar a transformar a "novela" do orçamento numa questão consigo mesmo. O governo conseguiu "passar-lhe a bola". Agora, nos media, a notícia já são os socialistas que querem ver o orçamento aprovado contra os (que parece) que não pensam bem assim.

Não fossem as trapalhadas entre Montenegro e Ventura e a situação dos socialistas seria ainda pior. Todos já tínhamos percebido, nos Açores e na Madeira, que "não é não" enquanto der jeito. (Lembrem-me: de que partido era Ventura militante, antes de criar o Chega?)

O PS deveria ter dito, desde o início, uma só coisa: um governo minoritário tem de ser capaz de apresentar um orçamento capaz de passar no parlamento. A responsabilidade é exclusivamente do governo e este só não apresenta um orçamento em condições de ser aprovado porque não quer. 

Há quase um quarto de século


Há dias, neste mesmo lugar, Viktor Orbán foi zurzido por meio mundo, a começar pela presidente da Comissão Europeia. Foi no debate sobre a presidência húngara do Conselho da União Europeia, no plenário do Parlamento Europeu, em Estrasburgo. A heterodoxia do presidente da Hungria no tocante à guerra na Ucrânia está a marcar a agenda europeia.

Esta fotografia tem quase 25 anos. Vivia-se então numa outra Europa: os conflitos na Jugoslávia tinham abrandado, o tempo era de esperança em torno de um projeto que pretendia afirmar-se como um poder global, em especial no plano económico. A voz das presidências rotativas era bastante mais poderosa do que hoje acontece. A Europa comunitária tinha 15 países. Hoje tem 27.

Ao tempo desta fotografia, António Guterres era uma figura altamente consensual e prestigiada. Pouco tempo antes, tinha recusado, para contrariedade de muita gente lá por fora, a possibilidade de ser presidente da Comissão Europeia. Muita coisa parecia então ser possível. Depois, como em regra acontece, a realidade, que sempre nos ultrapassa em imaginação, tomou conta do futuro e desenhou-o como quis. 

Achei graça recordar uma imagem do que podemos considerar terem sido tempos felizes.

A via autoritária na Tunísia


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sábado, outubro 12, 2024

Esquerda e direita no Brasil


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Albion

A vida não tem corrido bem a Keir Starmer, o novo primeiro ministro trabalhista, chegado ao poder depois de um longo consulado dos conservadores. O facto destes estarem prestes a escolher, para novo líder, uma figura da sua ala radical é a primeira boa notícia para Starmer.

Atuar

Num outro tempo, quando se dizia de alguém que era "atriz", significava uma pessoa com traquejo e história nos palcos. Hoje, ao que se vê, "atriz" é uma modelo laroca que fez umas "pontas" numa telenovela e que namora com um toureiro, um corredor de automóveis ou um futebolista.

Israel e o Irão


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sexta-feira, outubro 11, 2024

A inveja da sarjeta

Há pouca coisa que, na nossa terra, irrite mais os medíocres: ver alguém destacar-se. Por isso, porque já perceberam que não conseguem sair dos respetivos buracos, só têm uma solução para alimentar a inveja que os rói: dizer mal de quem teve sucesso ou de quem é visto como tendo. É a vida, António Guterres!

Económico com a verdade

Há um líder de um partido de extrema-direita que tem vindo a colecionar declarações contraditórias e que, a cada dia, se revela mais "económico com a verdade". O seu grau de descredibilização tem vindo a crescer de forma exponencial, para natural alegria da direita tradicional.

Conferência

 

Todos os debates das Conferências de Lisboa são sintetizadas graficamente pelo génio de Daniel Perdigão, que "segue" e ilustra as intervenções dos oradores.

Nobel

Nunca acreditei que o comité Nobel de Oslo viesse a atribuir o Prémio Nobel da Paz a António Guterres, o qual, aliás, nunca foi "candidato" ao galardão e não foi havido nem achado para a evocação do seu nome neste contexto. Acho, aliás, que o Nobel foi muito bem atribuído.

