Os governos chefiados por José Sócrates tiveram dois tempos
distintos, no que respeita ao controlo das contas públicas. Depois de um
período notável de contenção, a forma que assumiu a sua reação à crise global, na
sequência de recomendações europeias, seguiu um caminho que conduziu a um
descontrolo do défice. Uma forte injeção de dinheiros públicos não teve os
esperados efeitos no crescimento e na recuperação da economia. Tudo foi
agravado pela conjugação de fatores negativos, em especial pela retração
económica dos nossos principais parceiros. Foi um tempo penoso, com uma Europa
hesitante. Até que chegou a “troika”.
A atual maioria foi capaz de instalar no imaginário público
a ideia de que o PS de Sócrates foi o único culpado pelo descalabro financeiro
a que se chegou a 2011. Contudo, puxando pela memória dos anos imediatamente
anteriores a essa data, não consigo recordar o catálogo de cortes orçamentais
que os partidos dessa mesma maioria então propuseram. Pelo contrário, quase só
me lembro de propostas para mais despesa. Era o PS que estava no governo, mas a
oposição não deu então sinais da uma grande responsabilidade financeira. E
disto, curiosamente, ninguém fala.
António José Seguro herdou um partido derrotado, num país com
uma “troika” sob a sua principal assinatura. Esmagado pela “culpa” e pela
necessidade de recredibilização como força de governo, cometeu o erro de deixar
passar em quase silêncio a onda de diabolização do património dos governos de
Sócrates, sem cuidar em valorizar as suas inúmeras virtualidades. Isso foi-lhe
fatal, porque o PS não lhe perdoou.
Sócrates regressou entretanto ao país e, perante o
embaraçado silêncio socialista, encarregou-se de defender a sua própria herança.
Sem assumir um único erro, justificou-se e personalizou o debate com o
presente. Em perspetiva, considerando o modo divisivo como já era então visto,
somos forçados a concluir que ter Sócrates a promover a ação dos seus próprios governos
acabou por não ser algo muito eficaz.De um dia para o outro, contudo, o mundo mudou.
Sócrates foi
preso e António Costa chegou à liderança de um PS incomodado consigo mesmo. Se
defender parte do património dos governos de Sócrates iria sempre exigir um
trabalho de “filigrana”, depois do terramoto da prisão a tarefa tornou-se muito
mais difícil. Reconstruir uma proposta socialista credível nesta delicada
conjuntura é a sua nova “quadratura do círculo”. E António Costa demonstra
estar a conseguir fazê-la.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")