O espetáculo diário do governo
grego na sua luta, cada vez mais inglória, com as instituições europeias nada
tem de dignificante para a própria Europa. A humilhação de um poder político,
que tem atrás de si um mandato de desespero, por mais irracional que ele possa
ser, é uma imensa bofetada na democracia e um insulto à própria ideia de União
Europeia.
Fruto de imensos erros próprios,
somados à irracionalidade da política austeritária imposta pelos credores, a
Grécia gerou uma situação que colocou no poder um governo portador da mirífica
agenda de pôr termo à tutela estrangeira e recuperar, de um dia para o outro, o
poder decisório nacional.
Muitos foram os que olharam com
simpatia essa revolta, que prometia uma apetecida luta de um David contra o
Golias da “troika”. E não foram poucos os que acreditaram que a atitude grega
trazia um saudável abanão no “pensamento único” dominante.
Olhando em perspetiva, somos
forçados a concluir que o modo radical como a Grécia carreou para o debate a
questão do combate à austeridade acabou por enfraquecer fortemente uma linha menos
confrontacional, que estava a começar a fazer o seu caminho, nomeadamente no
Parlamento europeu, em algumas forças políticas no governo ou na oposição, bem
como no próprio discurso da Comissão e do BCE. O sucesso dessa estratégia reformista
estava longe de garantido, mas o facto do combate à austeridade ser hoje
bastante identificado, até na comunicação social, com o suicidário “tudo ou
nada” grego não facilita as coisas.
Ninguém faz ideia de como este
braço de ferro entre a Grécia e as instituições europeias irá terminar. Mas
ninguém já espera que Atenas vá cantar vitória ao fim do dia. Para uns, isso
significará apenas a prevalência do bom senso. Para outros, traduzirá a
humilhação de uma nação, sujeita a um diktat externo.
Vou por outra leitura. Até há uns anos, a União
Europeia era a imagem da solidariedade, uma ealiança para o desenvolvimento, o
bem-estar e a paz. Com o caso grego a reforçar bem essa nota, a Europa tende,
cada vez mais, a ser olhada como um “big brother” disciplinador, zelador de uma
matriz comportamental, regida pela lógica obsessiva do mercado, numa
hierarquização interna de poderes que relega para as calendas (que, aliás, são gregas) a ideia da “igualdade dos Estados”,
que ainda surge na letra dos tratados. Confesso que tenho cada vez mais dúvidas
de que, a prazo, seja possível compatibilizar este modelo de Europa com a
salvaguarda das ordens constitucionais nacionais.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")