6ª Conferência de Lisboa


Não cabia muito mais gente, na Gulbenkian, na sessão de abertura da 6ª Conferência de Lisboa. Foi o início de dois dias de debate sobre o tema "Um Mundo Dividido", onde ainda pode inscrever-se no site do "Clube de Lisboa".

quarta-feira, outubro 09, 2024

Biografia do exílio


O quase meio século de ditadura, entre 1926 e 1974, provocou ondas de exilados políticos, que fugiam do regime salazaro-marcelista. Para a história da construção da liberdade, em Portugal, a saga dessas pessoas espalhadas pelo mundo é ainda um capítulo insuficientemente estudado e reconhecido. Há já algumas memórias, algumas monografias localizadas, mas falta um trabalho conjunto que, nomeadamente, nos forneça elementos quantitativos e analíticos do fenómeno.

As culturas de exílio são marcadas por ruturas, por dramas familiares, por dificuldades e, muitas vezes, por imensas incompreensões. O refugiado político vive numa transitoriedade que limita a ancoragem da sua vida, muitas vezes tendo uma realização profissional mínima, quase sempre em ambientes políticos marcados pelo secretismo e pela suspeição. A conflitualidade e a insegurança marcaram os tempos dessas pessoas durante a ditadura portuguesa. Do Brasil à Espanha republicana ou à União Soviética e a outros países do "socialismo real", da França à Suíça e ao Benelux, da Argélia aos Estados Unidos ou à Inglaterra, é imensa a geografia do exílio antifascista português.

Quando fui embaixador no Brasil, procurei, em diversas ocasiões, recordar o diáspora política que a ditadura forçara. Por ali falei, na imprensa e em intervenções públicas, dos nomes de Humberto Delgado, de Henrique Galvão, mas também de Sarmento Pimentel e de Jaime Cortesão, entre muitos outros. Lembro-me de também me ter associado à evocação de memória de Francisco Cachapuz/Paulo de Castro, numa intervenção na Associação Brasileira dos Jornalistas. E tive o gosto de entregar pessoalmente, no Consulado-Geral de Portugal no Rio, uma medalha evocativa da liberdade, oferecida pela Associação 25 de Abril ao mais antigo refugiado político português, Edgar Rodrigues. Mas reconheço que fiquei muito aquém do queria ter feito.

Um dia, pedi para me encontrar com a historiadora Heloísa Paulo, que então trabalhava no Brasil. Tinha lido coisas que ela escrevera sobre o exílio português no Brasil e tentei estimulá-la para ir mais longe nesse trabalho, assegurando o apoio do embaixador português junto de entidades que pudessem facilitá-lo. À ocasião, juntei outro historiador, Douglas Mansour, que tinha em curso um interessante trabalho sobre o "Portugal Democrático", um jornal da comunidade exilada, com grande importância nos anos 60 e 70. Infelizmente, a sequência da nossa conversa acabou por se perder na onda de atividades a que um embaixador português é chamado num país da imensidão do Brasil.

Fiquei assim muito satisfeito, hoje à tarde, quando, na Fundação Mário Soares - Maria Barroso, Heloísa Paulo, que eu já não via há mais de quinze anos, se dirigiu a mim desta forma: "Viu? Segui o seu conselho e o livro que hoje aqui apresento deve muito ao seu estímulo". E, na sua intervenção na sessão teve a amabilidade de repetir o seu agradecimento por essa minha "co-responsabilidade" na obra que agora apresentou em Lisboa, numa edição da Âncora, a editora do meu amigo Baptista Lopes.

Na sessão, falou também a historiadora portuguesa, residente em França, Cristina Clímaco. Ora tinha sido precisamente com ela, com Fernando Rosas e com Luís Farinha que, em 2011, eu organizei, na Embaixada em Paris, para onde entretanto tinha sido transferido, um muito participado colóquio sobre o Exílio português em França. Foi interessante reencontrá-la, uma vez mais em torno do tema do exílio, de que tem bibliografia publicada.

A sessão da tarde de hoje culminou com uma magnífica intervenção de um antigo exilado português no Brasil, um militar do "golpe de Beja", o coronel Manuel Pedroso Marques. O Manuel, do alto dos seus mais de 90 anos, desenhou-nos um fresco sobre as gerações de oposicionistas que cruzou nos seus tempos do Brasil.

Vai ser um gosto poder ler esta obra de Heloísa Paulo. Quem me dera ter podido tê-la como guião, no meu tempo no Brasil, para o esforço que então fiz para honrar quantos por ali tinham lutado pela liberdade em Portugal. Mas mais vale tarde do que nunca.

