Como europeu, e olhando a História, tenho a difusa perceção de que, no dia em que a França colapsar como país atuante no centro do processo integrador, este entrará rapidamente em desagregação.
Independentemente
da sua singularidade dentro da União Europeia, da leitura egoísta que sempre fez
do interesse comum, a França continua a ser o ponto referencial que liga a
Alemanha ao sul do continente e do próprio Mediterrâneo. Além disso, Paris faz uma
articulação particular com Londres, como únicos poderes militares relevantes dentro
da União, ambos com um estatuto privilegiado no Conselho de Segurança da ONU.
Não sei se a
França é a “chave” da Europa, mas a experiência faz-me cada vez mais pensar que
sim.
Conheço
poucas sociedades mais arreigadamente conservadoras do que a francesa. Por
detrás da modernidade de muitas das suas ideias magníficas, há por ali um
imobilismo institucional atávico que a torna extremamente refratária à mudança.
Sendo o país da União com maior gasto público face ao PIB, a França alimenta um
Estado pletórico, com que Esquerda e Direita vivem confortavelmente. Saber se
isso é compatível com os seus níveis de prosperidade e de competitividade não parece
ser uma uma preocupação coletiva relevante.
Desde há uns
anos que se pressente que a França vive sobre um vulcão. O modelo de integração
étnico-social falhou, a ausência de um “terreno” de cidadania comum aos seus
cidadãos de origens diversas é cada vez mais evidente, os medos e as tensões económico-sociais
sobem exponencialmente. Basta passear por Marselha ou por algumas “banlieues”
de grandes cidades para disso se ter uma ideia clara.
A direita
democrática francesa não consegue construir uma narrativa de projeto totalmente
despoluída dos fatores que facilitam o proselitismo da extrema-direita. Pelo
contrário, o oportunismo fê-la recuar dos seus reflexos republicanos
históricos.
Por seu
turno, a esquerda democrática parece esquizofrénica, com um setor a dar ares de
ter sido raptado por um súbito discurso neo-liberal, enquanto outro persiste
nalguns clichés de um socialismo datado. O PS francês, por ausência de um
projeto realista, corre hoje riscos sérios de fratura.
A forte clivagem
social e os medos securitários, agravados pelo terrorismo e pelas migrações, tornam
a opção pela extrema-direita - agora já sem o custo das diatribes inaceitáveis
de Jean-Marie Le Pen - cada vez mais apelativa, limitada apenas pelo bizarro
sistema de representação parlamentar (apenas 3 deputados do “Front National”
num total de 577, com bem mais de 20% de votos).
Finalmente,
a “esquerda da esquerda”, que tem mais rua que votos, recomenda aos sindicatos
que sigam o slogan de há quase meio século: “sejam realistas, peçam o
impossível!”
Aguardemos.