Pobre RTP

A RTP era um dócil instrumento dos governos até ao momento em que Poiares Maduro, contra ventos e muitas marés, instituiu um regime de tutela que quase nulificou a interferência ministerial. Nessas condições, a RTP deixou de ter interesse para os governos - e não só de um lado...

Retirar a publicidade à RTP era, há muito, o sonho das televisões privadas. Ao realizar esse sonho, ganha a sua boa vontade, o que politicamente é um ganho. Ao não aumentar a "contribuição audiovisual", o governo asfixia a RTP, obrigando a despedimentos. Maior perfídia era difícil.

Ouvido por aí

Antigamente onde havia mais respeito pelos professores era no distrito de Vila Real, devido ao peso da régua.

Os degraus e as vagas


É um clube lisboeta à antiga. Muitos cavalheiros, gravata obrigatória, empregados de casaco branco. Antes que chovam ironias, deixo claro que, desde há muito, as senhoras são ali muito bem vindas, o que aliás permite atenuar o caráter às vezes demasiado sisudo do lugar. 

Almoça-se num ambiente elegante, mas descontraído, a um preço módico para os padrões do género, com menu limitado e um vinho da casa em regra bem razoável. No final, na mesa ou nos sofás de couro, quem ainda tem fígado para isso pode optar por um digestivo, para arredondar a conversa ou enquanto lê a imprensa que por ali abunda, no meio de muitos livros.

Durante muitos anos, todo o whisky servido era escocês. Foi necessária a pressão de um sócio que por acaso assina este texto para que uma garrafa de Bushmills passasse a ter entrada definitiva na prateleira dos "spirits". O meu homónimo Francisco, o magnífico chefe de sala que a todos acolhe com uma inexcedível simpatia, há muito que conhece o meu sinal para que a "lâmina dourada" do Ulster venha para a mesa a acompanhar o meu segundo café.

Entre as salas de conversa no piso de entrada, com cantos e recantos para interlocuções mais discretas, e o espaço de refeições no andar superior, que se prolonga para uma ainda mais cimeira sala dos grandes momentos, existe uma íngreme escada, em quatro lanços bem perigosos. Se a subida é penosa, a descida, já pós-pandrial, quando a euforia pode não rimar com o cuidado, converte-se no momento mais perigoso da jornada. 

Durante anos, alimentei a tese de que aquela escada tinha um cruel objetivo: abrir vagas. Como o clube tem, na sua "classe" superior, um número limitado de sócios, espalhei a ironia de que foi uma deliberada perfídia dos seus fundadores criarem aquela verdadeira ratoeira, onde membros das faixas etárias mais elevadas podem, com facilidade, vir a sofrer, momentânea e tragicamente, o efeito da força da gravidade. E, claro, por essa via, dar origem à abertura de um espaço no exclusivo "numerus clausus" da casa. 

Não faço ideia se uma vaga alguma vez foi assim criada, nas mais de oito décadas da existência do cenáculo, mas sempre recordo como, frequentemente, sentados nos sofás, acompanhávamos o percurso descendente, por aquele verdadeiro escadório social do Chiado, de figuras idosas de sócios, alguns bem conhecidos no burgo. Mas, valha a verdade, o facto de já por ali estarmos era óbvio sinal de que não ansiávamos por um qualquer lugar.

Ontem, saído da tal almoçarada com um belo grupo de amigos, dei comigo e com os meus companheiros de refeição a descer aqueles perigosos degraus, com lentidão e imenso cuidado. Ao dobrar a esquina da escada, observei, de cima, os sofás da sala, não fosse dar-se o caso de haver uma nova geração de cavalheiros a cocar a eventual abertura de uma futura vaga. É que, nos tempos que correm, afinal, os tais cavalheiros idosos já somos nós.

Passadeiras

Sou de um tempo - muito antigo - em que as pessoas, antes de atravessar as passadeiras, olhavam para ambos os lados da rua. Numa outra encarnação geográfica, lembro-me que o peão estendia o braço, para assinalar a sua intenção, antes de iniciar a travessia. Isso acabou. Agora, olha-se o telemóvel e caminha-se lentamente. Às vezes, raramente, alguns peões deitam um olhar sobranceiro para o automóvel estacado a uns metros, numa coreografia que quer significar: "Só quando eu quiser é que tu vais passar, percebes?"

segunda-feira, outubro 07, 2024

Respeito

A profunda revolta sentida pelo povo palestino, depois de décadas de injustiça e de hostilidade a que continua a ser submetido pelos governos de Israel, sob a cobarde complacência do mundo ocidental, é totalmente justificável e deveria merecer não apenas o respeito mas igualmente a solidariedade e o apoio político ativo da comunidade internacional. Na ausência de um quadro institucional estável, onde os seus anseios possam ser canalizados por via democrática, vivendo em permanência acossados numa terra que têm razões para considerarem também sua, deve compreender-se a expressão do desespero dos palestinos, privados de qualquer esperança, vendo o seu adversário confortado pelos poderes do mundo. Mas uma revolta, por muito legítima que seja - e esta é-o, sem a mais leve réstea de dúvida -, vê essa legitimidade afetada quando é titulada por certas formas extremas de violência. O que se passou no dia 7 de outubro de 2023, com o assassinato arbitrário de muito civis inocentes, com a tomada de reféns, também civis, para poderem servir de moeda de troca e de escudo humano, foi um ato obsceno e injustificável, sob qualquer pretexto. Nem a desproporcionada violência que a resposta israelita assumiu, indigna de um povo judaico que um dia sofreu a brutal chacina que a extrema-direita alemã lhe inflingiu, que em Gaza veio a juntar muito mais barbárie àquela barbárie, pode atenuar minimamente a gravidade do que se passou naquela data. Os mortos não são números e todos os inocentes devem merecer o nosso respeito.

Regresso ao redil

O Chega é alvo de uma concertada campanha de denegrimento por parte da direita e da comunicação social "endireitada". Mesmo que isso prejudique conjunturalmente a esquerda, o objetivo é interessante: tentar que quem vota nessa gente regresse ao redil da decência democrática. 

João Diogo

 


"Soares é fixe!" não é fixe


Num zapping, há dias, apareceu-me um filme, datado deste ano, intitulado "Soares é fixe!". O tema era interessante. Nenhuma figura política portuguesa mereceria mais que lhe fosse dedicado um filme do que Mário Soares. Era uma bela ideia. Assim, como Augusto Gil na "Balada da Neve", fui ver...

Que desilusão! Que tempo perdido! O filme é mal construído, saltita erraticamente entre épocas em moldes confusos, tem algumas interpretações lamentáveis. A maioria das figuras políticas de segunda linha que pretende retratar só por milagre podem ser identificadas.

Num dos "flashbacks", há uma cena, tida como passada em Bad Münstereifel, em 1973, na data em que foi fundado o Partido Socialista. Nela surge um diálogo supostamente ali ocorrido, entre Soares e Salgado Zenha. Ora quem conhece um mínimo destas coisas sabe que Zenha nunca esteve nessa reunião na Alemanha...

Um conselho, portanto: não percam tempo a ver "Soares é fixe!". Só me surpreende o facto de várias entidades de prestígio terem ficado com o seu nome associado a esta triste aventura cinematográfica. Imagino que tenham ido ao engano. 

(Quem me conhece um pouco, dirá: mas que acrimónia face ao filme! É verdade. Fiquei irritado. Nos 50 anos do 25 de Abril e do centenário do nascimento de Mário Soares, este é um triste "monumento" à sua memória.)

The Independent

 


domingo, outubro 06, 2024

6ª Conferência de Lisboa


No seu espaço de comentário na informação da SIC, Luís Marques Mendes teve a amabilidade de destacar, há pouco, a próxima realização da 6ª Conferência de Lisboa, organizada pelo Clube de Lisboa, a cuja direção presido.

Nos dias 10 e 11 de outubro, na Fundação Calouste Gulbenkian, vamos juntar especialistas portugueses e de vários países, em torno do tema "Um Mundo Dividido".

A entrada é livre, apenas sujeita a inscrição prévia aqui: https://www.clubelisboa.pt/. Pode também participar online.

O Brasil regressa ao voto


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Verde tinto ?


Acho uma imensa insensatez - e isto é apenas um suave "understatement", a disfarçar o que intimamente penso - a decisão de pôr o (meu) Sporting a jogar com este equipamento. 

Presumo, aliás, que deva haver muitos e muitos milhares de sportinguistas a pensar como eu.

Em tempo: dizem-me que a mudança de equipamento se ficou a dever a uma causa solidária. Se assim é, já não está cá quem falou.

O surto da extrema-direita


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As guerras de Israel


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Comemorar a República, sempre!


Nessas comemorações, e talvez não por acaso, tem sido dada uma ênfase muito especial às caraterísticas do regime parlamentar que, depois de 1910, foi instalado em Portugal, por cerca de 16 anos.

É natural que a sociedade que emerge do ato revolucionário seja a primeira a ser identificada com esse mesmo ato. Mas o que já acho menos natural é que se procure colar, quase exclusivamente, a imagem da República às dificuldades e peripécias que ela viveu nesses 16 anos, não olhando, com o mesmo cuidado, para o percurso futuro dos ideais republicanos no seio da sociedade portuguesa, nos 84 anos que se seguiram a essa experiência.

Ao deixarmos que as coisas assim se processem, não estamos a fazer nada mais do que aquilo que o Estado Novo, e outros inimigos da República, não tenham teimado em fazer, ao longo dos tempos, com uma pedagogia negativa, de diabolização das ideias republicanas e de ataque às forças partidárias, que teve êxito na mentalidade de algumas gerações.

É um facto que a I República portuguesa criou um regime que veio a revelar-se instável – embora convenha dizer, desde já, que muita dessa mesma instabilidade acabou por ser provocada pelos inimigos da República, pelos derrotados do 5 de Outubro, e que, igualmente, nela se refletiu a caótica herança deixada pelo regime que nesse dia foi derrubado. 

Há ainda que lembrar, porque alguns o procuram deliberadamente esquecer, que Portugal vinha de quase um século de objetivo declínio, enquanto país. A independência do Brasil, em 1822, que foi durante muito tempo a nossa verdadeira grande colónia, consagrou um momento de rutura, sem recuo, para os interesses económicos de Portugal. A morte do dom João VI marcou o fim do Antigo Regime, abrindo caminho a uma guerra civil muito sangrenta – a última que teve lugar em Portugal. 

A vitória do liberalismo, no fim desse combate de alguns anos, representou a tentativa de implantar uma primeira gestão democrática, com escrutínio parlamentar. Esse foi um momento muito importante de colagem do país à modernidade política. Mas o liberalismo acabou por não representar a salvação automática da Pátria.

Todo o resto do século XIX, bem como a primeira década do século XX, correspondeu a um período de forte conflitualidade político-partidária, de grande instabilidade governativa, de emergência de novos atores económicos e sociais, todos com ambições de representação no seio do sistema. Os vícios dessa primeira grande experiência parlamentar foram descritos, de forma insuperável, por Eça de Queirós, que ganharia agora em ser revisitado.

Mas os políticos e os seus partidos não foram os únicos intérpretes da representação e da coreografia prevalecente no regime de então. A benevolência histórica dos portugueses tende, quase sempre, a absolver os monarcas de responsabilidades nos episódios mais negros que ocorreram nesse período.

Mas convém sermos claros, de uma vez por todas: a memória dos reis que alicerçaram a nossa magnífica História, e que ao país prestaram serviços extraordinários desde a nossa existência como nação, foi muito mal servida pelas figuras que o final da dinastia de Bragança proporcionou ao país, enquanto monarcas.

Nestes últimos anos, temos vindo a assistir em Portugal à emergência de uma certa historiografia revisionista e saudosista, que tem procurado branquear as responsabilidades dos últimos monarcas portugueses, atenuando as acusações à sua falta de liderança, explorando um certo “glamour” que, no imaginário popular, se associa às cortes, às princesas e aos reis. Essa escola de fabricação de memória, que tem estado particularmente ativa neste último ano – em livros, jornais e blogues –, esquece deliberadamente o triste alheamento de alguns desses monarcas perante a degradação do país, o seu diletantismo e desinteresse face aos principais problemas que então atravessavam a sociedade, os escândalos dos adiantamentos financeiros feitos pelo erário à família real, a cumplicidade de monarcas com golpes autoritários, bem como a sua anuência com medidas repressivas já pouco comuns na Europa constitucional da época.

Foi nesse ambiente, onde se refletia a crescente incapacidade da nossa Monarquia para representar os interesses coletivos da sociedade e para sustentar soluções políticas capazes de superar as suas divisões, que se foram criando as condições para o florescimento das ideias republicanas.

Antes de ser um sistema político, a República era e é um corpo de princípios. Em Portugal, o republicanismo foi uma linha de pensamento que assentou, originariamente, na afirmação de uma espécie de ética nova de cidadania – numa sublimação, muitas vezes um pouco caricatural e radical, de princípios de organização social e de representação popular que se pretendiam regeneradores da visível situação de declínio que o país atravessava. E essas ideias foram tendo um crescente sucesso na opinião pública porque a Monarquia – aquela Monarquia – se mostrava já claramente incapaz de pilotar uma saída política para a crise portuguesa.

Por isso, é importante que situemos o projeto republicano português no mundo desse tempo, marcado pela prevalência simplista de algumas ideias da Revolução Francesa, pela crescente popularidade dos ideários de libertação social, que faziam caminho fácil num novo operariado e em classes urbanas, que tentavam consagrar a sua emancipação política. O radicalismo, alguma crispação e muita agressividade, levados aos extremos e potenciados pela rigidez do sistema, passaram a fazer parte integrante dessa doutrina, com que se procurava consagrar uma nova legitimidade, que pretendia devolver a sociedade aos seus cidadãos.

Acresceu ainda, no caso português, a revolta pela humilhação provocada pelo imperialismo britânico em África – o “mapa cor-de-rosa” -, que deixara claros os limites da fraternidade que o Tratado de Windsor proclamava.

Por toda a Europa – e Portugal não escapou a isso – uma cultura de violência ligou-se, assim, à ação política. No nosso caso, o regicídio de 1908 foi o tempo mais trágico na expressão concreta dessa conflitualidade.

Quero com isto dizer que o regime que sai do 5 de Outubro é um sistema político marcado por uma matriz radical que havia sido aculturada nas últimas décadas de um modelo decadente e já sem saída. A prova provada de que o problema residia, então, na própria Monarquia portuguesa é o facto da República portuguesa, ao ser implantada, ter acabado por ser apenas o terceiro regime de matriz republicana existente em toda a Europa, depois da França, em 1789, e do caso muito particular da Suíça.

A chefia do Estado, em todo o resto da Europa, permanecia ainda titulada por reis. E esse ponto também é muito importante para se entender a dificuldade da nova administração republicana de conseguir a sua aceitação e reconhecimento internacional. A classe dirigente de uma nova República, surgida num país pobre da Europa, tinha grandes dificuldades em falar, de igual para igual, com Monarquias ligadas por regulares alianças familiares.

Com exceções a confirmar a regra, podemos dizer que os regimes monárquicos sobreviveram em países onde os respetivos titulares, em momentos decisivos da sua história, souberam colocar-se do lado certo, representando os interesses profundos das populações e as opções corretas para a estabilidade das sociedades. Se olharmos bem para a História, verificaremos que cada uma das Monarquias existentes na Europa se justifica pelo facto dos seus titulares conjunturais terem sabido, no momento certo, afirmar com dignidade os interesses do seu país e do seu povo. E, a contrario, verificaremos que a imensidão de países que deixaram de ser Monarquias adquiriram o estatuto de Repúblicas muitas vezes pelo facto do seus monarcas, em épocas decisivas, não terem estado à altura de situações com que foram confrontados. Esse foi, claramente, o caso de Portugal. 

Mas voltemos ao 5 de Outubro.

O novo regime republicano que dele sai identifica-se numa ideologia burguesa e urbana que eleva elementos tido como caraterizadores de emancipação popular – de que o laicismo e a aposta na instrução pública eram os vetores centrais – a uma espécie de dogmas de uma nova cidadania, para além do culto e promoção de valores de solidariedade e de responsabilidade.

Essa marca da República, expressa na tentativa de impor um choque cultural a uma sociedade fechada, predominantemente rural, com grande influência clerical e muito presa a um Portugal tradicional, acabou por ser a fonte de muitos dos erros cometidos pelo novo regime, que atropelou frequentemente, nesse caminho vanguardista, valores como a tolerância e o respeito.

A ele se opuseram, contribuindo também para a sua rigidificação, não só algumas expressões mais reacionárias da sociedade portuguesa – de que o fenómeno proto-fascista de Sidónio Paes é o exemplo mais flagrante – mas, igualmente, os radicalismos esquerdistas, nas suas expressões anarquistas ou tributárias da nova ilusão soviética.

Se a tudo isto somarmos uma entrada mal preparada na I Guerra Mundial, com o louvável objetivo de salvar o que restava do império e da partilha da conferência de Berlim, mas que acabou por potenciar a acrimónia nas Forças Armadas, veremos que estava a ser criado, crescentemente, um ambiente para colocar Portugal pela hora da onda autoritária que então já ia atravessando muito da Europa.

O golpe de 28 de Maio de 1926 é apenas o corolário da mudança na relação de forças interna e na crença da regeneração por via autoritária – é sempre mais simples governar quando se calam violentamente os adversários. E até reduzir o défice!

Mas há uma coisa que devemos ter bem claro: os 100 anos da República portuguesa, ou da República em Portugal, não se esgotam nem se identificam exclusivamente com a experiência parlamentarista iniciada em 1910, esmagada autoritariamente em 1926. A nossa República está muito para além desses seus 16 primeiros anos.

A República está bem presente em todos quantos lutaram nas trincheiras do 3 a 7 de fevereiro de 1927, está nos combatentes exilados da Liga de Paris, está nas revoltas da Madeira, da Marinha Grande, da Mealhada, da Sé, de Beja, no assalto ao Santa Maria, nas audácias de Henrique Galvão ou Palma Inácio.

Está também na coragem dos que assinaram as listas do MUD e que, por isso, sofreram consequências em toda a sua vida futura.

A República está na vontade cívica que lançou as candidaturas de Norton de Matos, de Quintão Meireles e de Ruy Luís Gomes.

Foi a República que trouxe Humberto Delgado ali, à estátua de Carvalho Araújo – ele próprio um homem da República –, no final de uma manhã de 1958, de que fui jovem testemunha, pela mão do meu Pai.

Foi o espírito da República que sobreviveu e alimentou as lutas clandestinas que atravessaram o país durante as décadas da repressão do Estado Novo, nas prisões e nas deportações, de Peniche ao Tarrafal, nos exílios em França, no Brasil ou na Argélia.

Foram os ideais republicanos que mobilizaram jornalistas e escritores contra a censura, que estimularam as lutas estudantis e souberam criar uma espécie de contra-cultura que serviu de magma à mudança das mentalidades que foi fazendo o seu caminho nas novas gerações.

Foram os ideais republicanos que primeiro souberam evoluir, entre nós, na perceção da questão colonial, entendendo que os antigos paradigmas não tinham já espaço histórico e que era necessário respeitar o acesso dos outros aos direitos que para nós reclamávamos.

Aqui, em Vila Real, foram os ideais republicanos que, ciclicamente, mobilizaram, em condições de alguma perseguição e pretendido temor, algumas figuras de notável recorte cívico, aproveitando brechas que o Estado Novo por vezes se via obrigado a conceder. Quero lembrar, nesta ocasião, como símbolos dessa luta, os nomes de Otílio de Figueiredo e de António Cabral, que tive o privilégio de cruzar num desses exaltantes tempos da vida que valeram a pena.

E foram – uma vez mais – os ideais republicanos que animaram quantos, finalmente, se envolveram nessa aventura, magnífica e sem par, que foi o 25 de Abril.

De lá para cá, mais de 36 anos passados, continuam a ser os princípios republicanos a marcarem a nossa Constituição, a servirem de referente às liberdades que usufruímos, as quais estruturam o nosso sistema político, no qual se procuram, e serão encontradas, as soluções para a crises do nosso quotidiano.

A República, com todos os seus sobressaltos e problemas, continua a ser, entre nós, o outro nome da Liberdade.


(Intervenção que proferi em Vila Real, no dia 3 de outubro de 2010, nas comemorações da implantação da República)

Viajar livre

Uma vez, há já bastante tempo, fiz uma viagem de carro, entre Paris e Vila Real. Saía, por esses dias, de quatro anos de embaixador em Franç...